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Os dilemas reputacionais do Banco Central

Ao assumir um cargo como a presidência do Banco Central, um economista pode se tornar herói, oráculo ou vilão

Campos Neto tem mandato fixo até dezembro de 2024 (Geraldo Magela/Agência Senado/Flickr)
Campos Neto tem mandato fixo até dezembro de 2024 (Geraldo Magela/Agência Senado/Flickr)
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Sérgio Praça

Publicado em 23 de fevereiro de 2023 às, 10h05.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2023 às, 14h23.

Roberto Campos Neto foi alvo, nas últimas semanas, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Presidente do Banco Central desde 2019, Campos Neto tem mandato fixo até dezembro de 2024. Lula reclamou dos juros altos, que são determinados pelo Banco Central a partir de análise técnica, gosto de crer.

É razoável que Lula faça isso? Ou está desrespeitando um órgão independente, cuja principal tarefa é combater a inflação sem considerar a vontade dos políticos? Para meu gosto, um presidente pode falar o que quiser sobre qualquer instituição, desde que não peça seu fechamento nem estimule violência contra seus membros.

Mas palavras têm efeitos. A retórica de Lula aumenta a incerteza econômica, é verdade. No entanto, ao se aliar ao bolsonarismo no ano passado, Campos Neto deixou o papel de tecnocrata para assumir a fantasia de ministro do Bolsonaro. Prejudicou sua “reputação ilibada” ao votar com adereço bolsonarista em 2022.

Ao assumir um cargo como a presidência do Banco Central, um economista pode se tonar herói, oráculo ou vilão, segundo o cientista político George Shambaugh no livro “Oracles, Heroes or Villains: economic policymakers, national politicians and the power to shape markets” (Cambridge University Press, 2019). Campos Neto tem as condições institucionais para ser um herói. Assim é o economista que salva os cidadãos das piores ideias dos políticos.

Se Campos Neto e a maioria dos diretores do Banco Central quiserem taxas de juros mais altas do que Lula, a independência formal protege-os de demissão. (O Senado Federal pode demitir o presidente do BC em votação secreta. Mas o custo dessa medida drástica seria muito alto.) Isso faz com que o comandante da instituição possa, na melhor das hipóteses, impedir uma recessão quando ideias desastrosas são implementadas por políticos.

Em vez de herói, é muito mais provável que Campos Neto seja pintado como vilão. Usando os termos de Shambaugh, vilão é o tecnocrata que toma medidas falhas contra a vontade dos políticos eleitos. Tecnocratas podem errar com boa-fé. É possível que segurar as taxas de juros no nível atual seja visto até por economistas fora da Unicamp e Twitter, nos próximos meses, como um entrave ao crescimento econômico. Campos Neto e os demais diretores podem ter boas razões (como o cumprimento de uma meta baixa de inflação) para mantê-las.

Mas, graças à adesão de Campos Neto ao bolsonarismo, será tido como vilão mesmo se acertar.