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Não culpe o comunismo pelo golpe de 1964

Foi o sistema político paralisado que levou à deposição de João Goulart, um bon vivant de modo algum interessado em matar inimigos

PALÁCIO DO PLANALTO: alguém do governo resolveu enviar em uma lista de WhatsApp de jornalistas um vídeo de apologia ao golpe militar / Paulo Whitaker/ Reuters (Paulo Whitaker/Reuters)
PALÁCIO DO PLANALTO: alguém do governo resolveu enviar em uma lista de WhatsApp de jornalistas um vídeo de apologia ao golpe militar / Paulo Whitaker/ Reuters (Paulo Whitaker/Reuters)
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Sérgio Praça

Publicado em 31 de março de 2019 às, 19h54.

Última atualização em 1 de abril de 2019 às, 07h53.

Antes que o domingo terminasse bem, alguém no Palácio do Planalto resolveu enviar em uma lista de WhatsApp de jornalistas um vídeo de apologia ao golpe militar. No vídeo um homem fala: “Era sim um tempo de medo e ameaças, ameaças daquilo que os comunistas faziam onde era imposto sem exceção. Prendiam e matavam seus próprios compatriotas. Havia sim muito medo no ar. Foi aí que, conclamado por jornais, rádios, TVs e principalmente o povo na rua, o Brasil lembrou que possuía um Exército Nacional e apelou a ele. Foi só aí que a escuridão foi passando, passando, e fez-se a luz”.

Fantasmas comunistas também foram citados pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) em recente visita ao presidente norte-americano Donald Trump. Não se pode esperar rigor histórico de políticos, mas dizer que o comunismo é ou foi responsável por qualquer grande acontecimento político no Brasil é bastante incorreto. João Goulart (PTB) não era comunista. Era um bon vivant, ligadíssimo a Getúlio Vargas, de modo algum interessado em matar inimigos e dar golpe. Alguns políticos próximos a ele, especialmente Leonel Brizola, queriam fazer uma revolução. Eram minoritários e foram rechaçados pelo presidente. O comunismo serviu apenas como justificativa para o “contragolpe” liderado por Castello Branco e alguns colegas.

Se o comunismo não causou o colapso do regime democrático de 1946-1964, o que houve, então? O problema é que tínhamos três partidos políticos (PTB, PSD e UDN) com a mistura do pior que há de possível na política: líderes estridentes (Jango no PTB e Carlos Lacerda na UDN), radicalismo programático e deputados dominando a produção legislativa com leis clientelistas, como mostra Fabiano Santos em “Microfundamentos do clienteslismo político no Brasil: 1959-1963” (Revista Dados, 1995). Assim o presidente não legislava, quem não era da coalizão minoritária não negociava o conteúdo das políticas públicas e os parlamentares prescindiam do acesso a recursos estatais para garantirem seu futuro político. O clima se acirrou e os mesmos golpistas de 1961 aproveitaram a brecha.

Mas essa história é complexa demais, talvez, para nossos tempos.