Como poderíamos escolher melhores ministros?
O Brasil tem, hoje, 28 ministros. Entro no site da Presidência da República para ver a lista completa. Começa com Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, filiado ao PMDB. (Cláudio Melo Filho, executivo da Odebrecht, descreve Padilha como intermediário de Michel Temer (“MT”) para tratar de propinas com a empresa.) O segundo é Osmar Serraglio, […]
Da Redação
Publicado em 22 de março de 2017 às 18h02.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h10.
O Brasil tem, hoje, 28 ministros. Entro no site da Presidência da República para ver a lista completa. Começa com Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, filiado ao PMDB. (Cláudio Melo Filho, executivo da Odebrecht, descreve Padilha como intermediário de Michel Temer (“MT”) para tratar de propinas com a empresa.) O segundo é Osmar Serraglio, também do PMDB, ministro da Justiça. (Foi flagrado pela Polícia Federal chamando um funcionário corrupto do Ministério da Agricultura de “grande chefe”.) O ministro da Defesa, integrante do PPS, Raul Jungmann, não é acusado de nada. A lista segue com Aloysio Nunes (PSDB), recém-nomeado ministro das Relações Exteriores. (Nunes foi citado pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, como recipiente de 200.000 reais ilegais em 2010.) Seguimos com Henrique Meirelles (PSD), ministro da Fazenda, e seu currículo imaculado. O próximo é Maurício Quintella (PR), ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil. (Em 2014, Quintella foi condenado por pertencer a um esquema de desvio de merenda escolar em Alagoas entre 2003 e 2005.) Dos seis primeiros ministros elencados, quatro têm problemas com a Justiça. E nem citamos Mendonça Filho (DEM), Gilberto Kassab (PSD), Bruno Araújo (PSDB)…
Está claro que não podemos confiar em presidentes para nomear ministros idôneos. Quem acha que o problema é de Michel Temer está enganado. Diversos ministros de Dilma e Lula estavam envolvidos em corrupção. E Renan Calheiros (PMDB) foi um dos ministros da Justiça do governo de Fernando Henrique Cardoso. Duas perguntas tornam-se urgentes: como poderíamos ter ministros melhores? Há algum problema no processo de escolha que poderia ser aperfeiçoado?
A lista dos ministros de Michel Temer mostra que o presidente não precisa, necessariamente, ouvir ninguém para fazer nomeações ministeriais. Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima (já demitido), Henrique Eduardo Alves (já demitido) e Moreira Franco são políticos peemedebistas muito próximos a Temer. Suas nomeações não fizeram parte de barganha. Mas talvez esta não seja a lógica mais frequente. É inegável que partidos políticos que não o PMDB estão bem representados no ministério. Isso é o que estudiosos chamam de “proporcionalidade partidária” na alocação de cargos: quanto mais parlamentares um partido tem, mais ministérios serão dados a este partido.
De acordo com Octavio Amorim Neto (FGV-RJ), a estratégia do presidente em beneficiar partidos relevantes para sua base parlamentar dependerá de sua primeira escolha quando assumir o cargo. Ele quer ser um presidente “autoritário”, que usa medidas provisórias com frequência, ou um presidente “negociador”, que edita propostas para os parlamentares analisarem, modificarem e (com sorte) aprovarem? Quanto mais “autoritária” for a estratégia presidencial, mais ele tenderá a escolher ministros de acordo com critérios além do pertencimento partidário. (A análise está em seu ótimo The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas, publicado pela Comparative Political Studies em 2006.)
No entanto, presidentes brasileiros podem não ter muita escolha. Precisam ser negociadores, por exemplo, para aprovar reformas constitucionais. Impossível mudar o sistema previdenciário por decreto ou medida provisória. A reforma trabalhista de Temer até poderia ser feita dessa forma, mas enfrentaria forte pressão uma vez que a medida provisória começasse a tramitar no Congresso Nacional. O presidente ganharia no primeiro momento, mas os deputados e senadores teriam cerca de quatro meses para debater, modificar e aprovar ou rejeitar a medida provisória. Nas palavras de Gary Cox e Mathew McCubbins, sobraria “decisiveness” (rapidez na decisão) e faltaria “resoluteness” (garantia de que a decisão fosse implementada a contento). (A análise está em capítulo do livro Presidents, Parliaments, and Policy, Cambridge University Press, 2001).
Então os presidentes brasileiros são forçados, na prática, a formarem ministérios com vários partidos políticos para que suas propostas legislativas prosperem. Nem sempre os postulantes aos cargos, propostos pelas bancadas partidárias, são nomes desejáveis. O PR, Partido da República, não tem ninguém melhor para indicar a um ministério do que um sujeito condenado por desviar verba de merenda escolar?! (É possível que não, mas vale o exercício intelectual.)
Mas é possível salvar futuros presidentes desse constrangimento. Uma solução para isso seria adotar sistema semelhante ao norte-americano para a nomeação de ministros: indicação do presidente, debate parlamentar, e aprovação ou rejeição do nome pelos senadores.
Os Estados Unidos atualmente têm 15 ministérios. O aumento desde o primeiro governo, iniciado por George Washington em 1789, é menos significativo do que poderíamos imaginar: o país começou com quatro ministros (Defesa, Economia, Justiça e Relações Exteriores). Ao longo do século XX, iniciando no segundo mandato de Franklin Roosevelt em 1939, o presidente norte-americano foi dando menos relevância aos ministros. Preferiu centralizar a discussão de políticas públicas mais relevantes em conselhos diretamente ligados à presidência. Mas estudiosos como Anthony Bertelli e Christian Grose mostram que ministros nos Estados Unidos são importantíssimos para estabelecer uma boa relação entre o presidente e os burocratas – afinal, os responsáveis finais pela implementação das políticas governamentais. (O texto de referência é Agreeable Administrators? Analyzing the Public Positions of Cabinet Secretaries and Presidents, publicado pela Presidential Studies Quarterly em 2007.)
Portanto, a escolha de ministros não é trivial. Tanto é assim que presidentes democratas como Bill Clinton (1993-2000) e Barack Obama (2009-2016) se preocuparam em sinalizar moderação em ministérios importantes como o da Defesa. Ambos nomearam representantes republicanos para o cargo, conforme mostra Alejandro Quiroz Flores em seu capítulo no livro The selection of ministers around the world (Routledge, 2014), organizado por Keith Dowding e Patrick Dumont. Esses exemplos não são a norma. Muito mais comum é que o presidente antecipe a vontade dos senadores e proponha nomes para aprovação tranquila.
Quando Bill Clinton quis nomear Zoë Baird para a Advocacia-Geral da União, vários senadores foram contrários por conta de Zoë ter contratado imigrantes ilegais como babás. De acordo com estudo de Glen Krutz, Richard Fleisher e Jon Bond, o que normalmente acontece é que os parlamentares façam um estardalhaço no período anterior à votação do indicado e forcem-no a retirar seu nome do processo. Ou seja: o confronto não necessariamente se torna público. Zoë informou Clinton que não teria condições de assumir. (O texto é From Abe Fortas to Zoë Baird: Why Some Presidential Nominations Fail in the Senate, publicado na American Political Science Review em 1998.)
Assim, não é difícil que os presidentes americanos tenham sucesso na nomeação de ministros. Basta saber mais ou menos o que os senadores apoiariam e garantir que escândalos de corrupção não maculem a imagem do possível nomeado. Olhando o ministério de Michel Temer, fica difícil acreditar que ele teria condições de indicar pessoas corruptas em um novo governo. O escrutínio da mídia seria imenso e os senadores temeriam retaliação eleitoral. Mas, do jeito que o Brasil vai, resta a inveja: o escândalo que derrubou Zoe Baird é coisa de amador. Profissionais como os peemedebistas e petistas devem registrar e pagar suas babás em dia. O problema é a origem do dinheiro.
O Brasil tem, hoje, 28 ministros. Entro no site da Presidência da República para ver a lista completa. Começa com Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, filiado ao PMDB. (Cláudio Melo Filho, executivo da Odebrecht, descreve Padilha como intermediário de Michel Temer (“MT”) para tratar de propinas com a empresa.) O segundo é Osmar Serraglio, também do PMDB, ministro da Justiça. (Foi flagrado pela Polícia Federal chamando um funcionário corrupto do Ministério da Agricultura de “grande chefe”.) O ministro da Defesa, integrante do PPS, Raul Jungmann, não é acusado de nada. A lista segue com Aloysio Nunes (PSDB), recém-nomeado ministro das Relações Exteriores. (Nunes foi citado pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, como recipiente de 200.000 reais ilegais em 2010.) Seguimos com Henrique Meirelles (PSD), ministro da Fazenda, e seu currículo imaculado. O próximo é Maurício Quintella (PR), ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil. (Em 2014, Quintella foi condenado por pertencer a um esquema de desvio de merenda escolar em Alagoas entre 2003 e 2005.) Dos seis primeiros ministros elencados, quatro têm problemas com a Justiça. E nem citamos Mendonça Filho (DEM), Gilberto Kassab (PSD), Bruno Araújo (PSDB)…
Está claro que não podemos confiar em presidentes para nomear ministros idôneos. Quem acha que o problema é de Michel Temer está enganado. Diversos ministros de Dilma e Lula estavam envolvidos em corrupção. E Renan Calheiros (PMDB) foi um dos ministros da Justiça do governo de Fernando Henrique Cardoso. Duas perguntas tornam-se urgentes: como poderíamos ter ministros melhores? Há algum problema no processo de escolha que poderia ser aperfeiçoado?
A lista dos ministros de Michel Temer mostra que o presidente não precisa, necessariamente, ouvir ninguém para fazer nomeações ministeriais. Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima (já demitido), Henrique Eduardo Alves (já demitido) e Moreira Franco são políticos peemedebistas muito próximos a Temer. Suas nomeações não fizeram parte de barganha. Mas talvez esta não seja a lógica mais frequente. É inegável que partidos políticos que não o PMDB estão bem representados no ministério. Isso é o que estudiosos chamam de “proporcionalidade partidária” na alocação de cargos: quanto mais parlamentares um partido tem, mais ministérios serão dados a este partido.
