Bandido bom é bandido monopolista
O massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, revela como o sistema político brasileiro é incapaz de lidar com problemas graves mesmo quando sabe o que vai acontecer. Em outubro de 2015, ainda antes do impeachment de Dilma Rousseff (PT), o governo federal sabia dos riscos. A equipe de Michel Temer (PMDB), que assumiu […]
Da Redação
Publicado em 3 de janeiro de 2017 às 15h45.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.
O massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, revela como o sistema político brasileiro é incapaz de lidar com problemas graves mesmo quando sabe o que vai acontecer. Em outubro de 2015, ainda antes do impeachment de Dilma Rousseff (PT), o governo federal sabia dos riscos. A equipe de Michel Temer (PMDB), que assumiu em maio do ano seguinte, também sabia. Por que nada foi feito?
Em primeiro lugar, porque os governos estaduais são débeis em “capacidade estatal”. Ou seja: têm pouco dinheiro e poucos funcionários públicos com expertise suficiente para formular boas políticas públicas. Antes que culpemos o governo amazonense mais do que outros, vale lembrar que o governo paulista (para quem não falta dinheiro!) e o governo carioca (particularmente este, pós-Garotinho e pós-Cabral) são também muito ruins de serviço. Sendo assim, não é razoável esperar que o governo amazonense consiga lidar com o surgimento de uma facção como a Família do Norte, ligada ao Comando Vermelho do Rio de Janeiro.
O estado dos presídios amazonenses é calamitoso. De acordo com o artigo “Estado, polícias e segurança pública no Brasil”, publicado na Revista Direito GV no início de 2016 pelos pesquisadores Renato Sérgio de Lima, Samira Bueno e Guaracy Minguardi, Amazonas tinha, em 2014, 7.378 presos. O déficit de vagas em presídios no estado era 3.993. O estado tem a quarta maior taxa de presos provisórios do país e a segunda pior razão de presos/vagas: 2,2 – só perde para Pernambuco com 2,6. Em outras palavras, em Amazonas o governo faz caber duas pessoas onde há espaço para uma.
Aí entra a segunda parte do problema. O governo federal deveria liderar o esforço para construir mais presídios, dada a dificuldade financeira dos governos estaduais. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, acabou de dizer o seguinte à imprensa: “É preciso construção de presídios para separar presos por periculosidade e não por pertencerem a um grupo A, B ou C”. Ora, se o governo sabe da falta de vagas em presídios há tanto tempo, por que ainda não fez nada?
Não é porque falta dinheiro, embora hoje isto seja verdade e qualquer esforço no sentido de construir vagas em presídios agora talvez não seja uma boa ideia considerando a necessidade de equilíbrio fiscal para que o país consiga crescer. (Ah, se crescimento viesse com gastos públicos em novos prédios e obras… mas esta é outra história.) É porque construir presídios nunca será popular. Qualquer cidadão indagará: por que não construir escolas e hospitais em vez disso? Explicar os benefícios de novas prisões é complicado. Eles vêm a longo prazo e junto com outras políticas públicas. Privatizá-los seria mais razoável, mas talvez o governo Temer não tenha tempo para fazer isso.
O ministro da Justiça também disse hoje que “não podemos permitir que um grupo tenha domínio de um presídio”. Se ele estiver se referindo ao fato de o governo perder o controle da estrutura prisional, isto é óbvio. Talvez se refira à disputa entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Aí ele está errado. É melhor que uma facção controle um presídio do que haver uma disputa entre elas. Por quê?
Conforme mostra o cientista político David Skarbek em The Social Order of the Underworld: How Prison Gangs Govern the American Penal System (Oxford University Press, 2014), facções prisionais resolvem problemas de ação coletiva em cenários de altíssima incerteza. Explicando melhor: presidiários se beneficiam muito de pertencer a um grupo que os ajude a ter assistência jurídica, contato com familiares, e segurança dentro do presídio. São três coisas que o governo poderia resolver, mas é incapaz de fazê-lo. Mas o PCC e o CV não podem abrir inscrição pela internet. São organizações ilegais.
Como convencem presidiários a se filiarem? Através da demonstração crível de força – tanto organizacional quanto jurídica. A força organizacional é expressada, entre outras maneiras, pelo controle de um presídio. É bem melhor ter apenas o PCC em um presídio do que uma disputa entre facções. Disputas se resolvem em acordos ou na violência. Mas criminosos têm dificuldade em formar acordos. Se o CV e o PCC assinarem um papel e o CV decidir não cumprir o acordo escrito, o PCC vai reclamar com a Justiça? Impossível. Então, só resta a violência.
