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Ultrafarma, João Doria e a velha cultura empresarial

Há poucas semanas, o empresário Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, prometeu doar 600.000 reais para a prefeitura de São Paulo comprar remédios. Tradicionalmente, empresas e empresários dão dinheiro para os cofres públicos ao pagarem impostos. Ansioso, Oliveira parece ter escolhido um caminho mais curto. Em retribuição ao gesto, o prefeito João Doria (PSDB) postou na […]

DORIA: o prefeito divulgou a lista de doações à prefeitura no Facebook / Reprodução
DR

Da Redação

Publicado em 22 de fevereiro de 2017 às 17h10.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h38.

Há poucas semanas, o empresário Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, prometeu doar 600.000 reais para a prefeitura de São Paulo comprar remédios. Tradicionalmente, empresas e empresários dão dinheiro para os cofres públicos ao pagarem impostos. Ansioso, Oliveira parece ter escolhido um caminho mais curto. Em retribuição ao gesto, o prefeito João Doria (PSDB) postou na internet um vídeo em que recomenda, para seus secretários, as vitaminas comercializadas pela Ultrafarma. Em 13 de Fevereiro, a empresa postou, orgulhosa, o vídeo em seu Facebook, incluindo um link para comprá-las. O que há de errado?

Tudo. Trata-se de um comportamento antiquado, um exemplo da velha cultura empresarial e política que está saindo (ou deveria estar!) de moda após a Lava-Jato. A velha cultura é basear a relação da empresa com o setor público em relações pessoais, não institucionais. É realizar “doações” em vez de participar de concorrências públicas sem favorecimento. É achar normal que um político use seu cargo público para promover interesses da empresa. Não há evidências de que a Ultrafarma tenha incorrido em atos corruptos até agora, mas é gritante como a relação empresa-setor público definida por Sidney Oliveira se assemelha à de várias organizações envolvidas em escândalos.

Quem não se adaptar aos novos tempos terá problemas não apenas jurídicos, mas reputacionais. Do mesmo modo que empresas colocam selos de “boa governança ambiental” em seus produtos, é possível que, em breve, exponham um atestado de “anticorrupção”. O primeiro passo para que isso aconteça é que a organização tenha um sistema de compliance em bom funcionamento.

Ano passado, a consultoria ICTS Protiviti publicou uma pesquisa, feita com 642 empresas, para aferir o nível de maturidade das empresas brasileiras no que se refere a seus sistemas anticorrupção. No Brasil, essa discussão começou em 2013, com a aprovação da Lei 12.846, apelidada de “Lei Anticorrupção”. Esta lei exige que todas as empresas que possuem relações com o setor público tenham um sistema de compliance. Atualmente, cerca de 70% das empresas brasileiras se enquadram nisso.

De acordo com a ICTS Protiviti, pouco menos da metade das organizações pesquisadas possuem baixo nível de compliance. Isso é especialmente verdade para as empresas pequenas, com menos de 99 colaboradores. Os elementos de compliance mais presentes são: canal de denúncias (62%), código de ética (61%) e treinamentos (57%). São os mais simples para uma empresa fazer. Um canal de denúncias pode ser apenas um e-mail institucional; um código de ética pode ser copiado da internet e inadequado para a organização; treinamentos podem ser malfeitos, sem a presença de especialistas em programas anticorrupção.

A boa notícia é que entre 2015 e 2016 quase 40% das empresas adotaram alguma medida anticorrupção. Há um interesse crescente no tema. No entanto, um dos primeiros passos para que qualquer iniciativa nesse sentido dê certo é fazer um diagnóstico dos riscos de corrupção da área em que a empresa atua. Uma empreiteira, por motivos óbvios, deverá ter muito interesse em fazê-lo. Haverá, também, pressão de acionistas para isso, caso a empresa não tenha capital fechado e/ou controle familiar.

