O bom-mocismo enlameado da Vale do Rio Doce
Investimento em responsabilidade social parece risível agora que está claro que a Vale não consegue evitar tragédias que afetam vidas
Publicado em 25 de janeiro de 2019 às, 19h53.
Última atualização em 25 de janeiro de 2019 às, 21h17.
Uma pesquisa rápida na Internet mostra que a Companhia Vale do Rio Doce é muito bem-intencionada. A empresa criou, em 1968, uma fundação para desenvolver projetos habitacionais para seus empregados. A missão atual da fundação é “contribuir para o desenvolvimento integrado – econômico, ambiental e social – dos territórios onde a Vale opera, fortalecendo o capital humano nas comunidades e respeitando as identidades culturais locais”. Uma pré-condição para fortalecer o capital humano que trabalha na empresa é mantê-lo vivo. Infelizmente, este pode não ser o caso de cerca de 200 pessoas que trabalham para a Vale do Rio Doce em Brumadinho, Minas Gerais.
Fundações como esta são o pilar de uma estratégia de “responsabilidade social” mobilizada por grandes empresas desde os anos noventa do século passado. Olhem só, a Fundação Vale promove projetos de atenção básica de saúde, prevenção de doenças, e até ensina a construir cisternas para captar água de chuva no Maranhão. São iniciativas com mérito. Mas parecem risíveis agora que está claro que a empresa não consegue evitar tragédias que afetam as vidas de seus funcionários, o bem-estar mínimo de quem mora perto dos grandes empreendimentos da Vale e o bolso de seus acionistas.
Investir em responsabilidade social é muito bom para companhias do porte da Vale. O custo financeiro é baixo e o retorno reputacional é garantido. Junto com o Itaú e outras empresas, a Vale apoia a ONG Todos Pela Educação, uma organização séria e poderosa. Quem entra no site da Fundação Vale e vê essa informação sabe que a companhia está lutando por uma causa nobre – mas ignora que faz isto sem colocar nada em jogo, além de um pouco de dinheiro. A companhia apenas se beneficia de boa reputação.
De acordo com os economistas Timothy Besley e Maitreesh Ghatak, se governos fossem perfeitos não haveria motivo para empresas serem socialmente responsáveis. (O texto “…” foi publicado em 2007 pelo Journal of Public Economics.) Se a educação brasileira fosse maravilhosa, apoiar uma ONG chamada “Todos Pela Educação” seria claramente apoiar um tipo de educação diferente do provisionado pelo Estado. Claro que isso seria legítimo, mas o ganho reputacional para a empresa seria nulo. Afinal, a Fundação Vale só tem projetos sociais porque o governo não dá conta, certo?
Aguardo ansioso a posição do Instituto Criar, de Luciano Huck, da ONG Todos Pela Educação e do Instituto Ethos – todos parceiros da Vale do Rio Doce – sobre a tragédia de hoje. Para a responsabilidade social deixar de ser tão banal, é necessário que empresas sofram, também, ônus reputacional quando fracassam socialmente.