O uso político da covid-19 mudou de patamar
Agora com o vírus, Bolsonaro testa pessoalmente, em seu corpo, os conselhos para se proteger da morte
Janaína Ribeiro
Publicado em 7 de julho de 2020 às 20h13.
Há youtubers valentes. Italo Lorenzon e Allan dos Santos, ícones do olavismo, dançaram quatro meses atrás em zombaria à covid-19. “Corona é o c***”, gritou Lorenzon. Poucos dias atrás, o arrojo ganhou comprovação científica. Daniela Campello (FGV EBAPE) e Felipe Nunes (UFMG) divulgaram um estudo que, entre outras coisas, mostrava que, em uma escala em que 5 representa alguém muito preocupado com a pandemia, quem votou em Bolsonaro respondia, em média, 4.1 – contra 4.5 de não-bolsonaristas.
Na mesma linha, um estudo de Carlos Pereira (FGV EBAPE), Amanda Medeiros (FGV EBAPE) e Frederico Bertholini (UnB) mostra que “ter proximidade com alguém que veio a falecer por Covid-19 reduz em torno de 20% as chances do eleitor de direita e centro-direita votar em Bolsonaro”. Para esses pesquisadores, há um forte vínculo identitário que facilita a distorção de informações dissonantes a como o grupo de pertencimento da pessoa enxerga o mundo. Em outras palavras, quanto mais bolsonaristas o sujeito é, mais ele tende a enxergar a pandemia pela perspectiva dos simpatizantes do presidente.
Até a hora do almoço de hoje, essa perspectiva tinha dois pilares. O primeiro, otimista, desdenhava da chance de as pessoas pegarem covid-19 e, caso se infectassem, passaria tranquilamente. O segundo pilar é que o infectado pode se curar com hidroxicloroquina, apesar de não haver trabalho científico que sustente esse argumento. Este ainda vale: o presidente mostrou-se tão susceptível a contrair o vírus quanto qualquer um de nós.
Mas ele não conta mais com a sorte. Na breve entrevista de hoje aos repórteres amontoados na entrada do Palácio do Planalto, disse, com semblante intranquilo, estar tranquilo. Tirou a máscara por uns momentos para que os jornalistas vissem seu rosto.
O futuro da República depende, agora, da imunidade do presidente e da eficácia da hidroxicloroquina.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
Há youtubers valentes. Italo Lorenzon e Allan dos Santos, ícones do olavismo, dançaram quatro meses atrás em zombaria à covid-19. “Corona é o c***”, gritou Lorenzon. Poucos dias atrás, o arrojo ganhou comprovação científica. Daniela Campello (FGV EBAPE) e Felipe Nunes (UFMG) divulgaram um estudo que, entre outras coisas, mostrava que, em uma escala em que 5 representa alguém muito preocupado com a pandemia, quem votou em Bolsonaro respondia, em média, 4.1 – contra 4.5 de não-bolsonaristas.
Na mesma linha, um estudo de Carlos Pereira (FGV EBAPE), Amanda Medeiros (FGV EBAPE) e Frederico Bertholini (UnB) mostra que “ter proximidade com alguém que veio a falecer por Covid-19 reduz em torno de 20% as chances do eleitor de direita e centro-direita votar em Bolsonaro”. Para esses pesquisadores, há um forte vínculo identitário que facilita a distorção de informações dissonantes a como o grupo de pertencimento da pessoa enxerga o mundo. Em outras palavras, quanto mais bolsonaristas o sujeito é, mais ele tende a enxergar a pandemia pela perspectiva dos simpatizantes do presidente.
Até a hora do almoço de hoje, essa perspectiva tinha dois pilares. O primeiro, otimista, desdenhava da chance de as pessoas pegarem covid-19 e, caso se infectassem, passaria tranquilamente. O segundo pilar é que o infectado pode se curar com hidroxicloroquina, apesar de não haver trabalho científico que sustente esse argumento. Este ainda vale: o presidente mostrou-se tão susceptível a contrair o vírus quanto qualquer um de nós.
Mas ele não conta mais com a sorte. Na breve entrevista de hoje aos repórteres amontoados na entrada do Palácio do Planalto, disse, com semblante intranquilo, estar tranquilo. Tirou a máscara por uns momentos para que os jornalistas vissem seu rosto.
O futuro da República depende, agora, da imunidade do presidente e da eficácia da hidroxicloroquina.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)