Educação, pandemia e o mito do Legislativo eficiente
Platitudes dominam o principal projeto de lei sobre a volta às aulas em análise na Câmara dos Deputados
Janaína Ribeiro
Publicado em 18 de setembro de 2020 às 21h50.
Após seis meses de pandemia ininterrupta, poderíamos imaginar que os políticos brasileiros – incluindo prefeitos e governadores, não só o presidente e o ministro da Educação – já teriam diretrizes para que jovens retomassem atividades escolares presenciais. Não é o caso. Falta não só um plano nacional, mas, especialmente, a definição de parâmetros básicos para guiar a volta.
Falar em álcool gel e distanciamento é o óbvio. Devemos esperar decisões difíceis, como: i) definição de uma taxa de retransmissão do vírus a partir da qual os alunos voltariam ao isolamento; ii) alocação da capacidade de testagem da prefeitura/estado para escolas públicas e privadas, especialmente do ensino médio, pois a recuperação de conteúdo pré-vestibular é mais difícil.
Não seria preciso gastar um centavo para o primeiro ponto. E no segundo haveria apenas redistribuição de recursos estatais já existentes - ou que já deveriam existir, pois convivemos com o coronavírus desde março.
Além disso, há outras decisões importantes como: quantos alunos colocar em cada sala de aula? Por quanto tempo? O terceiro ano do ensino médio deve ser priorizado em detrimento de outros? Diversos governos estaduais definiram esses e outros assuntos a partir de dados e experiências internacionais.
Para minha surpresa, os parlamentares da Câmara dos Deputados têm pouco a dizer sobre a volta às aulas. Ao menos é isso que indica a leitura da versão substitutiva do projeto de lei 2.949/2020, originalmente proposto pelo deputado Idilvan Alencar (PDT). Essa versão teve a deputada Dorinha Seabra (DEM) como relatora – ou seja, organizadora das mudanças ao projeto original de Alencar, mais focado em definir a composição de comissões (nacional e estaduais) para indicar a volta às aulas.
Na versão de Rezende, o projeto estabelece treze princípios para guiar as decisões.
Entre eles, estão o “estabelecimento de critérios epidemiológicos”, a definição de “parâmetros de distanciamento social”, a “valorização e desenvolvimento dos profissionais de educação, saúde e assistência social”....
Assim vagos, óbvios, são quase todos os outros pontos. Já estão sendo seguidos, com variação, pelos estados que organizaram as voltas às aulas. A única ideia que se salva é a de realizar uma “avaliação diagnóstica de aprendizado e ações de recuperação” nas escolas. Será bom saber, do ponto de vista curricular, o que devemos aos nossos jovens.
Se aprovado o projeto, a Câmara dos Deputados estará legislando sobre decisões políticas que já estão sendo implementadas. Não há nada de ilegal nisso, mas é inócuo.
Fossem mais corajosos, os parlamentares poderiam incluir a proibição da distribuição de hidroxicloroquina para os alunos funcionários das escolas, dado que há comprovação científica de que o remédio não funciona no combate à covid-19.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
Após seis meses de pandemia ininterrupta, poderíamos imaginar que os políticos brasileiros – incluindo prefeitos e governadores, não só o presidente e o ministro da Educação – já teriam diretrizes para que jovens retomassem atividades escolares presenciais. Não é o caso. Falta não só um plano nacional, mas, especialmente, a definição de parâmetros básicos para guiar a volta.
Falar em álcool gel e distanciamento é o óbvio. Devemos esperar decisões difíceis, como: i) definição de uma taxa de retransmissão do vírus a partir da qual os alunos voltariam ao isolamento; ii) alocação da capacidade de testagem da prefeitura/estado para escolas públicas e privadas, especialmente do ensino médio, pois a recuperação de conteúdo pré-vestibular é mais difícil.
Não seria preciso gastar um centavo para o primeiro ponto. E no segundo haveria apenas redistribuição de recursos estatais já existentes - ou que já deveriam existir, pois convivemos com o coronavírus desde março.
Além disso, há outras decisões importantes como: quantos alunos colocar em cada sala de aula? Por quanto tempo? O terceiro ano do ensino médio deve ser priorizado em detrimento de outros? Diversos governos estaduais definiram esses e outros assuntos a partir de dados e experiências internacionais.
Para minha surpresa, os parlamentares da Câmara dos Deputados têm pouco a dizer sobre a volta às aulas. Ao menos é isso que indica a leitura da versão substitutiva do projeto de lei 2.949/2020, originalmente proposto pelo deputado Idilvan Alencar (PDT). Essa versão teve a deputada Dorinha Seabra (DEM) como relatora – ou seja, organizadora das mudanças ao projeto original de Alencar, mais focado em definir a composição de comissões (nacional e estaduais) para indicar a volta às aulas.
Na versão de Rezende, o projeto estabelece treze princípios para guiar as decisões.
Entre eles, estão o “estabelecimento de critérios epidemiológicos”, a definição de “parâmetros de distanciamento social”, a “valorização e desenvolvimento dos profissionais de educação, saúde e assistência social”....
Assim vagos, óbvios, são quase todos os outros pontos. Já estão sendo seguidos, com variação, pelos estados que organizaram as voltas às aulas. A única ideia que se salva é a de realizar uma “avaliação diagnóstica de aprendizado e ações de recuperação” nas escolas. Será bom saber, do ponto de vista curricular, o que devemos aos nossos jovens.
Se aprovado o projeto, a Câmara dos Deputados estará legislando sobre decisões políticas que já estão sendo implementadas. Não há nada de ilegal nisso, mas é inócuo.
Fossem mais corajosos, os parlamentares poderiam incluir a proibição da distribuição de hidroxicloroquina para os alunos funcionários das escolas, dado que há comprovação científica de que o remédio não funciona no combate à covid-19.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)