A incontornável necessidade de baixar o spread bancário
Aperfeiçoamento econômico pode encontrar barreira política
Publicado em 5 de abril de 2018 às, 17h19.
No mar de jabuticabas brasileiras, uma recorrente pelos prejuízos que causa ao crescimento é o spread bancário. Sob qualquer ótica, a diferença entre os juros pagos na ponta e os juros básicos está acima de qualquer comparação internacional. Por exemplo, o spread bancário médio no mundo em 2015 foi de 6,2%, enquanto no Brasil foi de 31%. Entre 2006 e 2015, a média do spread foi de 31% e mesmo com a queda de juros que se viu no último ano, não houve movimentação para queda do mesmo, pelo contrário, ele continuou subindo.
Como colocamos no artigo anterior, há esforço para a queda dos juros básicos pelas boas práticas macroeconômicas, que passam essencialmente por uma boa gestão fiscal e monetária. E começou a haver também uma busca por soluções microeconômicas para diminuir o spread. Talvez a mais importante mais recentemente seja o cadastro positivo. Pronto para ser aprovado nesta última quarta-feira, a medida foi reformulada e deverá voltar ao Senado.
O projeto em vias de aprovação contemplava a obrigação de participar do sistema, mas agora será dada a opção de o cliente sair do sistema dentro de 30 dias, além de aumentar a segurança dos dados, o que é positivo. São medidas que não mudam tanto o escopo do projeto, mas atrasam o ataque a uma das jabuticabas mais resistentes da economia brasileira.
A ideia básica do projeto é aumentar a informação sobre os bons pagadores, o que poderia diminuir o spread de forma geral, pois ficaria claro para todo o sistema que para estes valeria spreads menores. Ele não é tão forte como garantias concretas de retomada de bens (alienação fiduciária) ou de desconto direto em folha (crédito consignado), mas ele permite que o crédito de forma geral possa ser fornecido a taxas menores para aqueles que tem se mostrado adimplentes de forma sistemática.
Ao permitir focar o crédito nos adimplentes, ajudará a diminuir um dos maiores culpados pelo spread, que é a inadimplência. O Banco Central considera de forma geral que 55% do spread se dá por conta deste item, e quase todo o restante por impostos e lucros dos bancos. Este último particularmente responde por quase 25% dele.
Este ponto terá que ser atacado ao longo do tempo em conjunto com o cadastro positivo. E ele está relacionado com o excesso de concentração bancária no Brasil. Cinco bancos concentram praticamente 80% dos ativos e quando consideramos a concentração nos três principais bancos, que permitem comparações internacionais, a diferença é mais gritante. Para esses três, ainda em dados de 2015 do Banco Mundial, a concentração bancária no Brasil era de 66%. China e Argentina tinham 42% de concentração bancária e EUA, 35%.
Parte desse problema acabará sendo resolvido pela evolução das fintechs, que ao ganhar confiança do consumidor médio, permitirá que essas instituições cresçam e concorram com os bancos maiores. Faz parte desse processo a evolução tecnológica do sistema bancário. Da mesma forma que vimos várias empresas se aliarem à tecnologia para se tornarem disruptivas, o mesmo acabará acontecendo com o setor financeiro. Ainda não apareceu o Uber ou o Airbnb dos bancos, mas o blockchain parece ser a tecnologia que permitirá isso.
Essa nova tecnologia poderá permitir com o tempo que a contratação de empréstimos seja mais livre e independente de uma terceira parte, um banco. Esses empréstimos, peer-to-peer como se chamam, serão possíveis pois dentro do blockchain a segurança é quase absoluta. Ainda há muita incerteza sobre como avançar nesse sistema, pois o blockchain é aberto, ou seja, todos dentro dele podem ver as transações que estão sendo feitas. Há grupos sendo formados para desenvolver sistemas de blockchain permissionados, em que haveria restrição sobre o que se poderia se ver das transações individuais. Para além disso, há toda uma insegurança por parte do Banco Central de liberar um sistema que potencialmente não passaria pelo banco, o que aumentaria o risco sistêmico de alguma crise financeira fora da alçada do banco.
Em que pesem as dificuldades, ao menos internamente as novas tecnologias permitirão sistemas mais eficientes, que colaborarão com a diminuição de custos de qualquer maneira. Ao mesmo tempo, facilitará o processo de tomada de crédito ao aliar a tecnologia com o cadastro positivo. Isso favorecerá a competição e a própria queda dos spreads.
Esse processo, hoje, parece inexorável e demandará um aperfeiçoamento contínuo por parte do governo, especialmente BC e Fazenda. Até porque não há muita alternativa a isso. A tentativa do governo anterior de baixar o spread na marra forçando os bancos públicos a fazer isso deu apenas em prejuízo a esses bancos e de nada mudou o spread médio do sistema.
Para os próximos anos essa queda de spread terá um enorme potencial de consumo. O brasileiro só parece endividado, mas ele não é quando se compara com o resto do mundo. Com o crédito mais barato, ele poderá alavancar consumo de forma mais segura. Talvez não haja país do mundo, com exceção da China, com potencial forte de consumo futuro como o Brasil de hoje se essas mudanças continuarem. Esse próprio potencial de consumo aliado à estabilidade macroeconômica será um atrativo para que aumente a competição bancária.
Mas para continuar esses aperfeiçoamentos, estamos atados à política. Infernal pensar que tantas boas e positivas mudanças sendo encaminhadas podem ser perdidas ou barradas a depender da vitória de alguém incapaz de conseguir levá-las adiante. Esse risco, como tenho sistematicamente apontado nos artigos, permanece levado.