Ricardo Salles humilha o Partido Novo
A política pública do meio ambiente é tão irrelevante para o partido que nem consta do site oficial
Publicado em 30 de agosto de 2019 às, 12h09.
Última atualização em 30 de agosto de 2019 às, 13h20.
Com a enorme crise ambiental aberta por misteriosas queimadas na Amazônia, Jair Bolsonaro (PSL) recebeu críticas do presidente francês, Emmanuel Macron, e apoio de Donald Trump. No Brasil, sua tropa de choque se resumiu aos filhos e ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles (Partido Novo). As queimadas ocorreram em governos anteriores também, mas é inegável que falas do presidente autorizaram, informalmente, a aceleração da destruição. A dupla Bolsonaro-Salles conseguiu algo raro: tornar o tema do meio ambiente o mais discutido dos últimos tempos.
Ninguém é responsável por Bolsonaro. Ele foi eleito e cumpre seu mandato. O presidente é responsável por seus ministros. Escolheu-os com base em critérios de lealdade e competência presumidas, bem como o grau de afinidade ideológica. Um ministro pode ser leal ao presidente e também ao partido do presidente ou a um partido político da coalizão. Pode, por exemplo, ser muito afinado ideologicamente com o presidente e não o conhecer o suficiente para estabelecer uma clara relação de “lealdade”, como é o caso de Ricardo Salles.
É interessante que Bolsonaro e o Partido Novo são ambos fenômenos “anti-sistema” que precisam sinalizar, de alguma maneira, um mínimo de normalidade. O presidente faz isso ao respeitar decisões do Congresso e do Judiciário, ainda que sua retórica seja, às vezes, insana. E o Partido Novo também mostra vontade de continuar na política “normal” ao participar do governo através de um ministério.
O problema é que o radicalismo do governo extrapolou a retórica na questão ambiental. Bolsonaro e Salles são piromaníacos da boca para fora – e isso é suficiente para que seus desejos nada discretos sejam realizados por outros. Contra Bolsonaro não há o que fazer, exceto esperar que a pressão internacional sossegue seu facho. Salles é um caso diferente. Ministros não respondem apenas a seu chefe imediato, o presidente. Prestam contas também aos partidos políticos a que pertencem.
Aí se revela a covardia de João Amoêdo, o cacique do Novo. O partido editou em 31 de maio uma resolução que trata do afastamento de filiados que ocupam cargos ministeriais sem indicação do partido. Mas não há efeito retroativo. Era uma maneira que se presumia engenhosa para o partido não arcar com o custo de iniciar um processo de expulsão do ministro Salles, que parece estar muito mais à direita do que o partido esperava.
Tudo parece mais esquisito se lembrarmos que Salles foi candidato a deputado federal pelo Novo no ano passado em São Paulo. O jovem partido se gaba de ser mais honesto do que outros porque exige que seus candidatos passem por um intrincado processo seletivo. Fica bem pior dizer que o ministro não é quem eles pensavam.
Agora um peixe médio – Chicão Bulhões, deputado estadual no Rio de Janeiro – e dois peixes pequenos do Novo (um ex-candidato ao governo do Rio, Marcelo Trindade, e ex-candidato a deputado federal, Ricardo Rangel) pedem a suspensão imediata de Salles. Citam “postura inadequada” e desdém a dados científicos como motivos. Também afirmam que o ministro não tem cumprido o que a organização propõe na área ambiental. Mas uma consulta ao site do Novo mostra que o partido não pensa nada sobre o assunto. O tópico “Meio Ambiente” não consta de nenhuma página do site.
O caso de Ricardo Salles mostra que o Partido Novo tentou se safar, com uma resolução inócua, de uma decisão difícil sobre um ministro que comanda uma política pública que o próprio partido enxerga como irrelevante.