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Mitt, Mitch e as maiorias partidárias

O Partido Republicano está jogando fora os acordos informais que mantiveram a paz entre senadores e presidentes de diferentes partidos

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Sérgio Praça

Publicado em 24 de setembro de 2020 às, 21h18.

Última atualização em 24 de setembro de 2020 às, 21h31.

Sete meses atrás, quando o presidente Donald Trump (Partido Republicano) estava prestes a ser inocentado de impeachment pelo Senado norte-americano, o senador republicano Mitt Romney tomou uma decisão corajosa. Ao contrário de seus 52 colegas de partido no Senado, votou pela condenação de Trump. Afirmou que o comportamento do presidente se assemelhava ao de um ditador. Para Romney, pedir a um presidente de outro país (a Ucrânia, no caso) para que interferisse no processo eleitoral norte-americano seria uma violação “cristalina” do espírito da Constituição de 1787.

Agora, logo após o falecimento da juíza Ruth Bader Ginsburg, Romney interpreta o espírito constitucional de maneira diferente. Anunciou que topa votar pela nomeação (“dependendo da qualificação [técnica]”) da substituta de Ginsburg. Com isso, ajudará a estratégia republicana de seguir regras informais quando convém ao partido, e ignorá-las quando não convêm. Foi o que fizeram em 2016, quando decidiram que a indicação de Barack Obama para substituir um juiz do Supremo nove meses antes do fim de seu segundo mandato não tramitaria no Senado, muito menos seria levado a voto.

Até então, a norma era que o Senado deferisse à nomeação presidencial mesmo que a maioria dos senadores fosse do partido de oposição.

Honrar acordos informais com o Partido Democrata é uma maneira, de acordo com Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, de assegurar a estabilidade da democracia. Nem tudo na política pode nem deve ser consagrado em normas formais. Em um sistema bipartidário como o norte-americano, com maiorias claramente definidas tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, assegurar certas prerrogativas ao oponente através de acordos informais é uma maneira de evitar paralisia decisória.

Se até o moderado Mitt Romney quer levar vantagem, o senador Mitch McConell, líder da maioria republicana, age como o Eduardo Cunha (MDB) a serviço de Trump. McConell e Lindsey Graham, presidente da Comissão do Judiciário no Senado, serão responsáveis pela tramitação da indicação do presidente à Suprema Corte. São necessários 51 votos. Está por um fio, pois são 53 os senadores republicanos e duas - Susan Collins e Lisa Murkowski – já avisaram que não respeitarão a vontade de Trump.

A indignação no Partido Democrata é visível. Vários parlamentares afirmam que esta será a segunda vaga ao Supremo “roubada” pelos republicanos. Há movimentação, ainda pequena, para que o partido aumente, no ano que vem, as vagas na Corte caso Biden vença. (A Constituição não define um número.)

Uma coisa é certa: a polarização está indo além da ideologia e se voltando para o uso das regras informais e, pior ainda, a adesão às formais.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)