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A Medida Provisória ilegal para os caminhoneiros

A MP do frete contraria não só o espírito da Lei de Licitações, mas também a “letra” da lei ao dispensar o processo regular de licitação

Caminhões participam de protesto na BR-116 em São Paulo (Leonardo Benassatto/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 30 de maio de 2018 às 13h47.

Três dias atrás, o governo federal editou a Medida Provisória 831/2018. A ementa da MP é, como de costume, indecifrável: “Altera a Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, que dispõe sobre a extinção e dissolução de entidades da administração pública federal”. O objetivo é reservar 30% do frete contratado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para cooperativas, sindicatos e associações de transportadores autônomos de cargas. Com isso, o governo atende a uma das demandas dos caminhoneiros (e seus patrões) em greve. O problema é que a MP é flagrantemente ilegal. Contraria não só o espírito da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), mas também a “letra” da lei. Afinal, “reservar” significa dispensar o processo regular de licitação.

De acordo com o artigo 24 da Lei 8.666, o processo de licitação pode ser dispensado em 31 casos. Um deles, para citar apenas um exemplo, é para os bens e serviços produzidos ou prestados no Brasil que envolvam, cumulativamente, “alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão”. Dispensar licitação é – ou deveria ser – algo excepcional.

O aceno ilegal aos caminhoneiros autônomos não significa que as contratações de frete pela Conab ficarão mais caras. Um dos artigos da MP afirma que o preço pago aos caminhoneiros autônomos não pode ser maior do que o das tabelas de referência utilizadas pela Conab. Mas dispensar licitação significa que o ônus financeiro para o órgão público poderia ser menor – pois outro pilar da Lei 8.666 é assegurar que o governo pague o menor valor possível ao contratar um bem ou serviço. Na justificativa da MP, o governo afirma que “não há custos adicionais ao Erário para a implementação dessas medidas”. Falar em “custo adicional” é um jeito espertalhão de se esquivar do fato de que o governo poderá acabar pagando mais pelo mesmo serviço.

Há, ainda, um detalhe adicional que tem fortes implicações para o uso político da Conab através dessas contratações. A justificativa da medida provisória cita um regulamento para contratação de serviços de transporte publicado em maio de 2006. A MP atenderia aos dispositivos desse regulamento. Editado pelo então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o regulamento afirma que a declaração de inexigibilidade de licitação será feita pelo superintendente regional da Conab. Os caminhoneiros autônomos beneficiados pela MP terão que ser credenciados para só então participarem desse tipo de contratação. Após o credenciamento, o superintendente regional poderá autorizar as entidades sindicais, cooperativas e associações a realizarem o serviço de frete para a Conab sem licitação.

A medida, portanto, dá enorme poder para os superintendentes regionais. Conforme já escrevi em artigos acadêmicos com Felix Lopez, pesquisador do Ipea, os cargos de confiança do governo federal para comandar os braços estaduais de órgãos públicos são amplamente usados por partidos políticos para influenciarem decisões administrativas. Os superintendentes podem, é claro, ser pessoas qualificadas e com longa carreira no órgão. Mas também podem ser filiados a partidos políticos e até mesmo já terem participado de eleições – como é o caso de Brício Alves dos Santos Jr., superintendente da Conab no Espírito Santo e candidato a vice-prefeito pelo PMDB em Itapemirim em 2000.

O governo justificou a medida dizendo que ela estimularia o cooperativismo agrícola e fortaleceria a política pública de abastecimento e equilíbrio social. Na verdade, a MP provavelmente não será aprovada ao fim do prazo de 120 dias de análise pelos parlamentares e, caso seja, apenas aumentará o cacife político de superintendentes regionais da Conab. E isso pode significar contratações desse órgão por um custo maior do que o normal.

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Três dias atrás, o governo federal editou a Medida Provisória 831/2018. A ementa da MP é, como de costume, indecifrável: “Altera a Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990, que dispõe sobre a extinção e dissolução de entidades da administração pública federal”. O objetivo é reservar 30% do frete contratado pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para cooperativas, sindicatos e associações de transportadores autônomos de cargas. Com isso, o governo atende a uma das demandas dos caminhoneiros (e seus patrões) em greve. O problema é que a MP é flagrantemente ilegal. Contraria não só o espírito da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), mas também a “letra” da lei. Afinal, “reservar” significa dispensar o processo regular de licitação.

De acordo com o artigo 24 da Lei 8.666, o processo de licitação pode ser dispensado em 31 casos. Um deles, para citar apenas um exemplo, é para os bens e serviços produzidos ou prestados no Brasil que envolvam, cumulativamente, “alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão”. Dispensar licitação é – ou deveria ser – algo excepcional.

O aceno ilegal aos caminhoneiros autônomos não significa que as contratações de frete pela Conab ficarão mais caras. Um dos artigos da MP afirma que o preço pago aos caminhoneiros autônomos não pode ser maior do que o das tabelas de referência utilizadas pela Conab. Mas dispensar licitação significa que o ônus financeiro para o órgão público poderia ser menor – pois outro pilar da Lei 8.666 é assegurar que o governo pague o menor valor possível ao contratar um bem ou serviço. Na justificativa da MP, o governo afirma que “não há custos adicionais ao Erário para a implementação dessas medidas”. Falar em “custo adicional” é um jeito espertalhão de se esquivar do fato de que o governo poderá acabar pagando mais pelo mesmo serviço.

Há, ainda, um detalhe adicional que tem fortes implicações para o uso político da Conab através dessas contratações. A justificativa da medida provisória cita um regulamento para contratação de serviços de transporte publicado em maio de 2006. A MP atenderia aos dispositivos desse regulamento. Editado pelo então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o regulamento afirma que a declaração de inexigibilidade de licitação será feita pelo superintendente regional da Conab. Os caminhoneiros autônomos beneficiados pela MP terão que ser credenciados para só então participarem desse tipo de contratação. Após o credenciamento, o superintendente regional poderá autorizar as entidades sindicais, cooperativas e associações a realizarem o serviço de frete para a Conab sem licitação.

A medida, portanto, dá enorme poder para os superintendentes regionais. Conforme já escrevi em artigos acadêmicos com Felix Lopez, pesquisador do Ipea, os cargos de confiança do governo federal para comandar os braços estaduais de órgãos públicos são amplamente usados por partidos políticos para influenciarem decisões administrativas. Os superintendentes podem, é claro, ser pessoas qualificadas e com longa carreira no órgão. Mas também podem ser filiados a partidos políticos e até mesmo já terem participado de eleições – como é o caso de Brício Alves dos Santos Jr., superintendente da Conab no Espírito Santo e candidato a vice-prefeito pelo PMDB em Itapemirim em 2000.

O governo justificou a medida dizendo que ela estimularia o cooperativismo agrícola e fortaleceria a política pública de abastecimento e equilíbrio social. Na verdade, a MP provavelmente não será aprovada ao fim do prazo de 120 dias de análise pelos parlamentares e, caso seja, apenas aumentará o cacife político de superintendentes regionais da Conab. E isso pode significar contratações desse órgão por um custo maior do que o normal.

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