Se considerarmos que facções prisionais sempre vão existir, é melhor que seja uma só. Fica muito mais fácil supervisionar, investigar, controlar. E talvez até firmar acordos informais (e ilegais, é claro) com governos. Quanto mais facções houver, menos criveis serão esses acordos. Aí temos o pior dos mundos: instabilidade no mundo externo e violência selvagem nas prisões.
O massacre no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, revela como o sistema político brasileiro é incapaz de lidar com problemas graves mesmo quando sabe o que vai acontecer. Em outubro de 2015, ainda antes do impeachment de Dilma Rousseff (PT), o governo federal sabia dos riscos. A equipe de Michel Temer (PMDB), que assumiu em maio do ano seguinte, também sabia. Por que nada foi feito?
Em primeiro lugar, porque os governos estaduais são débeis em “capacidade estatal”. Ou seja: têm pouco dinheiro e poucos funcionários públicos com expertise suficiente para formular boas políticas públicas. Antes que culpemos o governo amazonense mais do que outros, vale lembrar que o governo paulista (para quem não falta dinheiro!) e o governo carioca (particularmente este, pós-Garotinho e pós-Cabral) são também muito ruins de serviço. Sendo assim, não é razoável esperar que o governo amazonense consiga lidar com o surgimento de uma facção como a Família do Norte, ligada ao Comando Vermelho do Rio de Janeiro.
O estado dos presídios amazonenses é calamitoso. De acordo com o artigo “Estado, polícias e segurança pública no Brasil”, publicado na Revista Direito GV no início de 2016 pelos pesquisadores Renato Sérgio de Lima, Samira Bueno e Guaracy Minguardi, Amazonas tinha, em 2014, 7.378 presos. O déficit de vagas em presídios no estado era 3.993. O estado tem a quarta maior taxa de presos provisórios do país e a segunda pior razão de presos/vagas: 2,2 – só perde para Pernambuco com 2,6. Em outras palavras, em Amazonas o governo faz caber duas pessoas onde há espaço para uma.
Aí entra a segunda parte do problema. O governo federal deveria liderar o esforço para construir mais presídios, dada a dificuldade financeira dos governos estaduais. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, acabou de dizer o seguinte à imprensa: “É preciso construção de presídios para separar presos por periculosidade e não por pertencerem a um grupo A, B ou C”. Ora, se o governo sabe da falta de vagas em presídios há tanto tempo, por que ainda não fez nada?
Não é porque falta dinheiro, embora hoje isto seja verdade e qualquer esforço no sentido de construir vagas em presídios agora talvez não seja uma boa ideia considerando a necessidade de equilíbrio fiscal para que o país consiga crescer. (Ah, se crescimento viesse com gastos públicos em novos prédios e obras… mas esta é outra história.) É porque construir presídios nunca será popular. Qualquer cidadão indagará: por que não construir escolas e hospitais em vez disso? Explicar os benefícios de novas prisões é complicado. Eles vêm a longo prazo e junto com outras políticas públicas. Privatizá-los seria mais razoável, mas talvez o governo Temer não tenha tempo para fazer isso.
O ministro da Justiça também disse hoje que “não podemos permitir que um grupo tenha domínio de um presídio”. Se ele estiver se referindo ao fato de o governo perder o controle da estrutura prisional, isto é óbvio. Talvez se refira à disputa entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Aí ele está errado. É melhor que uma facção controle um presídio do que haver uma disputa entre elas. Por quê?
Conforme mostra o cientista político David Skarbek em The Social Order of the Underworld: How Prison Gangs Govern the American Penal System (Oxford University Press, 2014), facções prisionais resolvem problemas de ação coletiva em cenários de altíssima incerteza. Explicando melhor: presidiários se beneficiam muito de pertencer a um grupo que os ajude a ter assistência jurídica, contato com familiares, e segurança dentro do presídio. São três coisas que o governo poderia resolver, mas é incapaz de fazê-lo. Mas o PCC e o CV não podem abrir inscrição pela internet. São organizações ilegais.
Como convencem presidiários a se filiarem? Através da demonstração crível de força – tanto organizacional quanto jurídica. A força organizacional é expressada, entre outras maneiras, pelo controle de um presídio. É bem melhor ter apenas o PCC em um presídio do que uma disputa entre facções. Disputas se resolvem em acordos ou na violência. Mas criminosos têm dificuldade em formar acordos. Se o CV e o PCC assinarem um papel e o CV decidir não cumprir o acordo escrito, o PCC vai reclamar com a Justiça? Impossível. Então, só resta a violência.
Se considerarmos que facções prisionais sempre vão existir, é melhor que seja uma só. Fica muito mais fácil supervisionar, investigar, controlar. E talvez até firmar acordos informais (e ilegais, é claro) com governos. Quanto mais facções houver, menos criveis serão esses acordos. Aí temos o pior dos mundos: instabilidade no mundo externo e violência selvagem nas prisões.