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A Segunda Turma virou a turma do fundão no Supremo

Se antes as pessoas reclamavam das decisões solo de Gilmar Mendes, agora ele tem banda com seu perfil.

SUPREMO: as regras internas do tribunal favorecem iniciativas pontuais que frequentemente violam o que foi definido pelo plenário / Adriano Machado/ Reuters
SUPREMO: as regras internas do tribunal favorecem iniciativas pontuais que frequentemente violam o que foi definido pelo plenário / Adriano Machado/ Reuters
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Sérgio Praça

Publicado em 28 de junho de 2018 às, 10h52.

Última atualização em 29 de junho de 2018 às, 09h25.

Mais um capítulo da história recente do Supremo Tribunal Federal foi escrito na terça-feira. A segunda turma do tribunal – formada por cinco juízes – mandou José Dirceu (PT) de volta para casa. A decisão é provisória. Edson Fachin foi voto vencido e pediu vista do processo. Quando o recesso do Judiciário acabar, em agosto, há chance de Dirceu voltar para a cadeia. É possível também, embora não muito provável, que a decisão de ontem facilite a saída de Lula. Afinal, soltar o principal organizador do PT implica rever, de modo informal, a execução da pena após julgamento em segunda instância. Como uma turma do STF não teria legitimidade para isso, o articulador da decisão, Dias Toffoli, argumentou que a prisão de Dirceu seria revertida por outras instâncias – daí a urgência de aprovar seu habeas corpus.

O processo todo é esquisito. A decisão de um órgão judicial colegiado (ou seja, a segunda instância) foi provisoriamente revertida por outro órgão colegiado (a segunda turma do STF) que viola o espírito de uma decisão tomada pelo órgão colegiado que deveria ser a última instância de fato: o plenário do Supremo Tribunal Federal. No plenário estão presentes os onze juízes do STF e cada uma das duas turmas tem cinco. Na segunda turma, além de Fachin, estão Celso de Mello (ausente na sessão), Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Os três últimos definiram o placar favorável para Dirceu.

As regras internas do STF favorecem iniciativas pontuais que frequentemente violam o que foi definido pelo plenário. Em texto recentemente publicado pela Novos Estudos Cebrap, Diego Werneck (FGV-RJ) e Leandro Molhano argumentam que o tribunal tem complicado a democracia brasileira por tomar decisões de modo individual e descentralizado. Segundo os estudiosos, “como relatores dos processos combinam o poder de decidir liminares monocráticas e o poder de liberar ou não essas liminares para apreciação das turmas e do plenário, cria-se um espaço, politicamente relevante, de decisão individual sem controle coletivo”.

Já que os relatores são escolhidos de modo aleatório, os atores políticos e econômicos afetados por decisões do STF não têm onde ancorar suas expectativas. De acordo com Werneck e Molhano, a prerrogativa que os onze juízes têm de dar declarações informais sobre processos, pedirem vista livremente (sem prazo para devolverem o processo) e darem liminares individuais desorganiza as estratégias dos afetados. (O artigo é “Ministrocracia: o Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro”.)

Agora, podemos acrescentar um quarto fator: há decisões das turmas que vão contra o entendimento do plenário. A turma que soltou Dirceu tem, agora, pecha de “garantista” – apelido juridiquês para quem acredita que recursos extraordinários após embargos que infringem decisões não unânimes são apenas direitos que não protelam nem impedem a justiça. Se antes as pessoas reclamavam das decisões solo de Gilmar Mendes, agora ele tem banda com seu perfil.

E assim segue o STF: entre decisões debatidas amplamente por onze juízes e outras tomadas por um grupo menor, sem transmissão televisiva. Ou, pior ainda, com decisões individuais de difícil reversão.