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STF vs. Moro: o caso das prisões preventivas

Nos últimos dias, os empresários Eike Batista e João Carlos Bumlai, e o ex-tesoureiro do Partido Progressista, João Cláudio Genu, saíram da cadeia a mando do Supremo Tribunal Federal (STF). Noticiou-se que Eike negociava delação premiada na qual implicaria políticos graúdos como o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e o ex-presidente Lula […]

SUPREMO: o Judiciário continuará no delicado pêndulo entre a vontade da maioria e as permissões da lei / Antonio Cruz/ Agência Brasil
SUPREMO: o Judiciário continuará no delicado pêndulo entre a vontade da maioria e as permissões da lei / Antonio Cruz/ Agência Brasil
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Sérgio Praça

Publicado em 1 de maio de 2017 às, 19h27.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h25.

Nos últimos dias, os empresários Eike Batista e João Carlos Bumlai, e o ex-tesoureiro do Partido Progressista, João Cláudio Genu, saíram da cadeia a mando do Supremo Tribunal Federal (STF). Noticiou-se que Eike negociava delação premiada na qual implicaria políticos graúdos como o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e o ex-presidente Lula (PT). Cabral e Lula, pelo que se sabe até agora, não precisam do depoimento e das provas de Eike para passarem longa temporada presos. As três decisões foram consideradas um baque para a avançadíssima Operação Lava-Jato.

A operação, comandada no Judiciário de primeira instância por Sergio Moro, depende de dois tipos de prisão para funcionar: a prisão preventiva e a prisão após decisão em segunda instância. No entendimento de parte dos juízes do STF, como Gilmar Mendes, Moro foi longe demais e pode ter abusado dos pedidos de prisão preventiva. O dilema que se coloca é: a operação está sendo realizada às custas do princípio de presunção de inocência garantido pela Constituição Federal de 1988? Argumento que não, mas isso não implica que o STF não tenha agido de modo correto.

Atos corruptos são, até serem descobertos, crimes invisíveis. Homicídios sem corpos. É difícil manchetar crimes desse tipo. Os depoimentos dos donos e funcionários da Odebrecht – uma empresa de corrupção que por acaso é também empreiteira – soam insossos mesmo revelando atos escabrosos. São crimes sem graça. Afinal, Lula é culpado do que mesmo? Beneficiar uma ou outra empreiteira convencendo o BNDES a liberar empréstimos? Quase receber um triplex da OAS em troca de favores políticos?

De novo: não há corpo, embora haja (para meu gosto e o de diversos agentes da Justiça) provas claríssimas de que o ex-presidente cometeu crimes. Houve burburinho sobre a prisão preventiva de Lula. Não foi feita. Talvez não houvesse elementos para tanto. Neste caso, o Judiciário agiu como instituição contramajoritária – ou seja, observando mais os limites da lei do que a vontade da maioria do povo (duas coisas que nem sempre estão em desacordo, é claro).

No caso de crimes contra a administração pública, prisões preventivas são baseadas no risco de destruição de provas e/ou obstrução de justiça. Nem sempre é fácil argumentar que quem está preso antes de ser julgado (ou seja, réu) ou antes de ser condenado no mínimo em segunda instância irá fazer uma dessas duas coisas. Nunca é demais lembrar, no entanto, que envolvidos em atos corruptos na Lava-Jato destruíram provas adoidado. Os filhos de Paulo Roberto Costa, o primeiro diretor da Petrobras pego pela operação, foram pegos dando sumiço em documentos importantes (presume-se). O ex-jornalista e agora publicitário João Santana teria apagado sua conta no Dropbox.

Também houve obstrução de Justiça. Nos grampos de Sérgio Machado, ex-diretor da Transpetro, o então ministro Fabiano Silveira foi flagrado aconselhando o senador Renan Calheiros (PMDB) sobre como escapar de certa inquirição do Ministério Público Federal. Se isso não é obstrução de Justiça, não sei de mais nada. É um exemplo que nem teve repercussão jurídica, apenas prática: Silveira saiu imediatamente do cargo de ministro da Transparência, Fiscalização e Controle. (Historiadores terão dificuldade para explicar esta.)