De acordo com Octavio Amorim Neto (FGV-RJ), a estratégia do presidente em beneficiar partidos relevantes para sua base parlamentar dependerá de sua primeira escolha quando assumir o cargo. Ele quer ser um presidente “autoritário”, que usa medidas provisórias com frequência, ou um presidente “negociador”, que edita propostas para os parlamentares analisarem, modificarem e (com sorte) aprovarem? Quanto mais “autoritária” for a estratégia presidencial, mais ele tenderá a escolher ministros de acordo com critérios além do pertencimento partidário. (A análise está em seu ótimo The Presidential Calculus: Executive Policy Making and Cabinet Formation in the Americas, publicado pela Comparative Political Studies em 2006.)
No entanto, presidentes brasileiros podem não ter muita escolha. Precisam ser negociadores, por exemplo, para aprovar reformas constitucionais. Impossível mudar o sistema previdenciário por decreto ou medida provisória. A reforma trabalhista de Temer até poderia ser feita dessa forma, mas enfrentaria forte pressão uma vez que a medida provisória começasse a tramitar no Congresso Nacional. O presidente ganharia no primeiro momento, mas os deputados e senadores teriam cerca de quatro meses para debater, modificar e aprovar ou rejeitar a medida provisória. Nas palavras de Gary Cox e Mathew McCubbins, sobraria “decisiveness” (rapidez na decisão) e faltaria “resoluteness” (garantia de que a decisão fosse implementada a contento). (A análise está em capítulo do livro Presidents, Parliaments, and Policy, Cambridge University Press, 2001).
Então os presidentes brasileiros são forçados, na prática, a formarem ministérios com vários partidos políticos para que suas propostas legislativas prosperem. Nem sempre os postulantes aos cargos, propostos pelas bancadas partidárias, são nomes desejáveis. O PR, Partido da República, não tem ninguém melhor para indicar a um ministério do que um sujeito condenado por desviar verba de merenda escolar?! (É possível que não, mas vale o exercício intelectual.)
Mas é possível salvar futuros presidentes desse constrangimento. Uma solução para isso seria adotar sistema semelhante ao norte-americano para a nomeação de ministros: indicação do presidente, debate parlamentar, e aprovação ou rejeição do nome pelos senadores.
Os Estados Unidos atualmente têm 15 ministérios. O aumento desde o primeiro governo, iniciado por George Washington em 1789, é menos significativo do que poderíamos imaginar: o país começou com quatro ministros (Defesa, Economia, Justiça e Relações Exteriores). Ao longo do século XX, iniciando no segundo mandato de Franklin Roosevelt em 1939, o presidente norte-americano foi dando menos relevância aos ministros. Preferiu centralizar a discussão de políticas públicas mais relevantes em conselhos diretamente ligados à presidência. Mas estudiosos como Anthony Bertelli e Christian Grose mostram que ministros nos Estados Unidos são importantíssimos para estabelecer uma boa relação entre o presidente e os burocratas – afinal, os responsáveis finais pela implementação das políticas governamentais. (O texto de referência é Agreeable Administrators? Analyzing the Public Positions of Cabinet Secretaries and Presidents, publicado pela Presidential Studies Quarterly em 2007.)
Portanto, a escolha de ministros não é trivial. Tanto é assim que presidentes democratas como Bill Clinton (1993-2000) e Barack Obama (2009-2016) se preocuparam em sinalizar moderação em ministérios importantes como o da Defesa. Ambos nomearam representantes republicanos para o cargo, conforme mostra Alejandro Quiroz Flores em seu capítulo no livro The selection of ministers around the world (Routledge, 2014), organizado por Keith Dowding e Patrick Dumont. Esses exemplos não são a norma. Muito mais comum é que o presidente antecipe a vontade dos senadores e proponha nomes para aprovação tranquila.
Quando Bill Clinton quis nomear Zoë Baird para a Advocacia-Geral da União, vários senadores foram contrários por conta de Zoë ter contratado imigrantes ilegais como babás. De acordo com estudo de Glen Krutz, Richard Fleisher e Jon Bond, o que normalmente acontece é que os parlamentares façam um estardalhaço no período anterior à votação do indicado e forcem-no a retirar seu nome do processo. Ou seja: o confronto não necessariamente se torna público. Zoë informou Clinton que não teria condições de assumir. (O texto é From Abe Fortas to Zoë Baird: Why Some Presidential Nominations Fail in the Senate, publicado na American Political Science Review em 1998.)
Assim, não é difícil que os presidentes americanos tenham sucesso na nomeação de ministros. Basta saber mais ou menos o que os senadores apoiariam e garantir que escândalos de corrupção não maculem a imagem do possível nomeado. Olhando o ministério de Michel Temer, fica difícil acreditar que ele teria condições de indicar pessoas corruptas em um novo governo. O escrutínio da mídia seria imenso e os senadores temeriam retaliação eleitoral. Mas, do jeito que o Brasil vai, resta a inveja: o escândalo que derrubou Zoe Baird é coisa de amador. Profissionais como os peemedebistas e petistas devem registrar e pagar suas babás em dia. O problema é a origem do dinheiro.