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O Porta dos Fundos não foi censurado

Nenhum órgão estatal foi usado para proibir a veiculação do especial (sem graça) do grupo humorístico

Especial do Porta dos Fundos: episódio mostra Jesus Cristo como alguém que teve um relacionamento gay (Netflix/Youtube/Reprodução)
Especial do Porta dos Fundos: episódio mostra Jesus Cristo como alguém que teve um relacionamento gay (Netflix/Youtube/Reprodução)
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Sérgio Praça

Publicado em 13 de janeiro de 2020 às, 18h06.

Última atualização em 13 de janeiro de 2020 às, 20h49.

O juiz Benedicto Abicair ganhou notoriedade nos últimos dias ao proibir a exibição de um especial do grupo Porta dos Fundos na Netflix. O programa causou discórdia por retratar Jesus Cristo como homossexual. Um filiado ao PSL jogou uma bomba na produtora do grupo no Rio de Janeiro e fugiu para a Rússia. Foi expulso do partido sumariamente. Por causa disso, houve até quem comparasse os humoristas aos jornalistas do Charlie Hebdo, assassinados por terroristas em 2015. Equiparar uma bomba que não vitimou ninguém a doze homicídios é, para muitos, algo razoável. Não entendo, mas assim está o debate hoje.

Também é descabido afirmar que o grupo humorístico sofreu censura. No dia após a decisão do juiz, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, derrubou-a por óbvia inconstitucionalidade. A produção – que tentou ter graça – não sofreu qualquer tipo de ameaça antes de ser veiculada. Causou confusão depois. E está disponível, na Netflix, para quem quiser tentar rir. Não importa se acho engraçado ou não: sou o único juiz do meu próprio gosto.

Quem fala em censura neste caso do Porta dos Fundos não oferece uma definição simples do termo. “Censura” é a limitação da liberdade de expressão através da proibição prévia de um ato ou fala de ordem política e cultural. Isto é feito por órgãos burocráticos – geralmente obedecendo a agentes políticos.

O juiz limitou a liberdade do grupo humorístico (e seus potenciais fãs) ao proibir a continuidade da exibição do programa especial sobre religião. Mas não o fez antes de sua veiculação pública. Portanto, não houve censura. Um juiz foi antidemocrático e anticonstitucional. O sistema o corrigiu.

Isso é muito diferente do que a jornalista Laura Mattos expõe em seu ótimo “Herói Mutilado: Roque Santeiro e os bastidores da censura à TV na ditadura” (Companhia das Letras, 2019). Mattos mostra como a censura estatal – tanto dos militares quanto dos “democratas” pós-1985 – proibiu o autor Dias Gomes de expressar todo o conteúdo cultural e político que gostaria. Para isso, órgãos de nome orwelliano como a Divisão de Censura de Diversões Públicas eram mobilizados.

Esse tempo passou.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)