Esses dois argumentos para prisões preventivas são bons, mas há um terceiro, nem sempre reconhecido, que provoca ainda mais discussão: a prisão preventiva como estímulo à delação premiada. Se tivermos que escolher um fator que deu vida à Lava-Jato foi a colaboração de agentes corruptos em troca da redução de pena e/ou multas. O doleiro Alberto Youssef foi o primeiro. Sem sua colaboração, não saberíamos da verdadeira extensão dos crimes na Petrobras.

Antigamente, a possibilidade de delação premiada não era prevista para todos os tipos de crimes. Após a aprovação da Lei das Organizações Criminosas em 2013, crimes contra a administração pública puderam se beneficiar desse tipo de colaboração. Assim os investigadores podem aplicar o clássico dilema do prisioneiro. Em um crime com dois comparsas presos, interrogados em salas separadas, ambos terão incentivos para confessar o crime e implicar o colega. Se eu não colaborar, mas meu colega falar, minha pena será maior do que a dele. O natural é que ambos falem e, assim, a investigação fique mais completa.

Nem sempre a possibilidade de delação anima os implicados em atos corruptos. Os petistas João Vaccari Neto (ex-tesoureiro) e André Vargas (ex-deputado federal) ainda estão na cadeia, já condenados em primeira instância, e não abriram a boca. Vargas tem pena de 18 anos para cumprir e Vaccari, de 41 anos. A fidelidade ao partido (e a seus agentes corruptos) fala mais alto do que a possível liberdade. Não deve ser coincidência que o único diretor da Petrobras ainda preso, Renato Duque, era o mais ligado ao PT, de acordo com o livro Petrobras: uma história de orgulho e vergonha, de Roberta Paduan. Duque foi condenado, em primeira instância, a mais de 57 anos de prisão. Esse trio está preso preventivamente há mais de dois anos. Será um exagero?

Não é o que indica Sergio Moro em sua sentença que condenou Marcelo Odebrecht: “Embora excepcionais, as prisões cautelares [preventivas] foram impostas em um quadro de criminalidade complexa, habitual e profissional, servindo para interromper a prática sistemática de crimes contra a administração pública, além de preservar a investigação e a instrução da ação penal”.

Ao contrário do que ele afirma, as prisões preventivas não parecem ser exceção, ao menos no caso de presos ilustres, como José Dirceu (634 dias), Antonio Palocci (214 dias), Sérgio Cabral (162) e Gim Argello (381 dias). Argello é um caso interessante. Eu soube de sua prisão assim que aterrissei em Brasília no fim de 2015 para uma série de entrevistas de pesquisa. São aquelas notícias de antes das 10h que definem nossos dias de trabalho. Imediatamente pensei: as pessoas não têm noção de quem é esse sujeito. Trata-se de um ex-senador pelo PTB que tinha esquema no Ministério da Cultura e, mesmo assim, quase foi indicado em 2014 para ministro do Tribunal de Contas da União.

Após forte repercussão negativa entre os funcionários do órgão, Dilma Rousseff desistiu da nomeação. Não está claro sobre quem Argello poderia falar para se safar. Seu caso pode servir para ilustrar um dos principais argumentos de Gilmar Mendes para deixar Eike responder às acusações em liberdade: os implicados em atos corruptos já não se encontram no poder. Argello e Eike, para ficar nesses dois exemplos, não têm laços com os comandantes do PMDB no nível federal. Não teriam, portanto, como obstruir a justiça.

Quando não pediu a prisão preventiva de Lula, Sérgio Moro agiu, como já indiquei, com atitude “contramajoritária” – contra a vontade popular. Ver Eike, comparsa de Sérgio Cabral, atrás das grades é um alivio para muita gente. Como Malu Gaspar mostra em sua biografia do “empresário”, Eike desrespeitou os acionistas minoritários de suas empreitadas e dilacerou, com suas estratégias e tweets risíveis, os investimentos de muitas outras pessoas. Mas isso não é motivo suficiente para deixá-lo na cadeia enquanto responde às acusações. Seus comparsas estão fora do poder e na cadeia.

Assim, o STF acerta a mão sem necessariamente implicar perdas reais para a Operação Lava-Jato. Soltar Eike em 2017 é muito diferente de soltar Marcelo Odebrecht em 2015. Não se pode afirmar que o STF hoje tomaria essa atitude. Não é uma decisão doutrinária e, assim, o Judiciário continuará no delicado pêndulo entre a vontade da maioria e as permissões da lei.

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