A guerra da Ucrânia e o impacto das sanções econômicas
O risco Rússia surgiu no radar e fará com que os países europeus cada vez mais diversifiquem suas importações de energia, especialmente de gás natural
Da Redação
Publicado em 1 de abril de 2022 às 15h08.
Por Sergio Vale*
Com mais de um mês da guerra da Ucrânia, não está claro ainda quando ela poderá terminar. Mesmo assim, a Rússia sai como clara derrotada, mesmo que vença, pelo que terá de consequências de longo prazo em suas exportações. O risco Rússia surgiu no radar e fará com que os países europeus cada vez mais diversifiquem suas importações de energia, especialmente de gás natural. Cai no colo dos americanos a possibilidade de virarem novamente uma potência energética exportadora, algo que não são desde os anos 50.
Para o Brasil, a oportunidade de ser um forte exportador de energia se perde. No caso do gás natural, estamos distantes de ter terminais de gás liquefeito para exportação, o que poderia ter acontecido se os planos do porto de Açu tivessem avançado como se deveria. Não vamos conseguir explorar as oportunidades que tivemos quando as sanções econômicas começaram a ser implementadas durante a 1º Guerra Mundial. Ainda em caráter experimental, sanções foram feitas contra a Alemanha, especialmente contra a produção de aço e importação de manganês, importante para dar liga ao aço. O Brasil era o quarto maior exportador de manganês para a Alemanha, já explorando as jazidas de Minas Gerais. Quando do bloqueio contra a Alemanha, o Brasil perdeu esse canal de exportação, mas ganhou os americanos, que se tornaram produtor importante de aço. Em poucos anos, o Brasil quadruplicou as exortações de manganês, agora para os EUA.
Essas e outras histórias estão no livro de Nicholas Mulder, “The Economic Weapon: The Rise of Sanctions as a Tool of Modern War”. A narrativa é sobre a criação das sanções econômicas durante o início do século XX e seu amadurecimento até a 2º Guerra Mundial. Mas o que era para ser usado como uma alternativa eficaz eficiente contra a guerra usual, se mostrou muito pouco efetiva. Tirando poucos casos em sua grande maioria em países pequenos, as sanções nunca funcionaram a contento. Houve sempre muita expectativa sobre seu funcionamento, mas causaram danos colaterais ou pioraram a situação em outros momentos.
O caso da invasão italiana na Etiópia em 1935 é relevante. Os italianos sofreram pesadas sanções econômicas pela invasão que os enfraqueceram nos anos seguintes. Mas serviu de alerta para seus aliados, especialmente Alemanha e Japão, para se prepararem de modo mais autárquico para o que viria a Frente. Na 1º Guerra Mundial de certa forma a Alemanha conseguiu escapar de sofrer com a sanções porque conseguia produzir muito domesticamente e tinha outros canais de importação que não passavam pelo bloqueio. Há sempre furos nesse tipo de sanção ou consequências indesejáveis que precisam ser pensadas. Atualmente, Mulder considera que existam mais de 20 mil sanções sendo aplicadas para pessoas, empresas e países, mas com eficiência em torno de 20% apenas e em geral para parte mais fracas, como empresas e pessoas.
Isso nos traz de volta à guerra da Ucrânia. Sanções foram implementadas, mas com o rublo voltando praticamente ao patamar pré-guerra fica a dúvida se as sanções estão de fato funcionando. No caso russo, há uma enorme válvula de escape que são os chineses. Além disso, assim como em outros momentos no passado, precisamos acompanhar quão nacionalistas eles e tornarão. Pesquisas de opinião recentes mostram que Putin conseguiu o que queria, que era voltar sua popularidade para a casa dos 80%. Sem acesso à informação, à população russa é vendida a ideia de um ataque ocidental ao país. Isso pode aumentar ainda mais o nacionalismo já exacerbado em um país em que isso sempre foi uma questão importante.
Mesmo as sanções econômicas não funcionando como se imaginaria, o enfraquecimento histórico da Rússia acelerou. A forte base de exportações de commodities para o Ocidente vai enfraquecer e a dependência crescente do mercado chinês vai colocar duas forças políticas em permanente confronto. A China se aproximar da Rússia tem o dano colateral de aumentar a desconfiança do Ocidente em relação a ela e por mais que possa fortalecer a moeda chinesa como sistema de pagamento em detrimento do dólar, aprofunda uma globalização cada vez mais fraturada.
Para o Brasil, o impacto seguirá sendo inflacionário. As sanções econômicas acabaram por afetar o mercado de fertilizantes também e esse é um dos maiores impactos para o Brasil, além do petróleo. É provável que o país consiga adequar o problema dos fertilizantes com outros compradores e alguma normalização no leste europeu até o final do ano. Na pior das hipóteses em termos de falta de fertilizantes a produção de soja poderia cair 2% na safra 2022/2023 ao invés dos estimados 16% de alta antes da crise, segundo cálculos da MBAgro. Mas o impacto no curto prazo joga a inflação para próximo de 12% já em abril, o que torna difícil uma queda acelerada do IPCA ainda este ano. Vamos amargar juros elevados de 13% ou mais por vários meses ainda. Esses diversos choques em sequência, primeiro a pandemia, agora a guerra, trará consequências econômicas para além de 2022. Será um início de mandato presidencial em 2023 muito tensionado e exigirá muita habilidade do novo governo. Resta saber se conseguirá ou não.
