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O Brasil é mais corrupto do que a China?

Ranking não aponta para corrupção em outros países nem evolução das investigações no Brasil

O RATO DA CORRUPÇÃO: ranking aponta país como muito corrupto / Pilar Olivares/ Reuters
O RATO DA CORRUPÇÃO: ranking aponta país como muito corrupto / Pilar Olivares/ Reuters
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Sérgio Praça

Publicado em 26 de fevereiro de 2018 às, 09h35.

O Brasil é mais corrupto do que outros países? Caso seja, a diferença é pequena ou grande? Quais reformas institucionais outros países fizeram, recentemente, que poderiam ser adaptadas para que nosso sistema político dê menos espaço para a corrupção? São questões fundamentais para pensar em como tirar o Brasil do equilíbrio “muita corrupção-muita punição” em que se encontra desde 2015. (“Muita punição”, ‘e claro, excetuando quem conta com foro privilegiado.) Nesse contexto, é particularmente interessante o índice de percepção de corrupção (IPC) divulgado pela ONG Transparência International. 180 países são analisados com base em 13 bancos de dados feitos por instituições como a Economist Intelligence Unit, Freedom House, Banco Mundial, Fórum Econômico Mundial e o projeto pioneiro Varieties of Democracy. Esses dados são construídos através de entrevistas com especialistas de cada país (cientistas políticos, economistas, jornalistas, entre outros) e com representantes do setor privado. O ranking é de 0 a 100. Quanto mais próximo de 100, menos corrupto é o país.

O Brasil tem nota 37. Em 2016, era 40. Em 2014, 43. Desde a Lava Jato, portanto, o país tem sido visto como mais corrupto. Isso mostra uma das principais falhas do ranking: a incapacidade de olhar para a corrupção como um fenômeno sistêmico e relacionado ao funcionamento do Judiciário e de órgãos de controle. Nosso país não se tornou mais corrupto de 2014 para cá. Ao contrário: a punição a políticos e empresários envolvidos em corrupção aumentou substancialmente. Políticos com foro privilegiado continuam soltos? Sim, mas estão morrendo de medo de perderem o foro após as eleições, pois sabem que o Judiciário de primeira instância tem sido duro nos últimos anos. E os órgãos de controle como Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União, Polícia Federal e Ministério Público Federal permaneceram tão independentes em 2017 quanto eram em 2014.

A Indonésia está empatada com o Brasil no ranking da Transparência Internacional. É também um sistema politico presidencialista, com intensa competição partidária, e uma espécie de capitalismo sujeito à intervenção estatal, burocracia em excesso e trapaças. Lá o combate à corrupção é feito através de uma Comissão para Erradicar a Corrupção (Komisi Pemberantasan Korupsi – KPK). Trabalham nessa comissão policiais e membros do Ministério Público designados especialmente para ela. Ou seja, a descrença nas instituições “normais” é tão grande que a KPK foi criada para que se pudesse investigar atos corruptos de políticos influentes. No início dos anos 2000, a comissão mostrou-se eficaz, mas analistas acreditam que a KPK poderá ser facilmente controlada por políticos que queiram enterrar investigações (ver, por exemplo, o texto “Anti-corruption reform in Indonesia: an obituary?”, publicado por Simon Butt no Bulletin of Indonesian Economic Studies em 2011). Em contraste, o movimento do PMDB para controlar a Polícia Federal através de seu novo diretor-geral, Fernando Segovia, parece ter dado com os burros n’água.

O mais estranho do ranking é que a China tenha nota 41 e o Brasil nota 37. Como é possível que uma ditadura de partido único, sem Judiciário independente, resulte em um país mais honesto do que o nosso? Uma resposta possível é que as facções internas aos Partido Comunista Chinês façam as vezes de partidos políticos. Ou seja: em vez de competição entre elites políticas no plano eleitoral, a China tem esse tipo de competição dentro do partido. Ditadura nas eleições, democracia no partido. O combate à corrupção entraria em ação para que a facção 1 impedisse a ascensão da facção 2. As operações se intensificariam em tempos de competição intensa e seriam esquecidas quando a facção 1 quisesse cooptar membros da facção 2. É o argumento de Jiangnan Zhu e Dong Zhang no artigo “Weapons of the Powerful: Authoritarian Elite Competition and Politicized Anticorruption in China”, publicado no ano passado pela Comparative Political Studies. Após a investigação, motivada politicamente, o próprio partido decide o que fazer com os envolvidos. Sob o aspecto especifico de independência judicial e funcionamento dos órgãos de combate à corrupção, não há como afirmar que a China tem menos corrupção do que o Brasil.