O xeque-mate de Nancy Pelosi
A presidente da Câmara dos Deputados ganha, com facilidade, de péssimos negociadores como Trump
carolinaingizza
Publicado em 11 de outubro de 2020 às 20h24.
Última atualização em 11 de outubro de 2020 às 20h29.
Assim que a pandemia começou a apertar no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Congresso Nacional não perderam tempo. Em 30 de março, aprovaram o auxílio-emergencial. Foi prorrogado em setembro. Segundo Paulo Guedes, valerá até dezembro. Dados do FMI mostram que o Brasil destinou o equivalente a cerca de 9% do PIB às medidas fiscais de combate à pandemia, contra 12% nos Estados Unidos e 22% na Nova Zelândia.
Mas, por incrível que pareça, as eleições norte-americanas estão atrapalhando a continuidade da ajuda financeira direta aos cidadãos.
Para nós, brasileiros, isso é estranho porque enfileiram-se políticos para reivindicar a paternidade de programas de auxílio emergencial. Há até outdoors criticando Bolsonaro por ter proposto, inicialmente, 200 reais de auxílio, triplicado pelo Congresso Nacional.
Nos Estados Unidos, a coisa é mais complicada. Cerca de seis meses atrás, o governo Trump, a Câmara dos Deputados (controlada pelos democratas) e o Senado (controlado pelos republicanos) concordaram em um auxílio imediato. O clima no país já estava polarizado, mas um pouco menos bélico do que hoje. As eleições estão marcadas para daqui a três semanas. E Trump parecia se posicionar, até semana passada, contra a continuidade da assistência financeira aos cidadãos comuns. Estranho, não?
Sim, mas faz sentido por dois motivos. O primeiro é que o imenso impacto fiscal decorrente do auxílio é visto como péssimo por alguns senadores republicanos. Se estivessem no Brasil, seriam uma pequena bancada a favor do teto de gastos. O segundo motivo é que Trump poderia tomar, de início, uma decisão unilateral para destinar mais dinheiro às pessoas – mas em seguida Nancy Pelosi, deputada democrata que preside a Câmara, adicionaria a esta lei medidas que Trump rejeitaria. E aí ele teria que vetar o pedaço “democrata” da legislação, complicando um cenário já complexo.
Trump, então, estava optando por ficar quieto e deixar a eleição passar. Se superasse Joe Biden, implementaria o auxílio e tomaria todo o crédito por ele. Se perdesse... bem, aí o problema seria dos democratas.
Mas um discurso do presidente do Banco Central norte-americano, Jay Powell, mudou o cenário. Powell defendeu a aprovação imediata de um grande pacote de auxílio – não só para cidadãos, mas para empresas. Trump sinalizou, pelo Twitter, ser favorável a isso. Autorizou seu ministro da Economia a retomar as negociações com Pelosi.
Muito melhor negociadora do que seus adversários homens, Pelosi defende agora um pacote de US$ 2,2 trilhões, contra 1,8 trilhões que Trump toparia (e talvez conseguisse convencer a “bancada do teto”). Pior ainda: a democrata exige, por enquanto, que o projeto inclua diretrizes claras do governo contra o coronavírus. Se Trump aceitar isso, marcará a derrota formal, legislativa, de sua inação diante da pandemia.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
Assim que a pandemia começou a apertar no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Congresso Nacional não perderam tempo. Em 30 de março, aprovaram o auxílio-emergencial. Foi prorrogado em setembro. Segundo Paulo Guedes, valerá até dezembro. Dados do FMI mostram que o Brasil destinou o equivalente a cerca de 9% do PIB às medidas fiscais de combate à pandemia, contra 12% nos Estados Unidos e 22% na Nova Zelândia.
Mas, por incrível que pareça, as eleições norte-americanas estão atrapalhando a continuidade da ajuda financeira direta aos cidadãos.
Para nós, brasileiros, isso é estranho porque enfileiram-se políticos para reivindicar a paternidade de programas de auxílio emergencial. Há até outdoors criticando Bolsonaro por ter proposto, inicialmente, 200 reais de auxílio, triplicado pelo Congresso Nacional.
Nos Estados Unidos, a coisa é mais complicada. Cerca de seis meses atrás, o governo Trump, a Câmara dos Deputados (controlada pelos democratas) e o Senado (controlado pelos republicanos) concordaram em um auxílio imediato. O clima no país já estava polarizado, mas um pouco menos bélico do que hoje. As eleições estão marcadas para daqui a três semanas. E Trump parecia se posicionar, até semana passada, contra a continuidade da assistência financeira aos cidadãos comuns. Estranho, não?
Sim, mas faz sentido por dois motivos. O primeiro é que o imenso impacto fiscal decorrente do auxílio é visto como péssimo por alguns senadores republicanos. Se estivessem no Brasil, seriam uma pequena bancada a favor do teto de gastos. O segundo motivo é que Trump poderia tomar, de início, uma decisão unilateral para destinar mais dinheiro às pessoas – mas em seguida Nancy Pelosi, deputada democrata que preside a Câmara, adicionaria a esta lei medidas que Trump rejeitaria. E aí ele teria que vetar o pedaço “democrata” da legislação, complicando um cenário já complexo.
Trump, então, estava optando por ficar quieto e deixar a eleição passar. Se superasse Joe Biden, implementaria o auxílio e tomaria todo o crédito por ele. Se perdesse... bem, aí o problema seria dos democratas.
Mas um discurso do presidente do Banco Central norte-americano, Jay Powell, mudou o cenário. Powell defendeu a aprovação imediata de um grande pacote de auxílio – não só para cidadãos, mas para empresas. Trump sinalizou, pelo Twitter, ser favorável a isso. Autorizou seu ministro da Economia a retomar as negociações com Pelosi.
Muito melhor negociadora do que seus adversários homens, Pelosi defende agora um pacote de US$ 2,2 trilhões, contra 1,8 trilhões que Trump toparia (e talvez conseguisse convencer a “bancada do teto”). Pior ainda: a democrata exige, por enquanto, que o projeto inclua diretrizes claras do governo contra o coronavírus. Se Trump aceitar isso, marcará a derrota formal, legislativa, de sua inação diante da pandemia.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)