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O bom-mocismo enlameado da Vale do Rio Doce

Investimento em responsabilidade social parece risível agora que está claro que a Vale não consegue evitar tragédias que afetam vidas

Tragédia em Brumadinho: rompimento de barreira afunda a cidade em lama (Washington Alves/Reuters)
Tragédia em Brumadinho: rompimento de barreira afunda a cidade em lama (Washington Alves/Reuters)
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Sérgio Praça

Publicado em 25 de janeiro de 2019 às, 19h53.

Última atualização em 25 de janeiro de 2019 às, 21h17.

Uma pesquisa rápida na Internet mostra que a Companhia Vale do Rio Doce é muito bem-intencionada. A empresa criou, em 1968, uma fundação para desenvolver projetos habitacionais para seus empregados. A missão atual da fundação é “contribuir para o desenvolvimento integrado – econômico, ambiental e social – dos territórios onde a Vale opera, fortalecendo o capital humano nas comunidades e respeitando as identidades culturais locais”. Uma pré-condição para fortalecer o capital humano que trabalha na empresa é mantê-lo vivo. Infelizmente, este pode não ser o caso de cerca de 200 pessoas que trabalham para a Vale do Rio Doce em Brumadinho, Minas Gerais.

Fundações como esta são o pilar de uma estratégia de “responsabilidade social” mobilizada por grandes empresas desde os anos noventa do século passado. Olhem só, a Fundação Vale promove projetos de atenção básica de saúde, prevenção de doenças, e até ensina a construir cisternas para captar água de chuva no Maranhão. São iniciativas com mérito. Mas parecem risíveis agora que está claro que a empresa não consegue evitar tragédias que afetam as vidas de seus funcionários, o bem-estar mínimo de quem mora perto dos grandes empreendimentos da Vale e o bolso de seus acionistas.

Investir em responsabilidade social é muito bom para companhias do porte da Vale. O custo financeiro é baixo e o retorno reputacional é garantido. Junto com o Itaú e outras empresas, a Vale apoia a ONG Todos Pela Educação, uma organização séria e poderosa. Quem entra no site da Fundação Vale e vê essa informação sabe que a companhia está lutando por uma causa nobre – mas ignora que faz isto sem colocar nada em jogo, além de um pouco de dinheiro. A companhia apenas se beneficia de boa reputação.

De acordo com os economistas Timothy Besley e Maitreesh Ghatak, se governos fossem perfeitos não haveria motivo para empresas serem socialmente responsáveis. (O texto “…” foi publicado em 2007 pelo Journal of Public Economics.) Se a educação brasileira fosse maravilhosa, apoiar uma ONG chamada “Todos Pela Educação” seria claramente apoiar um tipo de educação diferente do provisionado pelo Estado. Claro que isso seria legítimo, mas o ganho reputacional para a empresa seria nulo. Afinal, a Fundação Vale só tem projetos sociais porque o governo não dá conta, certo?

Aguardo ansioso a posição do Instituto Criar, de Luciano Huck, da ONG Todos Pela Educação e do Instituto Ethos – todos parceiros da Vale do Rio Doce – sobre a tragédia de hoje. Para a responsabilidade social deixar de ser tão banal, é necessário que empresas sofram, também, ônus reputacional quando fracassam socialmente.