Exame.com
Continua após a publicidade

O vale-tudo contra Donald Trump

Em decisão bizarra, a Bloomberg não investigará pré-candidatos do Partido Democrata – apenas os republicanos

MICHAEL BLOOMBERG: toda a cobertura política norte-americana perde credibilidade / REUTERS/Joshua Roberts
MICHAEL BLOOMBERG: toda a cobertura política norte-americana perde credibilidade / REUTERS/Joshua Roberts
S
Sérgio Praça

Publicado em 26 de novembro de 2019 às, 16h57.

Eleições presidenciais norte-americanas sempre são desafiadoras para o jornalismo. Com o republicano Donald Trump buscando se reeleger, então, pior ainda. O presidente é conhecido por ser um notório mentiroso, muito além do que se imagina de políticos. Segundo o Washington Post, Trump mentiu 13.445 vezes em público durante os primeiros 33 meses de seu mandato – média de 13 mentiras por dia.

Não é só por isso que o presidente merece escrutínio da imprensa, mas também porque suas palavras e atos têm efeitos concretos sobre o bem-estar dos norte-americanos e a economia internacional. Mas o óbvio precisa ser dito: os democratas que concorrem contra Trump também precisam ser tratados com senso crítico pelos jornalistas.

Pois não é isso que os jornalistas da Bloomberg – cujo dono, ex-prefeito de Nova York, anunciou pré-candidatura à presidência pelo Partido Democrata em 2020 – pensam. Em uma mensagem interna, o editor-chefe da Bloomberg, John Micklethwait, disse que os pré-candidatos democratas à presidência não serão objeto de jornalismo investigativo – pois Michael Bloomberg não seria, é claro, então os outros não podem ser “prejudicados”.

O argumento é complicadíssimo. Se o dono de um veículo de comunicação se torna político, como cobri-lo? Realmente é difícil ter autorização para investigar um magnata. No entanto, todo jornalista tem o dever de buscar informações críticas sobre qualquer um que pleiteia um cargo público. O repórter da Bloomberg que descobrisse algo desabonador sobre o chefe bilionário provavelmente não veria sua reportagem publicada, mas teria exercido seu ofício. Não será o caso agora.

Pior ainda é o efeito da decisão para outros veículos de comunicação. Qualquer investigação contra um pré-candidato democrata será considerada – aliás, já está sendo – um trunfo pró-Trump, e não o exercício natural do jornalismo. Aí o argumento fica absurdo: já que Trump desrespeita a imprensa, vamos deixar de cobrir seus oponentes para que eles se elejam e restaurem o respeito ao jornalismo. Ou seja, a Bloomberg não fará jornalismo para que políticos menos mentirosos tenham mais sucesso eleitoral do que Trump.

Com esse malabarismo, toda a cobertura política norte-americana perde credibilidade.