Atila e Covas não entendem pais, mães e filhos
O prefeito paulista e o biólogo preferem, seis meses após o começo da crise, inação à impopularidade entre professores
Juliana Estigarríbia
Publicado em 26 de setembro de 2020 às 21h59.
Escrevo essas palavras em um shopping na cidade de São Paulo . Todos ao meu redor usam máscaras, exceto quem come ou bebe café. Ninguém se aproxima muito de outras pessoas. Há ordem, comércio e álcool gel. Tomo cuidado ao pegar na xícara, mas a preocupação é com o ar. Sei que a transmissão do coronavirus através de superfícies é menos provável do que por partículas expelidas por quem não usa máscara – um total, como já disse, de zero pessoas por aqui, exceto clientes do restaurante.
O prefeito Bruno Covas (PSDB), o biólogo Atila Iamarino e os professores e dirigentes da escola onde minha filha estuda não ligariam para o relato. Seis meses após o início da pandemia no Brasil, consideram que o risco de voltar às aulas continua proibitivo. Ignoram a queda, nos últimos dias, do número de casos e mortes registrados em São Paulo. Ignoram, também, que a transmissão do vírus entre crianças é muito menor – e menos perigosa, quando ocorre – do que entre adultos, especialmente idosos.
O biólogo ironiza quem fala em voltar às aulas. Afirma que adultos não usam máscaras e que falta água e sabão nas escolas. Segundo o censo escolar realizado pelo Inep (órgão do Ministério da Educação) em 2019, há dois milhões de alunos de escolas públicas sem condições básicas de acesso à água. Cerca de 10% dos colégios. Preocupante? Sem dúvida. Governos e sociedade civil podem se organizar para combater o problema enquanto as outras escolas voltam.
A solução de Atila, impraticável, é outra: já que as escolas não podem abrir, que se feche tudo até o vírus passar. Com esse raciocínio, o biólogo acredita que as pessoas topariam voltar ao isolamento completo sem reclamar nem desobedecer. Não entende o básico sobre a natureza humana nem sobre decisões políticas, que precisam ser tomadas diante de incerteza aguda. Prefere defender o inviável ou a inação.
Bruno Covas se considera corajoso por vencer batalhas pessoais e enfrentar o diretor do Colégio Bandeirantes, escola da alta elite onde estudou. Mas está muito aquém de seu avô, o ex-governador Mario Covas (PSDB), que levou ovo na cara de professores sindicalizados.
Em seu programa de governo para a reeleição, Covas afirma que “o inquérito sorológico [da prefeitura], o maior do país, vem balizando a reabertura gradual da cidade e a retomada das aulas”. Balela. A testagem de alunos e seus familiares teria que ser diária para fazer algum sentido. E isso a prefeitura não consegue realizar. Mas nem seria necessário. Basta abrir as escolas com máscaras e distanciamento mínimo, como em todos os outros lugares. Covas quer “atividades extracurriculares” nas escolas até segunda ordem. Ótimo para os funcionários, péssimo para pais, mães e alunos.
A frase sobre a suposta “retomada das aulas”, aliás, é a única sobre o que alunos e alunas podem esperar do prefeito nos próximos meses em seu plano de governo.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
Escrevo essas palavras em um shopping na cidade de São Paulo . Todos ao meu redor usam máscaras, exceto quem come ou bebe café. Ninguém se aproxima muito de outras pessoas. Há ordem, comércio e álcool gel. Tomo cuidado ao pegar na xícara, mas a preocupação é com o ar. Sei que a transmissão do coronavirus através de superfícies é menos provável do que por partículas expelidas por quem não usa máscara – um total, como já disse, de zero pessoas por aqui, exceto clientes do restaurante.
O prefeito Bruno Covas (PSDB), o biólogo Atila Iamarino e os professores e dirigentes da escola onde minha filha estuda não ligariam para o relato. Seis meses após o início da pandemia no Brasil, consideram que o risco de voltar às aulas continua proibitivo. Ignoram a queda, nos últimos dias, do número de casos e mortes registrados em São Paulo. Ignoram, também, que a transmissão do vírus entre crianças é muito menor – e menos perigosa, quando ocorre – do que entre adultos, especialmente idosos.
O biólogo ironiza quem fala em voltar às aulas. Afirma que adultos não usam máscaras e que falta água e sabão nas escolas. Segundo o censo escolar realizado pelo Inep (órgão do Ministério da Educação) em 2019, há dois milhões de alunos de escolas públicas sem condições básicas de acesso à água. Cerca de 10% dos colégios. Preocupante? Sem dúvida. Governos e sociedade civil podem se organizar para combater o problema enquanto as outras escolas voltam.
A solução de Atila, impraticável, é outra: já que as escolas não podem abrir, que se feche tudo até o vírus passar. Com esse raciocínio, o biólogo acredita que as pessoas topariam voltar ao isolamento completo sem reclamar nem desobedecer. Não entende o básico sobre a natureza humana nem sobre decisões políticas, que precisam ser tomadas diante de incerteza aguda. Prefere defender o inviável ou a inação.
Bruno Covas se considera corajoso por vencer batalhas pessoais e enfrentar o diretor do Colégio Bandeirantes, escola da alta elite onde estudou. Mas está muito aquém de seu avô, o ex-governador Mario Covas (PSDB), que levou ovo na cara de professores sindicalizados.
Em seu programa de governo para a reeleição, Covas afirma que “o inquérito sorológico [da prefeitura], o maior do país, vem balizando a reabertura gradual da cidade e a retomada das aulas”. Balela. A testagem de alunos e seus familiares teria que ser diária para fazer algum sentido. E isso a prefeitura não consegue realizar. Mas nem seria necessário. Basta abrir as escolas com máscaras e distanciamento mínimo, como em todos os outros lugares. Covas quer “atividades extracurriculares” nas escolas até segunda ordem. Ótimo para os funcionários, péssimo para pais, mães e alunos.
A frase sobre a suposta “retomada das aulas”, aliás, é a única sobre o que alunos e alunas podem esperar do prefeito nos próximos meses em seu plano de governo.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)