Bolsonaro usa medida de Dilma para justificar saída de Valeixo
Em 2014, o governo definiu, com anuência parlamentar, que o presidente é o responsável formal pela nomeação do diretor-geral da PF
Janaína Ribeiro
Publicado em 24 de abril de 2020 às 19h50.
Última atualização em 24 de abril de 2020 às 19h58.
Ao longo de seu discurso de 40 minutos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) referiu-se diversas vezes à Lei 13.047/2014. Ela estabelece que o diretor-geral da Polícia Federal é nomeado diretamente pelo Presidente da República. Bolsonaro insistiu nesse ponto para convencer o povo de que é normal um presidente trocar o comandante da instituição. Seria prerrogativa sua, sempre, bem longe da alçada (mesmo informal) do Ministro da Justiça.
A história toda começou em 2009, quando o Ministério do Planejamento editou a Portaria 523/2009. Publicada para reestruturar a organização da Polícia Federal, a norma estabelecia tarefas de “nível médio” para os escrivães, papiloscopistas e agentes da polícia. Não lhes dava a competência necessária para realizar tarefas de “nível superior”. Isso dificultaria a ascensão desses funcionários a cargos de confiança que, além de mais poder, engordam os salários de burocratas concursados.
Em fevereiro de 2014, a Justiça Federal derrubou a portaria. Um vácuo normativo se formou. Finalmente, em outubro do mesmo ano, a presidente Dilma Rousseff (PT) editou a Medida Provisória 657/2014 para organizar, minimamente, as carreiras e hierarquia da PF. O último artigo da MP 657 era claro: “O cargo de diretor-geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial”.
Sempre que uma medida provisória é publicada, deputados, senadores e burocratas se mobilizam para sugerir mudanças, formalizadas em emendas legislativas. Na comissão formada para tratar da MP 657, foram propostas 68 emendas. Destas, 59 não tinham a ver com o tema principal da medida, de acordo com o parecer final da comissão. 38 dessas emendas ao menos tratavam da Polícia Federal, mas não exatamente sobre o objeto da MP. Quase sessenta “jabutis”, no linguajar brasiliense, mas apenas 21 deles mais estranhos.
Uma delas, proposta pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PP), de número 16, determinava que o bacharelado em Direito seria condição necessária para se tornar policial militar. Sim, militar, não federal. Um jabuti para agradar a corporação. Comportamento normal de parlamentar. Representação também se dá assim.
O PSDB propôs que o diretor-geral da Polícia Federal passasse a ser sabatinado pelo Legislativo antes de ser nomeado. Proposta tao obviamente ruim – afinal, a polícia investiga políticos – que foi derrotada em votação simbólica (ou seja, sem a necessidade de cada parlamentar expor seu “sim” ou “não”).
Portanto, sob pressão dos funcionários da Polícia Federal, o governo de Dilma Rousseff consagrou, na legislação, o método formal de nomeação do diretor-geral da instituição. O cargo é “privativo” de delegado da PF. O presidente é responsável por nomear alguém que seja, necessariamente, delegado concursado. Isso dificulta – mas não impossibilita – nomeações de ordem pessoal ou partidária. O Legislativo concordou com o governo petista.
Com tanto consenso à época, só mesmo uma disputa política pesada como a inaugurada hoje por Moro contra Bolsonaro poderia tornar o assunto objeto de polarização.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
Ao longo de seu discurso de 40 minutos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) referiu-se diversas vezes à Lei 13.047/2014. Ela estabelece que o diretor-geral da Polícia Federal é nomeado diretamente pelo Presidente da República. Bolsonaro insistiu nesse ponto para convencer o povo de que é normal um presidente trocar o comandante da instituição. Seria prerrogativa sua, sempre, bem longe da alçada (mesmo informal) do Ministro da Justiça.
A história toda começou em 2009, quando o Ministério do Planejamento editou a Portaria 523/2009. Publicada para reestruturar a organização da Polícia Federal, a norma estabelecia tarefas de “nível médio” para os escrivães, papiloscopistas e agentes da polícia. Não lhes dava a competência necessária para realizar tarefas de “nível superior”. Isso dificultaria a ascensão desses funcionários a cargos de confiança que, além de mais poder, engordam os salários de burocratas concursados.
Em fevereiro de 2014, a Justiça Federal derrubou a portaria. Um vácuo normativo se formou. Finalmente, em outubro do mesmo ano, a presidente Dilma Rousseff (PT) editou a Medida Provisória 657/2014 para organizar, minimamente, as carreiras e hierarquia da PF. O último artigo da MP 657 era claro: “O cargo de diretor-geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial”.
Sempre que uma medida provisória é publicada, deputados, senadores e burocratas se mobilizam para sugerir mudanças, formalizadas em emendas legislativas. Na comissão formada para tratar da MP 657, foram propostas 68 emendas. Destas, 59 não tinham a ver com o tema principal da medida, de acordo com o parecer final da comissão. 38 dessas emendas ao menos tratavam da Polícia Federal, mas não exatamente sobre o objeto da MP. Quase sessenta “jabutis”, no linguajar brasiliense, mas apenas 21 deles mais estranhos.
Uma delas, proposta pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PP), de número 16, determinava que o bacharelado em Direito seria condição necessária para se tornar policial militar. Sim, militar, não federal. Um jabuti para agradar a corporação. Comportamento normal de parlamentar. Representação também se dá assim.
O PSDB propôs que o diretor-geral da Polícia Federal passasse a ser sabatinado pelo Legislativo antes de ser nomeado. Proposta tao obviamente ruim – afinal, a polícia investiga políticos – que foi derrotada em votação simbólica (ou seja, sem a necessidade de cada parlamentar expor seu “sim” ou “não”).
Portanto, sob pressão dos funcionários da Polícia Federal, o governo de Dilma Rousseff consagrou, na legislação, o método formal de nomeação do diretor-geral da instituição. O cargo é “privativo” de delegado da PF. O presidente é responsável por nomear alguém que seja, necessariamente, delegado concursado. Isso dificulta – mas não impossibilita – nomeações de ordem pessoal ou partidária. O Legislativo concordou com o governo petista.
Com tanto consenso à época, só mesmo uma disputa política pesada como a inaugurada hoje por Moro contra Bolsonaro poderia tornar o assunto objeto de polarização.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)