Estabilidade e o debate deslocado da Reforma Administrativa
Funcionários públicos não devem ver políticos somente como potenciais inimigos – e vice-versa
Janaína Ribeiro
Publicado em 17 de setembro de 2020 às 22h06.
Última atualização em 17 de setembro de 2020 às 22h14.
O debate sobre estabilidade no serviço público federal está de volta à moda. Se aprovada, a proposta de reforma administrativa enviada por Jair Bolsonaro (sem partido) ao Congresso Nacional mudará profundamente os ministérios e agências burocráticas. Segundo o economista Bruno Carazza , em análise completa e didática sobre a reforma, “a estabilidade ficará restrita aos ocupantes de cargos típicos de Estado e será adquirida após os dois anos de experiência e mais um ano de estágio probatório. Para os demais servidores, não haverá mais a garantia de emprego”.
E quais serão esses “cargos típicos de Estado”? Depende de outra proposta legislativa, que não exige mudança na Constituição. Imagina-se a briga entre burocratas para que suas carreiras sejam definidas como as mais importantes para o país. Atualmente são todas - do advogado da Advocacia-Geral da União ao recepcionista do Ministério do Meio Ambiente e à professora em uma universidade federal.
Quando deixei de ser professor da Universidade Federal do ABC em 2015, minha mãe ficou chocada. Como deixar um emprego que, na prática, era vitalício? Ter estabilidade é ótimo para o funcionário por motivos óbvios: seu eventual (ou corriqueiro) baixo desempenho não implicará demissão. Esse é um dos principais motivos para pessoas bem qualificadas prestarem concurso público.
Vários analistas têm argumentado que a estabilidade protege funcionários de perseguição política pelos governantes do dia. É verdade. Há um funcionário do Banco Central, por exemplo, que diariamente critica o governo Bolsonaro em redes sociais e semanalmente na imprensa. Já escreveu até – sem evidência alguma, claro – que corre risco de ser morto durante o mandato do presidente. (Ainda não falou que corre risco de ser demitido, pois este é nulo.)
É uma pena que na discussão da reforma apenas a dimensão de conflito entre burocratas e políticos tenha aparecido com força. Nessa visão, servidores estáveis fariam mal ao Estado por ganharem ótimos salários e não terem incentivos para melhorar seu desempenho ao longo do tempo. E políticos fariam mal aos burocratas porque, não fosse a estabilidade, perderiam seus empregos se não concordassem com os ministros e o presidente.
Mas há outra dimensão – de cooperação – que poderia guiar o debate da reforma administrativa. Aos políticos interessaria ter bom relacionamento com burocratas qualificados para que suas políticas públicas preferidas fossem bem implementadas. E funcionários federais garantiriam, ao cooperar com o presidente em termos substantivos, prestígio e orçamento para suas agências burocráticas.
É esta segunda dimensão que coloca o cidadão – afetado por resultados da implementação de políticas públicas – no centro da reforma.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
O debate sobre estabilidade no serviço público federal está de volta à moda. Se aprovada, a proposta de reforma administrativa enviada por Jair Bolsonaro (sem partido) ao Congresso Nacional mudará profundamente os ministérios e agências burocráticas. Segundo o economista Bruno Carazza , em análise completa e didática sobre a reforma, “a estabilidade ficará restrita aos ocupantes de cargos típicos de Estado e será adquirida após os dois anos de experiência e mais um ano de estágio probatório. Para os demais servidores, não haverá mais a garantia de emprego”.
E quais serão esses “cargos típicos de Estado”? Depende de outra proposta legislativa, que não exige mudança na Constituição. Imagina-se a briga entre burocratas para que suas carreiras sejam definidas como as mais importantes para o país. Atualmente são todas - do advogado da Advocacia-Geral da União ao recepcionista do Ministério do Meio Ambiente e à professora em uma universidade federal.
Quando deixei de ser professor da Universidade Federal do ABC em 2015, minha mãe ficou chocada. Como deixar um emprego que, na prática, era vitalício? Ter estabilidade é ótimo para o funcionário por motivos óbvios: seu eventual (ou corriqueiro) baixo desempenho não implicará demissão. Esse é um dos principais motivos para pessoas bem qualificadas prestarem concurso público.
Vários analistas têm argumentado que a estabilidade protege funcionários de perseguição política pelos governantes do dia. É verdade. Há um funcionário do Banco Central, por exemplo, que diariamente critica o governo Bolsonaro em redes sociais e semanalmente na imprensa. Já escreveu até – sem evidência alguma, claro – que corre risco de ser morto durante o mandato do presidente. (Ainda não falou que corre risco de ser demitido, pois este é nulo.)
É uma pena que na discussão da reforma apenas a dimensão de conflito entre burocratas e políticos tenha aparecido com força. Nessa visão, servidores estáveis fariam mal ao Estado por ganharem ótimos salários e não terem incentivos para melhorar seu desempenho ao longo do tempo. E políticos fariam mal aos burocratas porque, não fosse a estabilidade, perderiam seus empregos se não concordassem com os ministros e o presidente.
Mas há outra dimensão – de cooperação – que poderia guiar o debate da reforma administrativa. Aos políticos interessaria ter bom relacionamento com burocratas qualificados para que suas políticas públicas preferidas fossem bem implementadas. E funcionários federais garantiriam, ao cooperar com o presidente em termos substantivos, prestígio e orçamento para suas agências burocráticas.
É esta segunda dimensão que coloca o cidadão – afetado por resultados da implementação de políticas públicas – no centro da reforma.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)