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Por que ainda temos tanta corrupção?

A Lava Jato teve méritos, mas resultou no enfraquecimento de certas instituições de controle sem diminuir a fome de ilegalidades

"Japonês da PF": Lava Jato tornou muito mais crível a punição de políticos e empresários por atos corruptos (YouTube/Reprodução)
"Japonês da PF": Lava Jato tornou muito mais crível a punição de políticos e empresários por atos corruptos (YouTube/Reprodução)
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Sérgio Praça

Publicado em 27 de julho de 2020 às, 19h48.

No país que teve a maior operação anticorrupção do século XXI, tem sido estranho ler manchetes ultimamente. “Deputada federal, primeira-dama do Piauí é alvo da PF por desvio no Fundeb”; “Ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro é preso”; “Justiça no Amazonas bloqueia bens do deputado Federal delegado Pablo, investigado em operação da PF”, “Ex-secretário geral do PT é condenado na Lava Jato por corrupção passiva” etc.

Uma maneira de medir o sucesso da Lava Jato poderia ser pela ausência de escândalos (não confundir com “atos”) de corrupção após seu ápice com a prisão de Lula (PT) em abril de 2018. Afinal, a operação tornou muito mais crível a punição de políticos e empresários por atos corruptos. Várias instituições de controle colaboraram para isso. Mais notadamente, os procuradores do Ministério Público Federal, liderados por Deltan Dallagnol, e o juiz Sergio Moro receberam o mérito pelos sucessos da Lava Jato.

Até pouco tempo atrás Dallagnol e Moro – personificados no agente Newton Ishii da Polícia Federal (“cadê o japonês?”, teria dito Lula na manhã fatídica), dono do carisma que falta aos juristas –, metiam medo nos corruptos. O setor de infraestrutura perdeu fôlego porque, em grande medida, só funciona mediante propina. Era arriscado demais. A Lava Jato poderia ter tido esse efeito de modo mais perene. As leis e as prisões brasileiras continuam as mesmas.

Por que, então, os escândalos continuam? Enxergo duas explicações.

A primeira é que órgãos como a PF e o MPF precisam de manchetes para manter suas reputações. Desde, é claro, que os jornais destaquem suas operações e não tentativas de interferência política. Beneficiam-se, paradoxalmente, da existência de atos corruptos. Estão competindo por atenção e relevância. Nada melhor para isso do que uma sequência de desmandos. É uma maneira de justificar a existência da operação, bem como sua “independência” que contraria o espírito da Constituição.

Redes corruptas de empresários e políticos podem ser mais fortes do que se imaginava. Relações pessoais se formam. E a dependência de dinheiro extra para campanhas eleitorais, que Bruno Carazza documentou melhor do que ninguém em seu “Dinheiro, eleições e poder” (Companhia das Letras, 2018), continua a mesma. Desde 2016, o financiamento empresarial direto é proibido. Uma hipótese plausível é que os escândalos continuam porque as redes corruptas continuam precisando de caixa dois e se aproveitam das falhas de fiscalização e da lei para

Falhas de fiscalização? Sim, porque as controladorias-gerais do governo federal, estados e municípios não têm “japonês” nem juiz famoso nem procuradores que pagam outdoors para autopromoção. O resultado é fraqueza institucional e interferência política. Assim continuam as redes corruptas e a punição ad nauseum.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV).