O Brasil não tem um partido político pró-golpe, ainda bem!
Ao contrário do 6 de Janeiro de 2021 nos Estados Unidos, o movimento golpista pró-Bolsonaro não tem o apoio de partidos políticos
Da Redação
Publicado em 8 de janeiro de 2023 às 20h58.
Última atualização em 9 de janeiro de 2023 às 16h40.
A semelhança do nosso 8 de Janeiro com o 6 de Janeiro norte-americano é clara. Mas há uma diferença fundamental para o futuro da política brasileira.
Ao contrário do 6 de Janeiro de 2021 nos Estados Unidos, quando o Congresso norte-americano chegou muito perto de testemunhar o assassinato de senadores democratas, o movimento golpista pró-Bolsonaro não tem o apoio de partidos políticos. O Partido Liberal abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro e diversos parlamentares que desejam o fechamento do STF, mas nem de longe é uma organização robusta como o Partido Republicano nos Estados Unidos. Os terroristas norte-americanos foram, em sua maioria, presos e responsabilizados judicialmente pelos atos. Mas continuam com uma base institucional sólida para apoiar a volta de Donald Trump, arquiteto do autogolpe.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sabe que há um eleitorado sedento por tirar o PT do poder daqui a quatro anos. Sua aposta na volta do bolsonarismo nas eleições de 2026 é politicamente correta. Alguém haverá de captar essas pessoas que são, em pequena parte, terroristas e, em imensa medida, antipetistas ferrenhas. O problema de Costa Neto é como manejar o bolsonarismo sem arriscar ser preso por conspiração política ou algo semelhante. Um Costa Neto dócil a Lula e ao Centrão será visto com desconfiança, mas não pode exagerar no tom. Sua reação foi, até agora, decente. Não apoiou os terroristas.
O presidente Lula tem um caminho fácil, nas próximas semanas, para se colocar como garantidor da democracia brasileira junto com o Supremo Tribunal Federal e parte do Congresso Nacional. É como se voltasse o clima da campanha do ano passado, que não exigiu autocrítica sobre a corrupção petista. A rápida decisão sobre a intervenção federal no Distrito Federal mostra que ele está no comando. No entanto, a maior demonstração de força – com alto ganho político – para o presidente será comandar, informalmente, a cassação dos mandatos de parlamentares que apoiam a tentativa de golpe de hoje. O caminho para isso é bem mais difícil. É provável que haja violenta reação de cidadãos bolsonaristas se, por exemplo, um deputado neobolsonarista como Ricardo Barros (Progressistas) for cassado. Duvido que Lula assuma esse risco. Mas deveria.
Outra ação, ainda mais arriscada politicamente, que Lula deveria fazer é pressionar para que os Estados Unidos extraditem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o Brasil. Será a chance de ele responder aos crimes de que é acusado. Talvez Lula possa aproveitar esse momento de boa vontade, nas próximas semanas, para isso. Esses passos serão lidos como revanchismo, é claro. Mas o didatismo de punir atos terroristas não deve ser subestimado.
Se isso não ocorrer, propostas de decreto legislativo como as dos federais Bia Kicis (PL), Filipe Barros (PL), Major Vitor Hugo (PL) e Paulo Ganime (Novo), para anular os efeitos de uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral que visava combater a desinformação sobre urnas eletrônicas continuarão a esgarçar a relação entre instituições. A justificativa de Barros era de que “o TSE simplesmente decidiu legislar sob um pretexto qualquer” e também que “[a resolução] deve ser veementemente coibida pelo Congresso Nacional, sob pena de que os verdadeiros representantes do povo sejam mero instrumento formal de uma ‘democracia’ em que até mesmo o poder legislativo é exercido por um Judiciário aparentemente fora de controle”.
Em nome desse raciocínio, cerca de 5 mil apoiadores do bolsonarismo invadiram hoje, com anuência da Polícia Militar do Distrito Federal, o local de trabalho desses quatro parlamentares. O plenário do STF, associado ao combate ao bolsonarismo, foi destruído. Talvez Alexandre de Moraes se arrependa, agora, de dar força ao sentimento conspiratório de bolsonaristas por ter ido a um churrasco de comemoração à vitória de Lula (PT).
Sérgio Praça é professor da Escola de Ciências Sociais da FGV.
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A semelhança do nosso 8 de Janeiro com o 6 de Janeiro norte-americano é clara. Mas há uma diferença fundamental para o futuro da política brasileira.
Ao contrário do 6 de Janeiro de 2021 nos Estados Unidos, quando o Congresso norte-americano chegou muito perto de testemunhar o assassinato de senadores democratas, o movimento golpista pró-Bolsonaro não tem o apoio de partidos políticos. O Partido Liberal abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro e diversos parlamentares que desejam o fechamento do STF, mas nem de longe é uma organização robusta como o Partido Republicano nos Estados Unidos. Os terroristas norte-americanos foram, em sua maioria, presos e responsabilizados judicialmente pelos atos. Mas continuam com uma base institucional sólida para apoiar a volta de Donald Trump, arquiteto do autogolpe.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sabe que há um eleitorado sedento por tirar o PT do poder daqui a quatro anos. Sua aposta na volta do bolsonarismo nas eleições de 2026 é politicamente correta. Alguém haverá de captar essas pessoas que são, em pequena parte, terroristas e, em imensa medida, antipetistas ferrenhas. O problema de Costa Neto é como manejar o bolsonarismo sem arriscar ser preso por conspiração política ou algo semelhante. Um Costa Neto dócil a Lula e ao Centrão será visto com desconfiança, mas não pode exagerar no tom. Sua reação foi, até agora, decente. Não apoiou os terroristas.
O presidente Lula tem um caminho fácil, nas próximas semanas, para se colocar como garantidor da democracia brasileira junto com o Supremo Tribunal Federal e parte do Congresso Nacional. É como se voltasse o clima da campanha do ano passado, que não exigiu autocrítica sobre a corrupção petista. A rápida decisão sobre a intervenção federal no Distrito Federal mostra que ele está no comando. No entanto, a maior demonstração de força – com alto ganho político – para o presidente será comandar, informalmente, a cassação dos mandatos de parlamentares que apoiam a tentativa de golpe de hoje. O caminho para isso é bem mais difícil. É provável que haja violenta reação de cidadãos bolsonaristas se, por exemplo, um deputado neobolsonarista como Ricardo Barros (Progressistas) for cassado. Duvido que Lula assuma esse risco. Mas deveria.
Outra ação, ainda mais arriscada politicamente, que Lula deveria fazer é pressionar para que os Estados Unidos extraditem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o Brasil. Será a chance de ele responder aos crimes de que é acusado. Talvez Lula possa aproveitar esse momento de boa vontade, nas próximas semanas, para isso. Esses passos serão lidos como revanchismo, é claro. Mas o didatismo de punir atos terroristas não deve ser subestimado.
Se isso não ocorrer, propostas de decreto legislativo como as dos federais Bia Kicis (PL), Filipe Barros (PL), Major Vitor Hugo (PL) e Paulo Ganime (Novo), para anular os efeitos de uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral que visava combater a desinformação sobre urnas eletrônicas continuarão a esgarçar a relação entre instituições. A justificativa de Barros era de que “o TSE simplesmente decidiu legislar sob um pretexto qualquer” e também que “[a resolução] deve ser veementemente coibida pelo Congresso Nacional, sob pena de que os verdadeiros representantes do povo sejam mero instrumento formal de uma ‘democracia’ em que até mesmo o poder legislativo é exercido por um Judiciário aparentemente fora de controle”.
Em nome desse raciocínio, cerca de 5 mil apoiadores do bolsonarismo invadiram hoje, com anuência da Polícia Militar do Distrito Federal, o local de trabalho desses quatro parlamentares. O plenário do STF, associado ao combate ao bolsonarismo, foi destruído. Talvez Alexandre de Moraes se arrependa, agora, de dar força ao sentimento conspiratório de bolsonaristas por ter ido a um churrasco de comemoração à vitória de Lula (PT).
Sérgio Praça é professor da Escola de Ciências Sociais da FGV.