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As estranhas prioridades da CGU

Sob o comando de Wagner Rosário, o órgão que deveria facilitar transparência age contra sua missão

O ministro Wagner Rosário (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
O ministro Wagner Rosário (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
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Sérgio Praça

Publicado em 30 de julho de 2020 às, 16h20.

Última atualização em 30 de julho de 2020 às, 17h11.

Já era sabido que o governo Bolsonaro checa as redes sociais de possíveis nomeados a cargos de confiança. É razoável que não queiram pessoas identificadas com a esquerda em postos-chave da administração. Afinal, a orientação ideológica de qualquer governo é, legitimamente, um critério de seleção de funcionários não-concursados.

Bem diferente é uma nota técnica do início de junho publicada pelo Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU). Segundo esta nota, a divulgação por servidores federais de “opinião acerca de conflitos ou assuntos internos, ou de manifestações críticas ao órgão ao qual pertença” poderá resultar em apuração disciplinar.

Para quem trabalha em empresa privada, a medida parece razoável. Funcionário da Amazon que elogia o Walmart e critica o divórcio de Jeff Bezos na internet pode esperar alguma retaliação. Mas o serviço público tem espírito diferente. Se um auditor da Receita Federal não gosta da reforma tributária de Paulo Guedes, isso poderá ser visto por um supervisor mal-humorado como “manifestação crítica” ao Ministério da Economia. E o funcionário poderá, por causa dessa nota técnica da CGU, sofrer processo administrativo por uma opinião inócua.

A CGU editou essa norma para ficar bem com os bolsonaristas mais afoitos – especialmente os que se importam com a área ambiental, pois já são públicos os desentendimentos dos burocratas com o ministro Ricardo Salles.

O ministro Wagner Rosário faria um trabalho bem melhor caso se preocupasse com o arroz e feijão da CGU.

Muitos veículos jornalísticos – mais notadamente o braço não-televisivo da CNN – denunciaram fraudes na alocação do auxílio emergencial de R$ 600 do Ministério da Cidadania. O projeto do auxílio foi aprovado em 1 de Abril. Mas a CGU e a Cidadania assinaram um termo de cooperação para cruzamento de dados quase dois meses depois, em 29 de maio – e após a publicação das reportagens!

Além disso, a CGU ficou dois meses sem publicar a lista dos beneficiados pelo auxílio emergencial. A única coisa que justifica isso é a vontade de o governo não sofrer nas manchetes.

Wagner Rosário e seus comandados ficarão checando redes sociais? Eles deveriam ter muito mais o que fazer.

(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)