Paulo Guedes acha que equilíbrio fiscal evitará impeachment
O vídeo da reunião ministerial mostra, no entanto, que Bolsonaro foi além das pedaladas
Janaína Ribeiro
Publicado em 22 de maio de 2020 às 20h40.
Não se podia esperar decoro, educação, na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Vários ministros de Jair Bolsonaro (sem partido) aproveitaram suas falas para, de modo contundente, bajular o chefe. Quem mais fez isso foi Abraham Weintraub (Educação). Depois de Bolsonaro falar em cuidado com um “contragolpe”, Weintraub fez questão de registrar que “odeia” o Partido Comunista do Brasil (PC do B). É um partido com 8 deputados federais, 1,5% da Câmara dos Deputados. O ministro se assusta com quem não tem poder.
O vídeo mostra que o bolsonarismo não é, em encontros privados, muito diferente do que mostram em público. O tom é mais estridente, mas é difícil se chocar com quase todo o conteúdo – o que não tira a gravidade, por exemplo, da evidente interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. (No único estudo que encontrei sobre o assunto, os cientistas políticos Stephen Dyson e Alexandra Raleigh analisam gravações privadas e pronunciamentos públicos de Saddam Hussein, então ditador do Iraque. Longe dos ouvidos do povo, Hussein mostrava ter um entendimento nuançado, complexo, do sistema político internacional. Mas o que saía de sua boca era populismo agressivo. [O artigo “Public and private beliefs of political leaders: Saddam Hussein in front of a crowd and behind closed doors” foi publicado pela Research & Politics em 2014.])
Do ponto de vista das ideias econômicas, o vídeo mostra o embate entre o “desenvolvimentistmo” militar, que inclui Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e o “liberalismo” de Paulo Guedes – que, frisa, leu o heterodoxo John Maynard Keynes “três vezes no original”.
O propósito inicial da reunião era apresentar o “Pró Brasil”, uma espécie de PAC com seis slides. Guedes critica o plano e culpa Rogério Marinho diretamente. Nos dias seguintes, grande parte da imprensa ridicularizou o neodesenvolvimentismo. Mesmo assim, Tarcísio Freitas mostrou confiança. “Tivemos aí dois caras aí na história recente que pegaram terra arrasada e entraram pra História. Um foi o [Franklin Delano] Roosevelt, o outro foi o [Winston] Churchill. O terceiro vai ser o Bolsonaro ”, disse o ministro da Infraestrutura. (Está errado. Quando assumiu o cargo de primeiro-ministro em 1940, Churchill não encontrou “terra arrasada”. Hitler começaria a bombardear a Inglaterra alguns meses depois.)
Último a falar, Paulo Guedes ganhou confiança à medida que os outros ministros se pronunciavam. No melhor tom bolsonarista, disse que “[há três] torres do inimigo que a gente tinha que derrubar. Uma era o excesso de gasto na previdência, derrubamos assim que entramos. A segunda torre era o juros. Os juros estão descendo e vão descer mais ainda. (...) Nessa confusão toda, todo mundo tá achando que tão distraído, abraçaram a gente, enrolaram com a gente. Nós já botamos a granada no bolso do inimigo. Dois anos sem aumento de salário. Era a terceira torre que nós pedimos pra derrubar. Nós vamos derrubar agora, também. Isso vai nos dar tranquilidade de ir até o final. Não tem jeito de fazer um impeachment se a gente tiver com as contas arrumadas, tudo em dia. Acabou! Não tem jeito”.
O ministro da Economia é, sem ironia, um sujeito inteligente. Mas ele sofre, como muitos de nós, com a “heurística de disponibilidade” (“availability bias”, na língua de Keynes). Isso ocorre quando estruturamos nossa percepção do mundo a partir de algo que aconteceu recentemente e continua em nossas cabeças. Um exemplo bobo. Na década de noventa, a seleção inglesa de futebol tinha enorme dificuldade em ganhar disputas de pênaltis. A cada novo pênalti, a torcida e os jogadores se lembravam do fracasso dos últimos. Tinta fresca.
