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Um guia para Trump ser reeleito com o coronavírus

Se o presidente destinar mais recursos aos “swing states”, poderá ter vantagem sobre o candidato democrata em novembro

TRUMP: o presidente anunciou um medicamento que poderá ser usado para tratar o novo coronavírus.  / Yuri Gripas/Reuters (Yuri Gripas/Reuters)
TRUMP: o presidente anunciou um medicamento que poderá ser usado para tratar o novo coronavírus. / Yuri Gripas/Reuters (Yuri Gripas/Reuters)
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Sérgio Praça

Publicado em 19 de março de 2020 às, 15h30.

Última atualização em 19 de março de 2020 às, 15h47.

A resposta do governo norte-americano à crise do coronavírus está sendo criticada. Donald Trump e seu genro, Jared Kushner, deram voz a teorias conspiratórias de influenciadores digitais (e analógicos, como a Fox News) que minimizavam a pandemia. Mas a realidade está batendo à porta de Washington D.C. A Câmara dos Deputados aprovou um pacote de medidas emergenciais. E Trump já falou, publicamente, sobre a gravidade da crise – colocando-se, como não poderia deixar de ser, como especialista em questões médicas.

Em um sistema presidencialista normal, no qual o presidente é eleito pela maioria dos votos dos eleitores (geralmente com segundo turno), o maior incentivo para o chefe do Executivo em tempos de crise é parecer um bom “resolvedor” para toda a nação. O voto de um californiano não importaria mais do que um cidadão de Michigan. Portanto, tomar uma medida impopular para o nordeste do país e popularíssima na costa oeste não faria sentido algum.

Mas não é assim que o presidencialismo norte-americano funciona. A votação para presidente se dá nos estados. Cada estado, após a votação em novembro, indicará um número de “delegados partidários” para expressar a preferência da maioria dos eleitores do estado. O problema é que em alguns estados norte-americanos o candidato que tem, por exemplo, 52% dos votos leva 100% dos delegados partidários. Ou seja: pode ser que Trump ganhe por pouca diferença em alguns estados e some todos os delegados destes – conseguindo, assim, superar o oponente democrata do mesmo modo que fez com Hillary Clinton em 2016.

Na prática, então, a disputa presidencial ocorre, de fato, em poucos estados. São os “swing states”, chamados assim porque podem pender tanto para os democratas quanto para os republicanos. Não têm um padrão. O site FiveThirtyEight, do brilhante Nate Silver, define 12 dos 50 estados dessa maneira: Colorado, Florida, Iowa, Michigan, Minnesota, Ohio, Nevada, New Hampshire, North Carolina, Pennsylvania, Virginia e Wisconsin.

Caso Trump vença na maioria desses e mantenha os estados com apoio republicano majoritário nos quais ganhou quatro anos atrás, será reeleito. Um assessor muito maldoso poderia falar para o presidente aproveitar o recém-assinado Stafford Act, que lhe dá poderes emergenciais, e beneficiar de modo desproporcional os “swing states”.

Em tempos normais, como mostram Christopher Berry, Barry Burden e William Howell, o presidente norte-americano consegue influenciar a execução orçamentária de modo indireto, estimulando gastos em distritos nos quais os parlamentares de seu partido sofrem maior impacto da oposição. Mas está bem longe de ser o poder orçamentário de que dispõem presidentes como o brasileiro. (O artigo “The presidente and the distribution of federal spending” foi publicado em 2010 pela American Political Science Review.)

Portanto, a calamidade que assola os Estados Unidos pode servir como justificativa para Trump dar benefícios tributários aos restaurantes de New Hampshire, proibidos de funcionar normalmente até 7 de abril pelo governador do estado. Trump pode também enviar mais kits de teste para Minnesota, onde já começam a faltar, e destinar mais para Michigan do que os US$ 125 milhões aprovados pelos representantes políticos estaduais.

E os californianos, que votam em massa pelos candidatos democratas, que se virem.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)