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Bolsonaro complica a Anvisa

A “neutralidade estratégica” do órgão depende, agora, da habilidade política de um indicado do presidente

Bolsonaro: nas redes sociais, associa morte, invalidez, anomalia” à solução chinesa. (Isac Nóbrega/PR/Flickr)
KS

Karina Souza

Publicado em 10 de novembro de 2020 às 19h32.

Pensando bem, até que demorou para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criar confusão com a pandemia. Desde 25 de março o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) trocam críticas públicas a respeito da crise. O tom aumentou quando ficou claro que Doria tomou mais iniciativa do que o governo federal para conseguir uma vacina eficaz, estabelecendo contratos internacionais e aumentando a capacidade do Instituto Butantan.

Ontem à noite, quando a Anvisa anunciou pela imprensa a suspensão dos testes da vacina em que Doria aposta suas fichas, Bolsonaro exultou. Tomou as redes sociais hoje cedo para associar “morte, invalidez, anomalia” à solução chinesa. Terminou com uma frase digna de Edson Arantes sobre Pelé: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

Quem está pagando o pato por esse comportamento é o contra-almirante Antonio Barras Torres, diretor-presidente da Anvisa. Torres foi indicado ao cargo antes de Bolsonaro completar dez dias na presidência da República. Seu nome foi aprovado no Senado para um mandato de, no mínimo, três anos – talvez cinco, a depender da implementação da Lei 13.838/2019.

Como todos os detentores de cargos de confiança ligados a Bolsonaro, Torres precisa balancear os desejos do presidente com sua missão à frente da agência. No caso da Anvisa, esse papel é particularmente difícil. Ao contrário de outras agências reguladoras, como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Anvisa não tem histórico de influência política exagerada. Está mais para Fiocruz do que DNIT.

Torres não pode perder o respeito dos funcionários da organização. Vinte dias atrás, falou que “pouco importa” de onde virá a vacina. Hoje não poderia dizer o mesmo.

Caso Torres perca apoio interno, a missão da Anvisa como um órgão sem interferência política, “neutro por estratégia” (termo usado pelo cientista político Gregory Huber em seu estudo sobre segurança do trabalho nos Estados Unidos), será perdida.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)

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Pensando bem, até que demorou para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) criar confusão com a pandemia. Desde 25 de março o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) trocam críticas públicas a respeito da crise. O tom aumentou quando ficou claro que Doria tomou mais iniciativa do que o governo federal para conseguir uma vacina eficaz, estabelecendo contratos internacionais e aumentando a capacidade do Instituto Butantan.

Ontem à noite, quando a Anvisa anunciou pela imprensa a suspensão dos testes da vacina em que Doria aposta suas fichas, Bolsonaro exultou. Tomou as redes sociais hoje cedo para associar “morte, invalidez, anomalia” à solução chinesa. Terminou com uma frase digna de Edson Arantes sobre Pelé: “Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.

Quem está pagando o pato por esse comportamento é o contra-almirante Antonio Barras Torres, diretor-presidente da Anvisa. Torres foi indicado ao cargo antes de Bolsonaro completar dez dias na presidência da República. Seu nome foi aprovado no Senado para um mandato de, no mínimo, três anos – talvez cinco, a depender da implementação da Lei 13.838/2019.

Como todos os detentores de cargos de confiança ligados a Bolsonaro, Torres precisa balancear os desejos do presidente com sua missão à frente da agência. No caso da Anvisa, esse papel é particularmente difícil. Ao contrário de outras agências reguladoras, como a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Anvisa não tem histórico de influência política exagerada. Está mais para Fiocruz do que DNIT.

Torres não pode perder o respeito dos funcionários da organização. Vinte dias atrás, falou que “pouco importa” de onde virá a vacina. Hoje não poderia dizer o mesmo.

Caso Torres perca apoio interno, a missão da Anvisa como um órgão sem interferência política, “neutro por estratégia” (termo usado pelo cientista político Gregory Huber em seu estudo sobre segurança do trabalho nos Estados Unidos), será perdida.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)

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