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A dura tarefa de levar a meta de inflação para 3%

A inflação já passa de 8% no acumulado em 12 meses e a expectativa para o ano não é positiva

(vinnstock/Getty Images)
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Da Redação

Publicado em 17 de junho de 2021 às 12h20.

Por Sergio Vale

Depois de um início de ano mais do que turbulento, o cenário parece ter começado a se acalmar nas últimas semanas. Sinal disso tem sido a taxa de câmbio que apreciou a níveis que não se esperava acontecer nesse momento do ano. Boa parte desse bom momento se deu pela recuperação mais forte da economia.

Com a pandemia, esperava-se que o primeiro semestre seria mais afetado com paralisações na atividade. Em parte por aprendizado sobre a doença e em parte por não haver mais recursos disponíveis, a população não pode parar. O resultado de economia mais forte foi mais mortes por Covid19. Na terceira onda que já estamos entrando é provável que a população pare menos ainda, especialmente porque a vacinação começa a dar sinais de avançar, com provavelmente boa parte dela vacinada até o final do ano.

Esse cenário de recuperação mais forte teve o efeito positivo de ajudar nos números fiscais também. A dívida pública bruta, depois de encostar nos 100% do PIB nas projeções, hoje poderá terminar o ano em torno de 82% do PIB, um ganho significativo. Boa parte disso vem do forte crescimento do PIB nominal, o denominador dos indicadores de dívida, e que tem subido por causa da inflação.

Neste ponto, talvez temos o desafio macroeconômico mais importante de curto prazo (o fiscal é mais relevante do ponto de vista de longo prazo). A inflação já passa de 8% no acumulado em 12 meses e a expectativa para o ano não é positiva. Acabamos de ajustar a projeção de IPCA do ano para 6,1% e além dos suspeitos de sempre (commodities), agora a energia apareceu como preocupação. Com a necessidade de acionar provavelmente uma bandeira vermelha nível 3, os preços de energia ajudam na composição de uma inflação muito mais pressionada até o final do ano.

Os riscos se acumulam para 2022. As expectativas de inflação já começam a desancorar da meta de 3,5% com pressões acumuladas desse ano que contaminam ano que vem. Além disso, há uma questão importante relacionada ao hiato do produto.

O hiato é a diferença entre o PIB realizado e o PIB potencial. Um número negativo significa que a economia está rodando abaixo de seu potencial. Em cálculos similares aos feitos pelo Banco Central e que entra em seus modelos, identificamos que o hiato está negativo desde 2015. Mas ainda, o hiato do desemprego, que mede o tamanho do desemprego acima do potencial, está positivo também desde 2015 em pelo menos 3,5 pontos percentuais de acordo com o último dado.

A economia está há anos abaixo do potencial e mesmo assim a inflação tem sido elemento de pressão. Obviamente mais por pressão de custos e commodities nesse momento, mas coloca uma dúvida à frente. Com hiato tão desfavorável ainda assim a inflação ficou em 4,5% de média entre 2016 e 2021. Nos próximos anos, com pressão de custos menor e a economia voltando a crescer, espera-se, acima do potencial, não será fácil manter a inflação na meta, que é cada vez menor. Para 2024, espera-se uma meta de 3% e para alcançar tal número tenho a impressão de que precisaremos de anos seguidos ainda de juros real acima do neutro, ou seja, com juros nominais ficando acima de 7% ou mais.

A nova lei de independência do Banco Central pode garantir ataques que virão ao BC caso continue se perseguindo a meta cada vez mais baixa de 3%. Será interessante de ver o embate que virá de um mundo que sinaliza maior estimulo fiscal e monetário e um país como o Brasil que ainda não conseguiu atingir um patamar razoável de inflação para poder pensar nessas questões. A alternativa seria manter a meta de inflação mais elevada, mas isso só seria provável de acontecer no caso de vitória eleitoral da esquerda no ano que vem. Acomodar as pressões inflacionárias em uma meta mais elevada não parece ser uma saída quando a inflação se encontra em patamar ainda tão elevado. Os EUA, por exemplo, falam de manter temporariamente a inflação um pouco acima de 2% enquanto aqui estamos com inflação de 6% e média de 4,5% em cinco anos.

Parece difícil crer que poderemos voltar tão cedo a taxas de juros historicamente tão baixas como tivemos ano passado. O cenário ainda será de quebrar as expectativas de inflação para baixo em um momento bastante turbulento que será o próximo governo. Será um bom teste para a lei de independência do Banco Central.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

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Por Sergio Vale

Depois de um início de ano mais do que turbulento, o cenário parece ter começado a se acalmar nas últimas semanas. Sinal disso tem sido a taxa de câmbio que apreciou a níveis que não se esperava acontecer nesse momento do ano. Boa parte desse bom momento se deu pela recuperação mais forte da economia.

Com a pandemia, esperava-se que o primeiro semestre seria mais afetado com paralisações na atividade. Em parte por aprendizado sobre a doença e em parte por não haver mais recursos disponíveis, a população não pode parar. O resultado de economia mais forte foi mais mortes por Covid19. Na terceira onda que já estamos entrando é provável que a população pare menos ainda, especialmente porque a vacinação começa a dar sinais de avançar, com provavelmente boa parte dela vacinada até o final do ano.

Esse cenário de recuperação mais forte teve o efeito positivo de ajudar nos números fiscais também. A dívida pública bruta, depois de encostar nos 100% do PIB nas projeções, hoje poderá terminar o ano em torno de 82% do PIB, um ganho significativo. Boa parte disso vem do forte crescimento do PIB nominal, o denominador dos indicadores de dívida, e que tem subido por causa da inflação.

Neste ponto, talvez temos o desafio macroeconômico mais importante de curto prazo (o fiscal é mais relevante do ponto de vista de longo prazo). A inflação já passa de 8% no acumulado em 12 meses e a expectativa para o ano não é positiva. Acabamos de ajustar a projeção de IPCA do ano para 6,1% e além dos suspeitos de sempre (commodities), agora a energia apareceu como preocupação. Com a necessidade de acionar provavelmente uma bandeira vermelha nível 3, os preços de energia ajudam na composição de uma inflação muito mais pressionada até o final do ano.

Os riscos se acumulam para 2022. As expectativas de inflação já começam a desancorar da meta de 3,5% com pressões acumuladas desse ano que contaminam ano que vem. Além disso, há uma questão importante relacionada ao hiato do produto.

O hiato é a diferença entre o PIB realizado e o PIB potencial. Um número negativo significa que a economia está rodando abaixo de seu potencial. Em cálculos similares aos feitos pelo Banco Central e que entra em seus modelos, identificamos que o hiato está negativo desde 2015. Mas ainda, o hiato do desemprego, que mede o tamanho do desemprego acima do potencial, está positivo também desde 2015 em pelo menos 3,5 pontos percentuais de acordo com o último dado.

A economia está há anos abaixo do potencial e mesmo assim a inflação tem sido elemento de pressão. Obviamente mais por pressão de custos e commodities nesse momento, mas coloca uma dúvida à frente. Com hiato tão desfavorável ainda assim a inflação ficou em 4,5% de média entre 2016 e 2021. Nos próximos anos, com pressão de custos menor e a economia voltando a crescer, espera-se, acima do potencial, não será fácil manter a inflação na meta, que é cada vez menor. Para 2024, espera-se uma meta de 3% e para alcançar tal número tenho a impressão de que precisaremos de anos seguidos ainda de juros real acima do neutro, ou seja, com juros nominais ficando acima de 7% ou mais.

A nova lei de independência do Banco Central pode garantir ataques que virão ao BC caso continue se perseguindo a meta cada vez mais baixa de 3%. Será interessante de ver o embate que virá de um mundo que sinaliza maior estimulo fiscal e monetário e um país como o Brasil que ainda não conseguiu atingir um patamar razoável de inflação para poder pensar nessas questões. A alternativa seria manter a meta de inflação mais elevada, mas isso só seria provável de acontecer no caso de vitória eleitoral da esquerda no ano que vem. Acomodar as pressões inflacionárias em uma meta mais elevada não parece ser uma saída quando a inflação se encontra em patamar ainda tão elevado. Os EUA, por exemplo, falam de manter temporariamente a inflação um pouco acima de 2% enquanto aqui estamos com inflação de 6% e média de 4,5% em cinco anos.

Parece difícil crer que poderemos voltar tão cedo a taxas de juros historicamente tão baixas como tivemos ano passado. O cenário ainda será de quebrar as expectativas de inflação para baixo em um momento bastante turbulento que será o próximo governo. Será um bom teste para a lei de independência do Banco Central.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

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