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Lula colhe o que Bolsonaro planta

A possibilidade de violência está mais presente do que antes e pode tornar eleições mais tensas do que parecem ser

CARAVANA LULA: tiros durante caravana mostram situação violenta na política brasileira / Ricardo Stuckert/ Instituto Lula/Fotos Públicas
CARAVANA LULA: tiros durante caravana mostram situação violenta na política brasileira / Ricardo Stuckert/ Instituto Lula/Fotos Públicas
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Sérgio Praça

Publicado em 28 de março de 2018 às, 14h56.

Última atualização em 28 de março de 2018 às, 15h50.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é candidato à presidência. Por ter sido condenado em segunda instância, a Lei da Ficha Limpa impede sua candidatura. O Supremo Tribunal Federal pode livrá-lo, mas aí o casuísmo seria tanto que retiraria o que resta de credibilidade aos onze juízes. Causa, então, estranhamento sua viagem pelo sul do Brasil. O que ele tem a dizer? Que Sergio Moro e os Estados Unidos estão perseguindo-o porque querem controlar o petróleo brasileiro? Lula perdeu quase toda sua credibilidade para o eleitorado que permitiu sua vitória em 2002. Tem cerca de 35% das intenções de voto nas pesquisas recentes, mas creio que perderia no segundo turno para alguém como Geraldo Alckmin (PSDB) ou Joaquim Barbosa (ainda sem partido, possivelmente não se candidatará).

Dito isso, é óbvio que Lula tem o direito de falar o que quiser sem sofrer violência. Os tiros que perfuraram ônibus de sua caravana ontem mostram tanto sobre o Brasil atual quanto o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) no Rio de Janeiro há duas semanas. O ódio e desrespeito a Lula são claros. Moro no Brooklin, na zona sul de São Paulo, e costumo escrever em um café perto de casa. Meu vizinho de mesa comenta, por áudio de whatsapp, que achou ruim o personagem do ex-presidente na série “O Mecanismo” ter dez dedos. Seu voto terá o mesmo peso de qualquer outro cidadão. É do jogo. Por que, então, chegamos ao ponto de Lula sofrer um atentado?

Vejo, sim, algum mérito no argumento de que o PT colhe o que plantou. A retórica de Lula não é pacífica. Dizer que a polícia deve aplicar “corretivos” a manifestantes é incitar a violência. Suas dezenas de frases sobre a necessidade de “regulamentar a mídia” também são, de forma mais sutil, exclamações violentas. Em janeiro deste ano, o Movimento dos Sem Terra invadiu a sede da Rede Globo no Rio de Janeiro. Não bateram em ninguém. Apenas mancharam as paredes. Fuçando o site de mostra fotográfica do Instituto Moreira Salles, vi uma foto de agosto de 1954, tirada logo após o suicídio de Getúlio Vargas, em que cidadãos depredaram dois veículos do jornal “O Globo”. (O site da mostra “Conflitos: fotografia e violência política no Brasil, 1889-1964”) Violência política não é novidade, e Lula não ajuda com seus discursos.

Mas o principal motivo dessa escalada é a autorização do candidato Jair Bolsonaro para que seus eleitores e simpatizantes vocalizem seus piores preconceitos. O que faria meu vizinho de café se dois petistas de camiseta vermelha entrassem aqui para ler? Bateria boca? Gritaria? Empurraria? Talvez nada disso, mas é razoável pensar que a possibilidade de violência está mais presente do que antes. Quando Geraldo Alckmin (PSDB) hesita sobre lamentar o atentado ao ex-presidente, mostra que busca preencher esse espaço tomado por Bolsonaro. Se tivermos dois candidatos de direita (ou centro-direita) como apologistas da violência – e também um Lula passeando pelo país sem nada a dizer –, as eleições desse ano serão bem mais tensas do que precisariam ser.