Com retórica otimista do governo, paulistas ficam à deriva contra o vírus
Os anúncios de João Doria no mês passado fazem pouco sentido agora, com dois dias de número recorde de mortos
Janaína Ribeiro
Publicado em 17 de junho de 2020 às 16h52.
Exatamente três semanas após o primeiro anúncio de reabertura do estado de São Paulo, o número de mortos pela covid-19 bateu recorde. Em 27 de maio, o governador João Doria (PSDB) definiu a prorrogação da quarentena. Mas, ao mesmo tempo, anunciou a possibilidade de flexibilização paulatina, estabelecendo cinco níveis de gravidade da crise. Naquele dia, foram registradas 289 mortes, totalizando 6.700. Hoje há mais de 11 mil mortos, com o recorde de 389 registrados hoje. É o segundo dia de recorde consecutivo. Ontem foram 365 mortes assinaladas.
É bastante provável que as falas otimistas do governador e boa parte de sua equipe tenham afetado o comportamento da população. Ao menos em São Paulo, nos bairros do Brooklin e Morumbi, a movimentação de carros e pessoas na rua nas últimas duas semanas se intensificou muito. A maioria usa máscara.
Além do próprio governador, comandam o esforço governamental, na prática, Patrícia Ellen da Silva, secretária de Desenvolvimento Econômico, e a economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman. O secretário de Saúde, José Henrique Germann, é uma figura decorativa.
Além deles, há o médico Carlos Carvalho, coordenador do Centro de Contingência para o Coronavírus, que, no papel, lidera a resposta do governo à crise. Carvalho é o terceiro coordenador do centro. O primeiro, David Uip, saiu após desentendimentos com Patrícia Ellen, muito mais otimista do que ele sobre a possibilidade de reabertura sem aumento substancial de mortos. Uip foi substituído pelo diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas (sem relação com o prefeito Bruno Covas). Em 19 de maio, Dimas afirmou que o governo estava “perdendo a batalha” contra o coronavírus. Seu pessimismo foi recompensado com a saída do cargo.
O tom otimista é dado por Patrícia Ellen. Na coletiva de hoje, ela disse: “Nossa expectativa até o fim do mês é ter entre 15 e 18 mil óbitos acumulados. O número que nós temos hoje está dentro do cenário, no limite inferior. Toda vida conta e é sempre muito difícil trazer esses números, mas a boa notícia é que a nossa taxa de letalidade está caminhando para uma estabilização, porque o nosso número de óbitos está no intervalo inferior das nossas projeções. O cenário original tinha um número maior e foi revisado para baixo pelos especialistas”.
Patrícia Ellen afirmou também que “um ponto importante é que no número de óbitos estamos no limite inferior, e no número de casos estamos no limite superior, um pouco acima até, por causa da iniciativa de testagem”.
Parece otimismo excessivo falar em “limite inferior” no número de mortes enquanto o estado bate recordes. Quase treze anos atrás, o voo 3054 caiu em Congonhas e matou 199 pessoas.
Nos dois últimos dias, caíram três aviões.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
Exatamente três semanas após o primeiro anúncio de reabertura do estado de São Paulo, o número de mortos pela covid-19 bateu recorde. Em 27 de maio, o governador João Doria (PSDB) definiu a prorrogação da quarentena. Mas, ao mesmo tempo, anunciou a possibilidade de flexibilização paulatina, estabelecendo cinco níveis de gravidade da crise. Naquele dia, foram registradas 289 mortes, totalizando 6.700. Hoje há mais de 11 mil mortos, com o recorde de 389 registrados hoje. É o segundo dia de recorde consecutivo. Ontem foram 365 mortes assinaladas.
É bastante provável que as falas otimistas do governador e boa parte de sua equipe tenham afetado o comportamento da população. Ao menos em São Paulo, nos bairros do Brooklin e Morumbi, a movimentação de carros e pessoas na rua nas últimas duas semanas se intensificou muito. A maioria usa máscara.
Além do próprio governador, comandam o esforço governamental, na prática, Patrícia Ellen da Silva, secretária de Desenvolvimento Econômico, e a economista Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman. O secretário de Saúde, José Henrique Germann, é uma figura decorativa.
Além deles, há o médico Carlos Carvalho, coordenador do Centro de Contingência para o Coronavírus, que, no papel, lidera a resposta do governo à crise. Carvalho é o terceiro coordenador do centro. O primeiro, David Uip, saiu após desentendimentos com Patrícia Ellen, muito mais otimista do que ele sobre a possibilidade de reabertura sem aumento substancial de mortos. Uip foi substituído pelo diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas (sem relação com o prefeito Bruno Covas). Em 19 de maio, Dimas afirmou que o governo estava “perdendo a batalha” contra o coronavírus. Seu pessimismo foi recompensado com a saída do cargo.
O tom otimista é dado por Patrícia Ellen. Na coletiva de hoje, ela disse: “Nossa expectativa até o fim do mês é ter entre 15 e 18 mil óbitos acumulados. O número que nós temos hoje está dentro do cenário, no limite inferior. Toda vida conta e é sempre muito difícil trazer esses números, mas a boa notícia é que a nossa taxa de letalidade está caminhando para uma estabilização, porque o nosso número de óbitos está no intervalo inferior das nossas projeções. O cenário original tinha um número maior e foi revisado para baixo pelos especialistas”.
Patrícia Ellen afirmou também que “um ponto importante é que no número de óbitos estamos no limite inferior, e no número de casos estamos no limite superior, um pouco acima até, por causa da iniciativa de testagem”.
Parece otimismo excessivo falar em “limite inferior” no número de mortes enquanto o estado bate recordes. Quase treze anos atrás, o voo 3054 caiu em Congonhas e matou 199 pessoas.
Nos dois últimos dias, caíram três aviões.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)