*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados.
Por Sergio Vale*
Com mais de um mês da guerra da Ucrânia, não está claro ainda quando ela poderá terminar. Mesmo assim, a Rússia sai como clara derrotada, mesmo que vença, pelo que terá de consequências de longo prazo em suas exportações. O risco Rússia surgiu no radar e fará com que os países europeus cada vez mais diversifiquem suas importações de energia, especialmente de gás natural. Cai no colo dos americanos a possibilidade de virarem novamente uma potência energética exportadora, algo que não são desde os anos 50.
Para o Brasil, a oportunidade de ser um forte exportador de energia se perde. No caso do gás natural, estamos distantes de ter terminais de gás liquefeito para exportação, o que poderia ter acontecido se os planos do porto de Açu tivessem avançado como se deveria. Não vamos conseguir explorar as oportunidades que tivemos quando as sanções econômicas começaram a ser implementadas durante a 1º Guerra Mundial. Ainda em caráter experimental, sanções foram feitas contra a Alemanha, especialmente contra a produção de aço e importação de manganês, importante para dar liga ao aço. O Brasil era o quarto maior exportador de manganês para a Alemanha, já explorando as jazidas de Minas Gerais. Quando do bloqueio contra a Alemanha, o Brasil perdeu esse canal de exportação, mas ganhou os americanos, que se tornaram produtor importante de aço. Em poucos anos, o Brasil quadruplicou as exortações de manganês, agora para os EUA.
Essas e outras histórias estão no livro de Nicholas Mulder, “The Economic Weapon: The Rise of Sanctions as a Tool of Modern War”. A narrativa é sobre a criação das sanções econômicas durante o início do século XX e seu amadurecimento até a 2º Guerra Mundial. Mas o que era para ser usado como uma alternativa eficaz eficiente contra a guerra usual, se mostrou muito pouco efetiva. Tirando poucos casos em sua grande maioria em países pequenos, as sanções nunca funcionaram a contento. Houve sempre muita expectativa sobre seu funcionamento, mas causaram danos colaterais ou pioraram a situação em outros momentos.
O caso da invasão italiana na Etiópia em 1935 é relevante. Os italianos sofreram pesadas sanções econômicas pela invasão que os enfraqueceram nos anos seguintes. Mas serviu de alerta para seus aliados, especialmente Alemanha e Japão, para se prepararem de modo mais autárquico para o que viria a Frente. Na 1º Guerra Mundial de certa forma a Alemanha conseguiu escapar de sofrer com a sanções porque conseguia produzir muito domesticamente e tinha outros canais de importação que não passavam pelo bloqueio. Há sempre furos nesse tipo de sanção ou consequências indesejáveis que precisam ser pensadas. Atualmente, Mulder considera que existam mais de 20 mil sanções sendo aplicadas para pessoas, empresas e países, mas com eficiência em torno de 20% apenas e em geral para parte mais fracas, como empresas e pessoas.
Isso nos traz de volta à guerra da Ucrânia. Sanções foram implementadas, mas com o rublo voltando praticamente ao patamar pré-guerra fica a dúvida se as sanções estão de fato funcionando. No caso russo, há uma enorme válvula de escape que são os chineses. Além disso, assim como em outros momentos no passado, precisamos acompanhar quão nacionalistas eles e tornarão. Pesquisas de opinião recentes mostram que Putin conseguiu o que queria, que era voltar sua popularidade para a casa dos 80%. Sem acesso à informação, à população russa é vendida a ideia de um ataque ocidental ao país. Isso pode aumentar ainda mais o nacionalismo já exacerbado em um país em que isso sempre foi uma questão importante.
Mesmo as sanções econômicas não funcionando como se imaginaria, o enfraquecimento histórico da Rússia acelerou. A forte base de exportações de commodities para o Ocidente vai enfraquecer e a dependência crescente do mercado chinês vai colocar duas forças políticas em permanente confronto. A China se aproximar da Rússia tem o dano colateral de aumentar a desconfiança do Ocidente em relação a ela e por mais que possa fortalecer a moeda chinesa como sistema de pagamento em detrimento do dólar, aprofunda uma globalização cada vez mais fraturada.
Para o Brasil, o impacto seguirá sendo inflacionário. As sanções econômicas acabaram por afetar o mercado de fertilizantes também e esse é um dos maiores impactos para o Brasil, além do petróleo. É provável que o país consiga adequar o problema dos fertilizantes com outros compradores e alguma normalização no leste europeu até o final do ano. Na pior das hipóteses em termos de falta de fertilizantes a produção de soja poderia cair 2% na safra 2022/2023 ao invés dos estimados 16% de alta antes da crise, segundo cálculos da MBAgro. Mas o impacto no curto prazo joga a inflação para próximo de 12% já em abril, o que torna difícil uma queda acelerada do IPCA ainda este ano. Vamos amargar juros elevados de 13% ou mais por vários meses ainda. Esses diversos choques em sequência, primeiro a pandemia, agora a guerra, trará consequências econômicas para além de 2022. Será um início de mandato presidencial em 2023 muito tensionado e exigirá muita habilidade do novo governo. Resta saber se conseguirá ou não.
*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados.