A difícil saída de uma eventual crise americana
Devemos ter pelo menos um semestre de atividade em queda este ano, sendo os EUA o maior risco a se observar
Da Redação
Publicado em 12 de março de 2020 às 12h23.
As últimas semanas têm sido intensas nos mercados e com riscos crescentes de uma saída mais desordenada da crise. O primeiro trimestre está perdido, com diversos países importantes com queda de PIB, a começar da China, epicentro do coronavírus. Mas Alemanha, Itália e Japão são três países relevantes que devem mostrar contração também neste início de ano. Razões diversas levam cada um desses países a enfraquecimento na atividade, mas o agravamento da situação pelo vírus coloca em alerta a possibilidade de recessão neles.
Se fosse apenas por aí, menos mal, mas temos os desdobramentos de uma epidemia que se retroalimenta. Se de um lado a China está em recuperação, com queda das contaminações e volta à normalidade, por outro o enfraquecimento mundial piora a expectativa de demanda pelos produtos chineses. Devemos ter pelo menos um semestre de atividade em queda este ano, sendo os EUA o maior risco a se observar.
A economia americana passou anos com excesso de alavancagem e endividamento, especialmente no mundo corporativo. A dívida das empresas americanas atingiu nível recorde histórico de 47% do PIB, sendo que boa parte desse endividamento é de empresas com um nível acima do junk apenas. Uma desaceleração mesmo que moderada pode levar essas empresas a perderem seu grau de investimento, piorar seu endividamento e eventualmente entrarem em falência. No final, a economia americana apenas parece forte, mas ela tem fraquezas que foram construídas ao longo de muitos anos com excesso de ativismo do Federal Reserve e uma política fiscal muito leniente, com reforma tributária sem contrapartida de ajuste do lado dos gastos.
Trump pega uma economia em deterioração em ano eleitoral com a Câmara de maioria democrata essencialmente contra qualquer medida de estímulo que facilite a vida do presidente. Anos de confrontação se pagam com afastamento na hora da crise. A eventual escolha de Joe Biden como candidato democrata só dificulta a vida do presidente americano e nos faz pensar o que ele poderá fazer para tentar estimular a economia em uma crise como essa que corre o risco de lhe tirar o mandato. Uma guerra pode não ser suficiente como George Bush descobriu em 1991 quando a recessão daquele ano pesou mais na decisão do eleitor.
O que fazer? Alguns acreditam que o choque atual parece ser mais de oferta, com uma inesperada quarentena diminuindo a oferta de bens e serviços. Estímulos monetários e fiscais, essencialmente de demanda, poderiam não ser eficazes. John Cochrane, em seu blog, tem levantado a ideia de permitir que haja crédito disponível para que as empresas permaneçam abertas e passem pelo choque de capital de giro que terão durante a crise. Para Cochrane, a Receita Federal americana poderia permitir um crédito para cada americano de até U$ 10 mil, com pagamento via impostos no futuro.
Faz sentido, mas ao mesmo tempo a forte queda no mercado acionário americano, que pode ser um ajuste mais duradouro, faz com que haja diminuição da riqueza que afetaria a demanda no curto prazo. A sensação de empobrecimento de uma população que envelhece e depende muito do mercado de ações pode fazer com que o ajuste se dê na demanda para contrabalançar a perda de riqueza.
Ou seja, o choque atual afeta tanto oferta quanto demanda e continua dependendo de estímulos de política macroeconômica de curto prazo, o que falta em larga escala nos EUA. Juros já muito baixos, com quantitative easing excessivamente utilizado nos últimos anos e déficit público na casa dos 5% do PIB, muito elevado para tempos sem crise.
A saída de uma eventual crise, assim, poderá ser lenta, nos moldes do que vimos no Brasil. Nossa experiência em 2016 na saída da crise pode servir de exemplo. Não tínhamos políticas monetária e fiscal para usar como estímulo, pois as duas eram parte dos nossos problemas de então. Optamos pelo caminho correto das reformas. Eventos específicos no nosso caso, como a delação do Joesley, greve dos caminhoneiros e crise argentina afetaram e muito nossa recuperação. Reformas importantes aconteceram, mas lentamente. Mesmo assim, tendem a surtir efeito de crescimento nos próximos anos.
A economia americana obviamente já é muito produtiva, mas passo importante para eles será resgatar seu comércio exterior sem protecionismo, com a volta de acordos comerciais como o Acordo TransPacífico, muito mais eficiente como contenção para a China do que aumento de tarifas, que penaliza consumo e produção.
De qualquer maneira o que vem pela frente para os EUA exigirão uma liderança à altura e Trump tem se mostrado aquém do que os americanos vão precisar nos próximos cinco anos.
As últimas semanas têm sido intensas nos mercados e com riscos crescentes de uma saída mais desordenada da crise. O primeiro trimestre está perdido, com diversos países importantes com queda de PIB, a começar da China, epicentro do coronavírus. Mas Alemanha, Itália e Japão são três países relevantes que devem mostrar contração também neste início de ano. Razões diversas levam cada um desses países a enfraquecimento na atividade, mas o agravamento da situação pelo vírus coloca em alerta a possibilidade de recessão neles.
Se fosse apenas por aí, menos mal, mas temos os desdobramentos de uma epidemia que se retroalimenta. Se de um lado a China está em recuperação, com queda das contaminações e volta à normalidade, por outro o enfraquecimento mundial piora a expectativa de demanda pelos produtos chineses. Devemos ter pelo menos um semestre de atividade em queda este ano, sendo os EUA o maior risco a se observar.
A economia americana passou anos com excesso de alavancagem e endividamento, especialmente no mundo corporativo. A dívida das empresas americanas atingiu nível recorde histórico de 47% do PIB, sendo que boa parte desse endividamento é de empresas com um nível acima do junk apenas. Uma desaceleração mesmo que moderada pode levar essas empresas a perderem seu grau de investimento, piorar seu endividamento e eventualmente entrarem em falência. No final, a economia americana apenas parece forte, mas ela tem fraquezas que foram construídas ao longo de muitos anos com excesso de ativismo do Federal Reserve e uma política fiscal muito leniente, com reforma tributária sem contrapartida de ajuste do lado dos gastos.
Trump pega uma economia em deterioração em ano eleitoral com a Câmara de maioria democrata essencialmente contra qualquer medida de estímulo que facilite a vida do presidente. Anos de confrontação se pagam com afastamento na hora da crise. A eventual escolha de Joe Biden como candidato democrata só dificulta a vida do presidente americano e nos faz pensar o que ele poderá fazer para tentar estimular a economia em uma crise como essa que corre o risco de lhe tirar o mandato. Uma guerra pode não ser suficiente como George Bush descobriu em 1991 quando a recessão daquele ano pesou mais na decisão do eleitor.
O que fazer? Alguns acreditam que o choque atual parece ser mais de oferta, com uma inesperada quarentena diminuindo a oferta de bens e serviços. Estímulos monetários e fiscais, essencialmente de demanda, poderiam não ser eficazes. John Cochrane, em seu blog, tem levantado a ideia de permitir que haja crédito disponível para que as empresas permaneçam abertas e passem pelo choque de capital de giro que terão durante a crise. Para Cochrane, a Receita Federal americana poderia permitir um crédito para cada americano de até U$ 10 mil, com pagamento via impostos no futuro.
Faz sentido, mas ao mesmo tempo a forte queda no mercado acionário americano, que pode ser um ajuste mais duradouro, faz com que haja diminuição da riqueza que afetaria a demanda no curto prazo. A sensação de empobrecimento de uma população que envelhece e depende muito do mercado de ações pode fazer com que o ajuste se dê na demanda para contrabalançar a perda de riqueza.
Ou seja, o choque atual afeta tanto oferta quanto demanda e continua dependendo de estímulos de política macroeconômica de curto prazo, o que falta em larga escala nos EUA. Juros já muito baixos, com quantitative easing excessivamente utilizado nos últimos anos e déficit público na casa dos 5% do PIB, muito elevado para tempos sem crise.
A saída de uma eventual crise, assim, poderá ser lenta, nos moldes do que vimos no Brasil. Nossa experiência em 2016 na saída da crise pode servir de exemplo. Não tínhamos políticas monetária e fiscal para usar como estímulo, pois as duas eram parte dos nossos problemas de então. Optamos pelo caminho correto das reformas. Eventos específicos no nosso caso, como a delação do Joesley, greve dos caminhoneiros e crise argentina afetaram e muito nossa recuperação. Reformas importantes aconteceram, mas lentamente. Mesmo assim, tendem a surtir efeito de crescimento nos próximos anos.
A economia americana obviamente já é muito produtiva, mas passo importante para eles será resgatar seu comércio exterior sem protecionismo, com a volta de acordos comerciais como o Acordo TransPacífico, muito mais eficiente como contenção para a China do que aumento de tarifas, que penaliza consumo e produção.
De qualquer maneira o que vem pela frente para os EUA exigirão uma liderança à altura e Trump tem se mostrado aquém do que os americanos vão precisar nos próximos cinco anos.