Reforma da Previdência: a decisão do voto
Com a divulgação das delações da Odebrecht, o governo de Michel Temer (PMDB) tem uma última chance para deixar um legado substantivo: a Reforma da Previdência. Caso não seja aprovada, Temer terá feito muito pouco além de estancar a recessão causada por Dilma Rousseff (PT). E dividirá o mérito com o ministro da Fazenda, Henrique […]
Publicado em 19 de abril de 2017 às, 12h04.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h29.
Com a divulgação das delações da Odebrecht, o governo de Michel Temer (PMDB) tem uma última chance para deixar um legado substantivo: a Reforma da Previdência. Caso não seja aprovada, Temer terá feito muito pouco além de estancar a recessão causada por Dilma Rousseff (PT). E dividirá o mérito com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), ele próprio um ator político com considerável ambição. Esta reforma dá a Temer a chance de entrar para a história não apenas como o principal líder de um partido corrupto, mas também um presidente reformista, mais preocupado com o futuro das finanças públicas brasileiras do que com sua baixa popularidade.
Para isso, a proposta de reforma de Temer precisa de 60% dos votos de deputados e senadores em duas votações em plenário. Já que se trata de uma mudança constitucional, todas as votações são nominais – ou seja, sabe-se a posição individual de cada parlamentar sobre a reforma (e alguns pontos específicos desta, desde que sejam pedidos “destaques para votação em separado”). Mais do que nunca, os deputados e senadores sofrem o que o cientista político Sebastian Saiegh chama de “pressões cruzadas”: de suas bases eleitorais (presumidas e potenciais), do presidente, do líder de seu partido, da mídia etc. (O raciocínio está no livro Ruling By Statute: How Uncertainty and Vote Buying Shape Lawmaking, Cambridge University Press, 2011.)
Para Saiegh, isto implica que os parlamentares são obrigados a definir seus votos tendo informação incompleta. Ou seja, o ambiente de incerteza a respeito das consequências de suas ações não é minimizado com a aquisição de novas informações, pois os stakeholders que lidam com o parlamentar têm incentivos apenas para defender suas posições egoístas. Wagner Moura, em seu vídeo de três minutos sobre os problemas (para ele, exagerados) da previdência não fornecerá um panorama completo e isento sobre o assunto. Não à toa, economistas do Ministério da Fazenda como Mansueto Almeida e Marcos Mendes têm publicado muitos artigos na mídia defendendo a posição do governo.
Se parlamentares não são bem-informados sobre o assunto, eleitores são menos ainda. Preocupam-se em ter uma aposentadoria confortável e não com as finanças públicas. Sentem-se, com razão, merecedores da generosidade do Estado depois de tanto tempo contribuindo para a altíssima carga tributária do país, recebendo em troca serviços públicos de baixa qualidade. Com poucas exceções, parlamentares que votarem a favor da Reforma da Previdência serão considerados traidores da confiança neles depositada pelos cidadãos. E assim terão menos chances de reeleição. O horizonte temporal dos deputados e senadores é curto. A sobrevivência política, em tempos de Lava Jato, é difícil e o povo não os recompensará por “fazer a coisa certa para gerações futuras”.
No entanto, agradar o governo continua sendo fator importante para a reeleição. Controlar cargos de confiança na burocracia federal e ter emendas orçamentarias liberadas pelo presidente são fundamentais para garantir votos. O impacto das emendas é óbvio: com elas, o deputado pode se dizer responsável por uma obra em certo município. Cargos de confiança também podem ser usados para angariar apoio eleitoral. Nem precisam ser usados para corrupção (embora isto ainda continue mesmo com a Lava Jato). Um deputado com influência na Secretaria de Pesca do Ministério da Agricultura pode, por exemplo, mostrar-se relevante para o programa pescador artesanal, uma espécie de Bolsa Família para pescadores.
Não à toa, as últimas semanas têm revelado uma caça desenfreada por cargos na estrutura governamental. Michel Temer tem dificuldade em convencer seu próprio partido a apoiar a reforma. É incerto quantos votos em plenário a distribuição de mais cargos de confiança conseguirá comprar. De acordo com o mais recente levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, apenas 101 deputados federais pretendem aprovar a reforma (e a maioria desses, aliás, só o faria mediante mudanças substanciais na proposta de emenda constitucional). Os partidos mais empolgados sáo PEN (3 deputados, 2 a favor), PPS (8 deputados, 4 a favor), PMDB (43,75%) e PTB (41%). Partidos com bancadas relevantes, como o PSDB (45 deputados, 10% a favor), PR (39 deputados, 20,5% a favor), PSD (37 deputados, 35% a favor) e DEM (29 deputados, 20% a favor), têm ministérios e estão longe de apoiar a proposta de Temer. São necessários 308 votos favoráveis, em dois turnos, para que a PEC vá ao Senado Federal, onde o jogo recomeça. Ao contrário de projetos de lei, o presidente não tem a possibilidade de vetar propostas de emenda constitucional, tornando a negociação ainda mais delicada.
O próprio conteúdo de qualquer proposta de reforma previdenciária dificulta o trabalho dos políticos. Trata-se de uma mudança que implica custos imediatos, concentrados em certas categorias, e benefícios difusos, incertos. FHC tentou fazer uma reforma, com pouco sucesso, e Lula, em seu primeiro ano de governo, propôs outra, mais abrangente. Segundo os cientistas políticos Carlos Ranulfo de Melo e Fátima Anastasia, Lula teve uma vantagem em 2003. Afirmam que “partidos como o PT, o PCdo B, o PSDB e o PFL passaram a viver uma situação que pode ser caracterizada pelo fato de suas antigas preferências no que se refere à política previdenciária terem se tornado contraditórias com suas posições nas arenas parlamentar e governamental”. Ou seja, Lula propôs políticas congruentes com as preferências tucanas. Incorreu em um custo ideológico.
Lula se beneficiou de mais cinco fatores para aprovar sua reforma previdenciária: 1) Ao contrário de FHC, Lula tinha uma “agenda constitucional” menos cheia, focada especialmente nas mudanças do sistema previdenciário e do sistema tributário; 2) Sua proposta focava especificamente os servidores públicos, enquanto a de FHC era mais “multidimensional”, tratando também dos fundos de pensão e do regime geral da previdência social (ponto compartilhado com a de Michel Temer); 3) Lula procurou agradar os governadores na proposta inicial; 4) A Comissão Especial designada para analisar a PEC teve parlamentares simpáticos em sua presidência (Roberto Brant, PFL) e relatoria (José Pimentel, PT); 5) Ao contrário do que ocorreu com FHC, regras internas ao Congresso limitaram o uso de “destaques para votação em separado” que a oposição ao tucano havia utilizado com maestria para constranger a maioria governista em votações polêmicas. (A fonte das informações é A Reforma da Previdência em dois tempos, Dados, v. 48, n. 2, 2005, p. 301-332, de Carlos Ranulfo Melo e Fátima Anastasia).
O caminho de Temer para a aprovação de uma reforma significativa está sendo mais espinhoso. O custo não é ideológico, mas fisiológico. Bem, disso o PMDB entende.