Guedes acredita que Bolsonaro se livrará de um processo de impeachment porque, afinal, o último que deu certo teve “pedaladas fiscais” como mote. Provavelmente não teve tempo de considerar o impacto do que ouviu do presidente alguns minutos antes sobre a “PF que não me dá informações”.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
Não se podia esperar decoro, educação, na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020. Vários ministros de Jair Bolsonaro (sem partido) aproveitaram suas falas para, de modo contundente, bajular o chefe. Quem mais fez isso foi Abraham Weintraub (Educação). Depois de Bolsonaro falar em cuidado com um “contragolpe”, Weintraub fez questão de registrar que “odeia” o Partido Comunista do Brasil (PC do B). É um partido com 8 deputados federais, 1,5% da Câmara dos Deputados. O ministro se assusta com quem não tem poder.
O vídeo mostra que o bolsonarismo não é, em encontros privados, muito diferente do que mostram em público. O tom é mais estridente, mas é difícil se chocar com quase todo o conteúdo – o que não tira a gravidade, por exemplo, da evidente interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. (No único estudo que encontrei sobre o assunto, os cientistas políticos Stephen Dyson e Alexandra Raleigh analisam gravações privadas e pronunciamentos públicos de Saddam Hussein, então ditador do Iraque. Longe dos ouvidos do povo, Hussein mostrava ter um entendimento nuançado, complexo, do sistema político internacional. Mas o que saía de sua boca era populismo agressivo. [O artigo “Public and private beliefs of political leaders: Saddam Hussein in front of a crowd and behind closed doors” foi publicado pela Research & Politics em 2014.])
Do ponto de vista das ideias econômicas, o vídeo mostra o embate entre o “desenvolvimentistmo” militar, que inclui Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e o “liberalismo” de Paulo Guedes – que, frisa, leu o heterodoxo John Maynard Keynes “três vezes no original”.
O propósito inicial da reunião era apresentar o “Pró Brasil”, uma espécie de PAC com seis slides. Guedes critica o plano e culpa Rogério Marinho diretamente. Nos dias seguintes, grande parte da imprensa ridicularizou o neodesenvolvimentismo. Mesmo assim, Tarcísio Freitas mostrou confiança. “Tivemos aí dois caras aí na história recente que pegaram terra arrasada e entraram pra História. Um foi o [Franklin Delano] Roosevelt, o outro foi o [Winston] Churchill. O terceiro vai ser o Bolsonaro ”, disse o ministro da Infraestrutura. (Está errado. Quando assumiu o cargo de primeiro-ministro em 1940, Churchill não encontrou “terra arrasada”. Hitler começaria a bombardear a Inglaterra alguns meses depois.)
Último a falar, Paulo Guedes ganhou confiança à medida que os outros ministros se pronunciavam. No melhor tom bolsonarista, disse que “[há três] torres do inimigo que a gente tinha que derrubar. Uma era o excesso de gasto na previdência, derrubamos assim que entramos. A segunda torre era o juros. Os juros estão descendo e vão descer mais ainda. (...) Nessa confusão toda, todo mundo tá achando que tão distraído, abraçaram a gente, enrolaram com a gente. Nós já botamos a granada no bolso do inimigo. Dois anos sem aumento de salário. Era a terceira torre que nós pedimos pra derrubar. Nós vamos derrubar agora, também. Isso vai nos dar tranquilidade de ir até o final. Não tem jeito de fazer um impeachment se a gente tiver com as contas arrumadas, tudo em dia. Acabou! Não tem jeito”.
O ministro da Economia é, sem ironia, um sujeito inteligente. Mas ele sofre, como muitos de nós, com a “heurística de disponibilidade” (“availability bias”, na língua de Keynes). Isso ocorre quando estruturamos nossa percepção do mundo a partir de algo que aconteceu recentemente e continua em nossas cabeças. Um exemplo bobo. Na década de noventa, a seleção inglesa de futebol tinha enorme dificuldade em ganhar disputas de pênaltis. A cada novo pênalti, a torcida e os jogadores se lembravam do fracasso dos últimos. Tinta fresca.
Guedes acredita que Bolsonaro se livrará de um processo de impeachment porque, afinal, o último que deu certo teve “pedaladas fiscais” como mote. Provavelmente não teve tempo de considerar o impacto do que ouviu do presidente alguns minutos antes sobre a “PF que não me dá informações”.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)