Lula vs. Moro, Craxi vs. Di Pietro
Mais de vinte anos atrás, o político olhou para o juiz e disse: “Eu estava ciente da natureza irregular do financiamento dos partidos políticos e do meu partido. Comecei a entender isso quando ainda usava calças curtas”. Tirou do bolso um bilhete no qual um comparsa havia anotado somas destinadas ilegalmente a um partido político. […]
Da Redação
Publicado em 10 de maio de 2017 às 09h46.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h21.
Mais de vinte anos atrás, o político olhou para o juiz e disse: “Eu estava ciente da natureza irregular do financiamento dos partidos políticos e do meu partido. Comecei a entender isso quando ainda usava calças curtas”. Tirou do bolso um bilhete no qual um comparsa havia anotado somas destinadas ilegalmente a um partido político. A confissão do político ocorreu depois de três reuniões secretas, tensas, em que ambos procuravam se salvar. O juiz queria continuar agradando a opinião pública e o político buscava alguma maneira de sobreviver politicamente.
O juiz era Antonio Di Pietro, um dos principais responsáveis pela Operação Mãos Limpas na Itália, e o político era Bettino Craxi, ex-primeiro-ministro (1983 a 1987) e líder do Partido Socialista Italiano. O depoimento ocorreu em dezembro de 1993. Em maio daquele ano, o parlamento italiano havia votado para autorizar investigações contra o político. (Na Itália, é o parlamento que faz isso, e não o Judiciário.)
Em seu depoimento, Craxi partiu para o confronto. Não negou comportamento criminoso, mas confrontou Di Pietro diretamente sobre por que (do seu ponto de vista, é claro) o Partido Comunista estava sendo poupado pelos juízes e investigadores. Di Pietro assegurou a jornalistas, tempos depois, que sua intenção foi deixar Craxi morrer pela boca, mas o fato é que foi criticado pelos colegas por deixar o político falar demais.
Hoje o político Luís Inácio Lula da Silva (PT) e o juiz Sérgio Moro repetirão, de certo modo, esse embate entre italianos. As comparações entre a Lava Jato e a Mãos Limpas costumam ser descabidas. Os sistemas políticos são muito diferentes, bem como a atuação do Judiciário e do Ministério Público. Na Itália, juízes e procuradores são a mesma coisa. No Brasil, pertencem a instituições bastante diferentes. Embora a Mãos Limpas tenha tido relativo sucesso em investigar partidos corruptos, seus efeitos foram mais sentidos nas urnas do que nas prisões. A Lava Jato está sendo muito mais bem-sucedida. Mas é inegável que o embate Lula-Moro tem semelhanças com o de Craxi-Di Pietro.
De acordo com um estudo de Eric Chang, Miriam Golden e Seth Hill, Craxi não tinha motivos para suspeitar de motivações partidárias dos juízes da operação italiana. Essa preferência ideológica era coisa da geração anterior. Os dados mostram que, mantidos constantes outros fatores, deputados corruptos pertencentes ao Partido Democrata Cristão tinham 6% de chance de serem indicados, enquanto os socialistas tinham 37% e os comunistas 51%. Judiciário enviesado de fato! Mas os números são relativos ao período 1948-1994 – ou seja, só nos últimos dois anos a Mãos Limpas é considerada. (O artigo “Legislative malfeasance and political accountability” foi publicado pela revista World Politics em 2010.)
Assim como Craxi, Lula não pode dizer que seu partido é perseguido politicamente, muito menos ele como indivíduo. Sua carreira política, iniciada nos anos oitenta, sempre se deu com absoluta liberdade. Desde os tempos de sindicalista, nos anos setenta, teve amplo apoio da imprensa. O partido que ajudou a fundar em 1980 contava (até recentemente, suponho) com a simpatia ou torcida explícita de muitos jornalistas políticos. Claro que o mesmo valia para políticos como Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Ulysses Guimaraes (PMDB), mas o ambiente era favorável para o PT. Isso perdurou durante sua eleição em 2002 e só começou a diminuir com o escândalo do mensalão em 2005.
Ao elencar Sérgio Moro, os membros do Ministério Público Federal em Curitiba e a imprensa como vilões, Lula mostra pouca noção do real ambiente político no Brasil. A imprensa é livre e os poderes públicos que investigam e punem são independentes – tanto formalmente, como o Judiciário e Ministério Público Federal, quanto informalmente, como a Polícia Federal. Talvez o petista queira proteção ou compreensão com relação aos crimes que, está cada vez mais claro, provavelmente cometeu. Mas, do mesmo modo que os italianos não mostraram complacência com Bettino Craxi, Lula é rejeitado pela maioria da população. É um dado surpreendente, considerando que saiu da presidência em 2010 com mais de 80% de apoio. Craxi exilou-se na Tunísia. Hoje deverá ficar mais claro o destino de Lula.
