A economia brasileira segue bipolar
Ao mesmo tempo que há bons sinais vindos de algumas frentes, outros sinais apontam para uma deterioração que mantém os riscos de longo prazo
Da Redação
Publicado em 31 de maio de 2021 às 14h48.
Por Sergio Vale
A economia brasileira segue dando sinais de bipolaridade em 2021. Ao mesmo tempo que há bons sinais vindos de algumas frentes, especialmente o crescimento de curto prazo, outros sinais apontam para uma deterioração que mantém os riscos de longo prazo.
As boas notícias nesse momento acontecem nas expectativas de crescimento. O PIB deve aumentar entre 3,5% e 4% este ano, com um primeiro semestre melhor do que se imaginava. Vale dizer que esse resultado se deu às custas de não se conseguir manter a população em casa durante a segunda onda da pandemia. As pessoas já tinham certo aprendizado em lidar com a doença, diferente da enorme incerteza no início da crise em março do ano passado. Por isso, acabaram se arriscando mais para ir trabalhar.
Naquele momento as pessoas achavam que seria rápido o processo de ficar em casa e havia recursos parcos para fazer isso. Entretanto, depois de um ano de crise, seria difícil pedir para as pessoas ficarem em casa se não houvessem recursos que as ajudassem a não trabalhar. Como o governo não contou com a segunda onda, as pessoas, endividadas, tiveram que manter seu ritmo de trabalho como possível. Conseguimos manter o ritmo de atividade às custas de não conseguir manter as pessoas em casa. Mais mortes em troca de mais atividade econômica. Esse trade off perverso tem sido a sina do país e é a direção que o governo Bolsonaro tem insistido em seguir.
Estamos às portas de uma terceira onda, em que as pessoas e empresas, mais esgarçadas ainda depois de tanto tempo de crise, dificilmente se manterão em casa. As estimativas que apontam em mortes em nível acima de 600 mil pessoas infelizmente começam a ficar prováveis.
Com isso, o crescimento consegue manter certa resiliência e crescer quase 4% este ano. Mas poderia ser mais do que isso? Há riscos que colocam certas dificuldades em um crescimento muito mais forte.
Primeiro, o atraso na vacinação é elemento de preocupação na recuperação mais efetiva dos serviços. Já está claro que não será possível vacinar 60% da população brasileira até o terceiro trimestre, ficando para o final do ano a possibilidade de isso acontecer. Além dos atrasos esperados na fabricação e importação das vacinas, a necessidade de vacinar Índia e China com rapidez depois do surto no primeiro país fez com a importação de insumos e vacinas ficasse ainda mais lento. A China ainda tem o interesse de soft power de não atrapalhar a olimpíada de inverno em fevereiro e quer evitar os riscos que as olimpíadas de verão no Japão têm de poderem ainda ser canceladas.
Além disso, há um risco mais recente relacionado à energia. O baixo nível histórico de reservatórios coloca a necessidade de aumentar o preço da energia e depois da bandeira vermelha em maio teremos nova rodada de elevação em junho. Com a economia recuperando com mais intensidade no segundo semestre, não será difícil ver a bandeira vermelha ficar ao longo de todo o ano, com riscos de novas elevações. Com isso, o IPCA desse ano subirá ainda mais e agora estimamos alta de 5,8%, bem acima do teto da meta, o que coloca o discurso do BC em certa encruzilhada. Será difícil manter o discurso de inflação temporária e de normalização parcial. O BC terá que ir logo para 6,5% este ano para evitar que as expectativas de inflação descolem muito da meta ano que vem. Talvez 6,5% não seja suficiente, pois isso significa apenas a meta de inflação (3,5%) mais a taxa de juros neutra (3,0%). Ou seja, talvez a neutralidade da taxa de juros nominal em 6,5% não seja suficiente e poderemos ver a Selic subir para 7% ou mais. Selic subindo com mais rapidez traz riscos para a recuperação de final de ano, mas especialmente em 2022.
Vale dizer que crescer 4% este ano reverte parte das perdas do ano passado, mas não significam crescimento de fato. O PIB mundial caiu 3,3% ano passado e deverá subir 6% este ano, ou seja, bem mais do que se perdeu ano passado, o que não será o nosso caso pelos riscos ainda presentes da pandemia e, agora, das restrições energéticas. Se consideramos o PIB esperado de 1,8% ano que vem isso significará que o PIB per capita no primeiro mandato do governo Bolsonaro terá estagnado, não tendo evoluído nada em relação ao governo Temer. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego ainda estará pressionada, devendo chegar a 13% no final do ano que vem.
Aqui entra mais um elemento de nossa bipolaridade. Em que pese boas reformas microeconômicas que estão acontecendo, o cenário macroeconômico é suficientemente turbulento para aumentar a temperatura da eleição em 2022. Sem muito a entregar à população ano que vem nessa área, o governo Bolsonaro enfrentará um ex-presidente Lula que entregou seu governo com crescimento de 7,5% e taxa de desemprego de 6%. Por mais que haja o correto discurso de que os governos petistas foram muito equivocados na maior parte da política econômica, a população não tem ideia disso e lembrará afetivamente dos anos Lula. Com isso, a turbulência está dada com uma polarização que nada ajudará nas reformas que precisariam continuar a ser feitas.
Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados
Por Sergio Vale
A economia brasileira segue dando sinais de bipolaridade em 2021. Ao mesmo tempo que há bons sinais vindos de algumas frentes, especialmente o crescimento de curto prazo, outros sinais apontam para uma deterioração que mantém os riscos de longo prazo.
As boas notícias nesse momento acontecem nas expectativas de crescimento. O PIB deve aumentar entre 3,5% e 4% este ano, com um primeiro semestre melhor do que se imaginava. Vale dizer que esse resultado se deu às custas de não se conseguir manter a população em casa durante a segunda onda da pandemia. As pessoas já tinham certo aprendizado em lidar com a doença, diferente da enorme incerteza no início da crise em março do ano passado. Por isso, acabaram se arriscando mais para ir trabalhar.
Naquele momento as pessoas achavam que seria rápido o processo de ficar em casa e havia recursos parcos para fazer isso. Entretanto, depois de um ano de crise, seria difícil pedir para as pessoas ficarem em casa se não houvessem recursos que as ajudassem a não trabalhar. Como o governo não contou com a segunda onda, as pessoas, endividadas, tiveram que manter seu ritmo de trabalho como possível. Conseguimos manter o ritmo de atividade às custas de não conseguir manter as pessoas em casa. Mais mortes em troca de mais atividade econômica. Esse trade off perverso tem sido a sina do país e é a direção que o governo Bolsonaro tem insistido em seguir.
Estamos às portas de uma terceira onda, em que as pessoas e empresas, mais esgarçadas ainda depois de tanto tempo de crise, dificilmente se manterão em casa. As estimativas que apontam em mortes em nível acima de 600 mil pessoas infelizmente começam a ficar prováveis.
Com isso, o crescimento consegue manter certa resiliência e crescer quase 4% este ano. Mas poderia ser mais do que isso? Há riscos que colocam certas dificuldades em um crescimento muito mais forte.
Primeiro, o atraso na vacinação é elemento de preocupação na recuperação mais efetiva dos serviços. Já está claro que não será possível vacinar 60% da população brasileira até o terceiro trimestre, ficando para o final do ano a possibilidade de isso acontecer. Além dos atrasos esperados na fabricação e importação das vacinas, a necessidade de vacinar Índia e China com rapidez depois do surto no primeiro país fez com a importação de insumos e vacinas ficasse ainda mais lento. A China ainda tem o interesse de soft power de não atrapalhar a olimpíada de inverno em fevereiro e quer evitar os riscos que as olimpíadas de verão no Japão têm de poderem ainda ser canceladas.
Além disso, há um risco mais recente relacionado à energia. O baixo nível histórico de reservatórios coloca a necessidade de aumentar o preço da energia e depois da bandeira vermelha em maio teremos nova rodada de elevação em junho. Com a economia recuperando com mais intensidade no segundo semestre, não será difícil ver a bandeira vermelha ficar ao longo de todo o ano, com riscos de novas elevações. Com isso, o IPCA desse ano subirá ainda mais e agora estimamos alta de 5,8%, bem acima do teto da meta, o que coloca o discurso do BC em certa encruzilhada. Será difícil manter o discurso de inflação temporária e de normalização parcial. O BC terá que ir logo para 6,5% este ano para evitar que as expectativas de inflação descolem muito da meta ano que vem. Talvez 6,5% não seja suficiente, pois isso significa apenas a meta de inflação (3,5%) mais a taxa de juros neutra (3,0%). Ou seja, talvez a neutralidade da taxa de juros nominal em 6,5% não seja suficiente e poderemos ver a Selic subir para 7% ou mais. Selic subindo com mais rapidez traz riscos para a recuperação de final de ano, mas especialmente em 2022.
Vale dizer que crescer 4% este ano reverte parte das perdas do ano passado, mas não significam crescimento de fato. O PIB mundial caiu 3,3% ano passado e deverá subir 6% este ano, ou seja, bem mais do que se perdeu ano passado, o que não será o nosso caso pelos riscos ainda presentes da pandemia e, agora, das restrições energéticas. Se consideramos o PIB esperado de 1,8% ano que vem isso significará que o PIB per capita no primeiro mandato do governo Bolsonaro terá estagnado, não tendo evoluído nada em relação ao governo Temer. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego ainda estará pressionada, devendo chegar a 13% no final do ano que vem.
Aqui entra mais um elemento de nossa bipolaridade. Em que pese boas reformas microeconômicas que estão acontecendo, o cenário macroeconômico é suficientemente turbulento para aumentar a temperatura da eleição em 2022. Sem muito a entregar à população ano que vem nessa área, o governo Bolsonaro enfrentará um ex-presidente Lula que entregou seu governo com crescimento de 7,5% e taxa de desemprego de 6%. Por mais que haja o correto discurso de que os governos petistas foram muito equivocados na maior parte da política econômica, a população não tem ideia disso e lembrará afetivamente dos anos Lula. Com isso, a turbulência está dada com uma polarização que nada ajudará nas reformas que precisariam continuar a ser feitas.
Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados