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Por que Decotelli caiu e Salles continua?

Sem partido nem experiência relevante prévia, o quase-ministro da Educação não se segurou – ao contrário do colega do Meio Ambiente

Decotelli nunca havia ocupado cargo público, ao contrário de Salles, que foi secretário do Meio Ambiente em São Paulo (arte/Exame)
JR

Janaína Ribeiro

Publicado em 30 de junho de 2020 às 20h20.

Última atualização em 30 de junho de 2020 às 21h19.

Após dez dias no cargo, em 2006, a ministra Cecilia Stegö Chilò renunciou. Ministra da Cultura na Suécia por esse breve período, ela teve que sair porque deixou de pagar direitos trabalhistas para empregados domésticos. A rápida demissão mostra como as coisas funcionam em um país que resolveu problemas de fraude eleitoral no início do século XX. Não somos – nem precisamos ser – como os suecos. Mas por que o caso de Carlos Alberto Decotelli, autointitulado ministro da Educação por cinco dias, nos envergonha tanto?

Para entender isso, lembremos de Ricardo Salles (Partido Novo), ministro do Meio Ambiente. Sete anos antes de ser convidado para o ministério, Salles publicou um artigo na “Folha de S. Paulo” apresentando-se como mestre em Direito Público pela Universidade de Yale. Sustentou a informação até o início de 2019, quando Yale negou que Salles tenha cursado qualquer coisa por lá. O ministro disse que foi “equívoco da assessoria”. Seu partido não reclamou e o governo seguiu como sempre.

Esse caso é tão grave quanto o de Decotelli, que se apresentava como “Doutor” pela Universidade de Rosário sem sê-lo.

Caso Salles tivesse saído após a divulgação da mentira, poderíamos dizer que o Brasil tem um padrão sueco de ética política. Ainda que políticos corruptos sejam escolhidos para compor o ministério, o dano reputacional pela fraude é suficiente para forçar a demissão. Recentemente, só o caso de Decotelli se encaixou nessa lógica.

Talvez o fato de o quase-doutor pleitear o ministério da Educação tenha sido relevante. Mentiras acadêmicas no Meio Ambiente podem ter um peso menor para a reputação do político. Salles também pertence a partido político desde 2006 - PFL/DEM de 2006 a 2018, e depois o Partido Novo – ao contrário de Decotelli.

Ricardo Salles é branco e não se pode descartar que racismo faça com que um político negro tenha que cumprir um padrão ético mais restrito do que brancos. Decotelli nunca havia ocupado cargo público, ao contrário de Salles, que foi secretário do Meio Ambiente em São Paulo.

No fim das contas, Decotelli deu azar. Toleramos fraudes de ministros, sim, desde que eles tenham organizações e experiência que os banquem.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)

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Após dez dias no cargo, em 2006, a ministra Cecilia Stegö Chilò renunciou. Ministra da Cultura na Suécia por esse breve período, ela teve que sair porque deixou de pagar direitos trabalhistas para empregados domésticos. A rápida demissão mostra como as coisas funcionam em um país que resolveu problemas de fraude eleitoral no início do século XX. Não somos – nem precisamos ser – como os suecos. Mas por que o caso de Carlos Alberto Decotelli, autointitulado ministro da Educação por cinco dias, nos envergonha tanto?

Para entender isso, lembremos de Ricardo Salles (Partido Novo), ministro do Meio Ambiente. Sete anos antes de ser convidado para o ministério, Salles publicou um artigo na “Folha de S. Paulo” apresentando-se como mestre em Direito Público pela Universidade de Yale. Sustentou a informação até o início de 2019, quando Yale negou que Salles tenha cursado qualquer coisa por lá. O ministro disse que foi “equívoco da assessoria”. Seu partido não reclamou e o governo seguiu como sempre.

Esse caso é tão grave quanto o de Decotelli, que se apresentava como “Doutor” pela Universidade de Rosário sem sê-lo.

Caso Salles tivesse saído após a divulgação da mentira, poderíamos dizer que o Brasil tem um padrão sueco de ética política. Ainda que políticos corruptos sejam escolhidos para compor o ministério, o dano reputacional pela fraude é suficiente para forçar a demissão. Recentemente, só o caso de Decotelli se encaixou nessa lógica.

Talvez o fato de o quase-doutor pleitear o ministério da Educação tenha sido relevante. Mentiras acadêmicas no Meio Ambiente podem ter um peso menor para a reputação do político. Salles também pertence a partido político desde 2006 - PFL/DEM de 2006 a 2018, e depois o Partido Novo – ao contrário de Decotelli.

Ricardo Salles é branco e não se pode descartar que racismo faça com que um político negro tenha que cumprir um padrão ético mais restrito do que brancos. Decotelli nunca havia ocupado cargo público, ao contrário de Salles, que foi secretário do Meio Ambiente em São Paulo.

No fim das contas, Decotelli deu azar. Toleramos fraudes de ministros, sim, desde que eles tenham organizações e experiência que os banquem.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)

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