Empresas amigas de João Doria deveriam se cuidar. O prefeito pode começar a ser questionado pela imprensa e pela Justiça por atropelar a legislação vigente em nome da rapidez e da “eficiência” administrativa. Pelo menos uma das organizações próximas a ele não parece ter sistema azeitado: a Ultrafarma recusou-se a responder minhas perguntas por email.

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Há poucas semanas, o empresário Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, prometeu doar 600.000 reais para a prefeitura de São Paulo comprar remédios. Tradicionalmente, empresas e empresários dão dinheiro para os cofres públicos ao pagarem impostos. Ansioso, Oliveira parece ter escolhido um caminho mais curto. Em retribuição ao gesto, o prefeito João Doria (PSDB) postou na internet um vídeo em que recomenda, para seus secretários, as vitaminas comercializadas pela Ultrafarma. Em 13 de Fevereiro, a empresa postou, orgulhosa, o vídeo em seu Facebook, incluindo um link para comprá-las. O que há de errado?

Tudo. Trata-se de um comportamento antiquado, um exemplo da velha cultura empresarial e política que está saindo (ou deveria estar!) de moda após a Lava-Jato. A velha cultura é basear a relação da empresa com o setor público em relações pessoais, não institucionais. É realizar “doações” em vez de participar de concorrências públicas sem favorecimento. É achar normal que um político use seu cargo público para promover interesses da empresa. Não há evidências de que a Ultrafarma tenha incorrido em atos corruptos até agora, mas é gritante como a relação empresa-setor público definida por Sidney Oliveira se assemelha à de várias organizações envolvidas em escândalos.

Quem não se adaptar aos novos tempos terá problemas não apenas jurídicos, mas reputacionais. Do mesmo modo que empresas colocam selos de “boa governança ambiental” em seus produtos, é possível que, em breve, exponham um atestado de “anticorrupção”. O primeiro passo para que isso aconteça é que a organização tenha um sistema de compliance em bom funcionamento.

Ano passado, a consultoria ICTS Protiviti publicou uma pesquisa, feita com 642 empresas, para aferir o nível de maturidade das empresas brasileiras no que se refere a seus sistemas anticorrupção. No Brasil, essa discussão começou em 2013, com a aprovação da Lei 12.846, apelidada de “Lei Anticorrupção”. Esta lei exige que todas as empresas que possuem relações com o setor público tenham um sistema de compliance. Atualmente, cerca de 70% das empresas brasileiras se enquadram nisso.

De acordo com a ICTS Protiviti, pouco menos da metade das organizações pesquisadas possuem baixo nível de compliance. Isso é especialmente verdade para as empresas pequenas, com menos de 99 colaboradores. Os elementos de compliance mais presentes são: canal de denúncias (62%), código de ética (61%) e treinamentos (57%). São os mais simples para uma empresa fazer. Um canal de denúncias pode ser apenas um e-mail institucional; um código de ética pode ser copiado da internet e inadequado para a organização; treinamentos podem ser malfeitos, sem a presença de especialistas em programas anticorrupção.

A boa notícia é que entre 2015 e 2016 quase 40% das empresas adotaram alguma medida anticorrupção. Há um interesse crescente no tema. No entanto, um dos primeiros passos para que qualquer iniciativa nesse sentido dê certo é fazer um diagnóstico dos riscos de corrupção da área em que a empresa atua. Uma empreiteira, por motivos óbvios, deverá ter muito interesse em fazê-lo. Haverá, também, pressão de acionistas para isso, caso a empresa não tenha capital fechado e/ou controle familiar.

Empresas amigas de João Doria deveriam se cuidar. O prefeito pode começar a ser questionado pela imprensa e pela Justiça por atropelar a legislação vigente em nome da rapidez e da “eficiência” administrativa. Pelo menos uma das organizações próximas a ele não parece ter sistema azeitado: a Ultrafarma recusou-se a responder minhas perguntas por email.

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