Mais de vinte anos atrás, o político olhou para o juiz e disse: “Eu estava ciente da natureza irregular do financiamento dos partidos políticos e do meu partido. Comecei a entender isso quando ainda usava calças curtas”. Tirou do bolso um bilhete no qual um comparsa havia anotado somas destinadas ilegalmente a um partido político. A confissão do político ocorreu depois de três reuniões secretas, tensas, em que ambos procuravam se salvar. O juiz queria continuar agradando a opinião pública e o político buscava alguma maneira de sobreviver politicamente.
O juiz era Antonio Di Pietro, um dos principais responsáveis pela Operação Mãos Limpas na Itália, e o político era Bettino Craxi, ex-primeiro-ministro (1983 a 1987) e líder do Partido Socialista Italiano. O depoimento ocorreu em dezembro de 1993. Em maio daquele ano, o parlamento italiano havia votado para autorizar investigações contra o político. (Na Itália, é o parlamento que faz isso, e não o Judiciário.)
Em seu depoimento, Craxi partiu para o confronto. Não negou comportamento criminoso, mas confrontou Di Pietro diretamente sobre por que (do seu ponto de vista, é claro) o Partido Comunista estava sendo poupado pelos juízes e investigadores. Di Pietro assegurou a jornalistas, tempos depois, que sua intenção foi deixar Craxi morrer pela boca, mas o fato é que foi criticado pelos colegas por deixar o político falar demais.
Hoje o político Luís Inácio Lula da Silva (PT) e o juiz Sérgio Moro repetirão, de certo modo, esse embate entre italianos. As comparações entre a Lava Jato e a Mãos Limpas costumam ser descabidas. Os sistemas políticos são muito diferentes, bem como a atuação do Judiciário e do Ministério Público. Na Itália, juízes e procuradores são a mesma coisa. No Brasil, pertencem a instituições bastante diferentes. Embora a Mãos Limpas tenha tido relativo sucesso em investigar partidos corruptos, seus efeitos foram mais sentidos nas urnas do que nas prisões. A Lava Jato está sendo muito mais bem-sucedida. Mas é inegável que o embate Lula-Moro tem semelhanças com o de Craxi-Di Pietro.
De acordo com um estudo de Eric Chang, Miriam Golden e Seth Hill, Craxi não tinha motivos para suspeitar de motivações partidárias dos juízes da operação italiana. Essa preferência ideológica era coisa da geração anterior. Os dados mostram que, mantidos constantes outros fatores, deputados corruptos pertencentes ao Partido Democrata Cristão tinham 6% de chance de serem indicados, enquanto os socialistas tinham 37% e os comunistas 51%. Judiciário enviesado de fato! Mas os números são relativos ao período 1948-1994 – ou seja, só nos últimos dois anos a Mãos Limpas é considerada. (O artigo “Legislative malfeasance and political accountability” foi publicado pela revista World Politics em 2010.)
Assim como Craxi, Lula não pode dizer que seu partido é perseguido politicamente, muito menos ele como indivíduo. Sua carreira política, iniciada nos anos oitenta, sempre se deu com absoluta liberdade. Desde os tempos de sindicalista, nos anos setenta, teve amplo apoio da imprensa. O partido que ajudou a fundar em 1980 contava (até recentemente, suponho) com a simpatia ou torcida explícita de muitos jornalistas políticos. Claro que o mesmo valia para políticos como Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Ulysses Guimaraes (PMDB), mas o ambiente era favorável para o PT. Isso perdurou durante sua eleição em 2002 e só começou a diminuir com o escândalo do mensalão em 2005.
Ao elencar Sérgio Moro, os membros do Ministério Público Federal em Curitiba e a imprensa como vilões, Lula mostra pouca noção do real ambiente político no Brasil. A imprensa é livre e os poderes públicos que investigam e punem são independentes – tanto formalmente, como o Judiciário e Ministério Público Federal, quanto informalmente, como a Polícia Federal. Talvez o petista queira proteção ou compreensão com relação aos crimes que, está cada vez mais claro, provavelmente cometeu. Mas, do mesmo modo que os italianos não mostraram complacência com Bettino Craxi, Lula é rejeitado pela maioria da população. É um dado surpreendente, considerando que saiu da presidência em 2010 com mais de 80% de apoio. Craxi exilou-se na Tunísia. Hoje deverá ficar mais claro o destino de Lula.