Exame.com
Continua após a publicidade

A grande reforma do governo Temer

Daqui cerca de dois anos e meio, quando terminar o mandato de Michel Temer, será feita a pergunta inevitável se seu governo deu certo ou não. Por mais que a volta à normalidade seja um grande ganho em relação ao que tínhamos anteriormente, a expectativa é que algo além da normalidade seja conquistado. Afinal, espera-se […]

 (Christopher Furlong/Getty Images)
(Christopher Furlong/Getty Images)
S
Sérgio Vale

Publicado em 16 de agosto de 2016 às, 10h45.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h16.

Daqui cerca de dois anos e meio, quando terminar o mandato de Michel Temer, será feita a pergunta inevitável se seu governo deu certo ou não. Por mais que a volta à normalidade seja um grande ganho em relação ao que tínhamos anteriormente, a expectativa é que algo além da normalidade seja conquistado. Afinal, espera-se do atual governo que mantenha a ideia de que medidas duras, mesmo que impopulares, sejam implementadas. O ganho positivo que isso pode trazer mesmo em tempo curto de dois anos não é pequeno e deveria estar na cabeça das autoridades de Brasília.

E o que seria essencial para que o governo fosse declarado um sucesso? Mais do que a regra do teto do gasto, uma reforma da previdência mais completa deveria e provavelmente será pensada. Como se sabe, não é mais possível um país com aposentadoria média efetiva de 54 anos de idade com uma expectativa de vida de mais de vinte anos dessa idade.

Em país de jeitinhos e gambiarras, reforma desse tipo na previdência não conseguirá nem ser paliativo. Países com características ditatoriais, como a China, conseguem mudar uma previdência tão ruim como a nossa na base da canetada (gráfico abaixo). Mas, em democracias, as negociações terão que se basear no convencimento da população de que não há alternativa para a reforma. Tanto a idade mínima para aposentadoria quanto regras de ajustes mais realistas e homogeneização das regras para todos os segmentos (civil e militar) deveriam ser considerados um mínimo aceitável para a reforma. Deixar para o próximo presidente não é uma postergação simples, pois deverá levar o endividamento bruto na próxima década a patamares distantes do que se alcançaria com os ajustes em andamento. Se tudo der certo e tanto a regra do teto quanto a reforma da previdência passarem, devemos chegar a cerca de 60% de dívida bruta em relação ao PIB no final da década que vem. Mas se nada for feito na previdência, essa dívida vai ter dificuldade para cair abaixo dos 80% na próxima década. Mas ainda será muito fácil identificar um cenário em que o elevado endividamento levará a uma taxa real de juros mais elevada, pelo risco da própria dívida, o que trará o fantasma da dominância fiscal com volta da inflação.

Expectativa de vida e idade média efetiva de aposentadoria

gráfico coluna

Assim, os riscos que se correm hoje não devem aparecer tanto no curto prazo, apesar de uma falha na reforma da previdência levar a uma percepção negativa imediata do mercado. Em um primeiro momento o governo deve tentar compensar no curto prazo a falta desse ajuste com cortes mais drásticos no gasto público e aumento de receita. A falha na aprovação da reforma da previdência levará necessariamente à volta da CPMF e outros impostos para poder cobrir o rombo de curto prazo e tentar passar uma mensagem de controle no curto prazo.

Dificuldade adicional se dará caso não haja aprovação da reforma ano que vem. Haverá espaço para um ajuste fiscal compensatório mais duro, especialmente com a eleição presidencial no ano seguinte? O crescimento certamente ficará comprometido em ano eleitoral caso isso aconteça, pois o Banco Central deverá reagir a uma política fiscal mais flexível com juros mais elevados durante mais tempo. O sucesso da reforma da previdência cacifará politicamente o grupo atualmente no poder, mas como os outros partidos como PSDB lidarão com o sucesso politicamente incômodo do PMDB? São muitas questões difíceis de serem respondidas caso o governo não consiga aprovar as medidas da previdência.

O problema maior, entretanto, se dará no longo prazo. Não fazer nada agora fará com que o cenário de inflação e crise apareça mais intensamente na próxima década. De certa forma, estamos repetindo os erros do passado, especialmente na década de 70, quando a não correção dos desajustes fiscais e das contas externas naquele momento levaram à crise fiscal e inflacionária da década seguinte.

O governo atual impediu que a deterioração aumentasse ainda mais, mas ainda terá que mostrar que a deterioração não voltará a aparecer na próxima década. Não será demais lembrar aqui que o estrago petista fará com que todos os próximos governos até pelo menos a década que vem estejam comprometidos com os ajustes necessários na economia. Não é trabalho fácil limpar a bagunça petista, mas o começo tem que ser este ano.

sergiovale