Será Maduro um novo Fidel Castro?
O venezuelano tem condições mais adversas do que o carismático cubano, mas está no caminho para durar muito tempo no poder
Publicado em 10 de janeiro de 2020 às, 17h37.
Última atualização em 10 de janeiro de 2020 às, 18h01.
O ano começou com novidades na Venezuela. Juan Guaidó, o deputado que lidera a oposição ao presidente Nicolás Maduro, conseguiu se reeleger presidente da Assembleia Legislativa – mas em uma sessão realizada fora do parlamento. Luis Parra, deputado cooptado por Maduro, atrapalhou a votação e autoproclamou-se presidente. Ironia grossa: um ano atrás, Guaidó autoproclamou-se presidente do país e foi reconhecido como tal por mais de cinquenta países. Maduro contra-ataca e enfraquece a oposição, que desde o segundo semestre de 2019 tem tido dificuldade para convocar protestos.
Poucos meses atrás, a ditadura venezuelana parecia estar por um triz. Crise econômica profunda, hiperinflação, protestos nas principais cidades e o surgimento de Guaidó, um líder que organizou a oposição, eram as péssimas notícias para o ditador.
Agora, com força renovada, estaria Nicolás Maduro em vias de se tornar um Fidel Castro menos carismático? O venezuelano está no poder há seis anos. Castro comandou Cuba por quarenta e nove.
A Venezuela é um país mais complexo, em termos sociais e econômicos, do que Cuba. Fidel manteve total controle sobre sua ilha. Não havia oposição partidária organizada. Os mais vocais contra o regime castrista eram expulsos, presos ou assassinados.
Maduro não tem condições de fazer o mesmo. Deu-se conta disso ao quase cair após os protestos de 2019. Mas parece ter revertido a situação. Cooptou parte da oposição em negociações legislativas após Guaidó demonstrar força. Segurou os possíveis dissidentes do Exército. E continuou, sem percalços, a intimidar o Judiciário.
A diferença entre Castro e Maduro pode ser explicada emprestando argumentos de Freud. Segundo o pai da psicanálise, as pessoas lidam de duas maneiras distintas com o mal-estar da civilização: fugindo para a fantasia ou fugindo para a realidade (e agindo estrategicamente, com o máximo de organização e planejamento possíveis).
Fidel era um sonhador carismático que mesmerizava – e entediava – plateias com discursos de quatro horas. Com a garganta, segurou o país mesmo sendo megalomaníaco.
Menos poderoso, Maduro está percebendo que o chavismo de inspiração cubana não basta. Não é sua vocação. Mas não é ingênuo e está se beneficiando da oposição fraca para permanecer no poder para além do que o povo venezuelano gostaria. O mergulho na realidade pode ser seu trunfo. Ainda assim, igualar Fidel parece impossível — aos 57 anos, Maduro teria que ficar no cargo até os 100.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)