Gilmar Mendes, o líder do governo no STF
Estamos acostumados, no Brasil, a pensar em relações entre Executivo-Legislativo. O “presidencialismo de coalizão” implicaria uma fusão informal entre esses dois poderes, unidos por partidos políticos que controlam a presidência e/ou numerosas cadeiras parlamentares. Mas há um fenômeno recente ilustrado pelo (ainda) senador Aécio Neves (PSDB), o (ainda) presidente Michel Temer (PMDB) e Gilmar Mendes, […]
Publicado em 13 de junho de 2017 às, 12h42.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h00.
Estamos acostumados, no Brasil, a pensar em relações entre Executivo-Legislativo. O “presidencialismo de coalizão” implicaria uma fusão informal entre esses dois poderes, unidos por partidos políticos que controlam a presidência e/ou numerosas cadeiras parlamentares. Mas há um fenômeno recente ilustrado pelo (ainda) senador Aécio Neves (PSDB), o (ainda) presidente Michel Temer (PMDB) e Gilmar Mendes, um dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal: a centralidade de relações Legislativo-Judiciário.
A clássica divisão entre três poderes no sistema presidencialista foi pensada, em sua versão moderna, por três norte-americanos: John Jay, James Madison e Alexander Hamilton. São os autores dos famosos “artigos federalistas” publicados no fim do século 18 com o intuito de convencer os estados (ainda não unidos) a ratificar a Constituição que havia acabado de ser aprovada em uma convenção na Pensilvânia. Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo, escreveram. Os constituintes estruturam a divisão entre poderes, portanto, para garantir que um controlaria o outro. Um presidente com algum poder legislativo – o de veto, por exemplo – serviria para impedir que parlamentares aprovassem projetos excessivamente paroquiais e danosos, em conjunto, para o país. O Legislativo, por sua vez, desincentivaria um presidente populista por ter o poder, não facilmente acionado, de interromper o mandato presidencial através de impeachment. E o poder Judiciário, enfim, garantiria direitos de minorias tolhidos por uma hipotética maioria dominante nos outros dois poderes.
Os artigos federalistas não previram, é claro, a existência de atores políticos como Aécio, Mendes e Temer. Ao aliarem-se para avançar interesses legislativos contra a Operação Lava-Jato, mostram que o establishment político tem tentáculos semelhantes ao de um polvo, sem a inteligência do bicho.
A rigor, o Judiciário brasileiro é autônomo do jogo político-partidário. Juízes de primeira instancia não necessitam de apoio político, nem eleitoral, para ocuparem nem manterem seus cargos. Sergio Moro nem mesmo poderia ser transferido de Curitiba para São Paulo, ou da Lava-Jato para um caso de disputa por terra. Tem total autonomia para trabalhar. Esse estado de coisas não é óbvio. Conforme Mark Ramseyer e Eric Rasmusen mostram em um texto publicado pela American Political Science Review, juízes de primeira instância no Japão dependeram, por muito tempo, de políticos para serem promovidos. Isso resultou, é claro, em decisões submissas dos juízes que queriam avançar na carreira. (O artigo é Why are japanese judges so conservative in politically charged cases? e está no volume 95, n. 2, 2001.)
O Brasil, felizmente, tem todos os elementos para evitar esse tipo de interferência. Nossas decisões legislativas são transparentes e sujeitas a muita pressão social. Temos uma tríade de órgãos de investigação e punição – Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal – com autonomia suficiente para enjaular políticos poderosos como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). Não é à toa, portanto, que Aécio tenha que ligar para Gilmar Mendes e pedir para que ele ajude a convencer senadores da importância de um projeto que tolheria “abusos” de juízes e procuradores.
E Michel Temer tenha que contar com o voto vergonhoso e decisivo de Mendes no julgamento da cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral. São suspiros desesperados – e infelizmente eficazes, no último caso – de políticos cuja reeleição em 2018 tornou-se bastante incerta. Tornar Gilmar Mendes um informal líder do governo no STF escancara os acordos espúrios. Melhor sabê-los do que fingir que o “presidencialismo de coalizão” controla nossos não-anjos.