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2017: o ano do Supremo Tribunal Federal

No fim do ano passado, houve grande comemoração com o término de 2016. Impeachment, Michel Temer e o PMDB no poder, Eduardo Cunha preso, Lula indiciado várias vezes, Donald Trump eleito – que ano! Pois 2017 será tão ou mais conturbado. Isto porque a Operação Lava-Jato entrará, de uma vez por todas, no Congresso Nacional […]

SUPREMO: caberá a seus 11 ministros a histórica tarefa de definir quais crimes apenas chamuscam a reputação de um político, quais enterram carreiras e quais levam à prisão / Ueslei Marcelino/ Reuters
SUPREMO: caberá a seus 11 ministros a histórica tarefa de definir quais crimes apenas chamuscam a reputação de um político, quais enterram carreiras e quais levam à prisão / Ueslei Marcelino/ Reuters
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Sérgio Praça

Publicado em 19 de janeiro de 2017 às, 11h16.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h21.

No fim do ano passado, houve grande comemoração com o término de 2016. Impeachment, Michel Temer e o PMDB no poder, Eduardo Cunha preso, Lula indiciado várias vezes, Donald Trump eleito – que ano! Pois 2017 será tão ou mais conturbado. Isto porque a Operação Lava-Jato entrará, de uma vez por todas, no Congresso Nacional e na Presidência da República. E aí a bola estará com o Supremo Tribunal Federal, que decidirá se graves acusações contra ministros e parlamentares irão adiante ou acabarão em pizza.

Para entender a dinâmica política, precisamos voltar alguns passos. Dilma Rousseff (PT) não foi destituída da presidência por causa da Lava-Jato. Mas a sociedade brasileira – e os parlamentares – consideraram, em sua maioria, que os crimes fiscais cometidos pela então presidente foram graves o suficiente para ela perder o cargo. Embora o trabalho do Ministério Público Federal, do Judiciário e da Polícia Federal tenha se iniciado em 2014, foi apenas no ano passado que a Lava-Jato chegou, de fato, aos poderosos do PMDB. E também, é claro, com provas mais detalhadas, sobre grandes figuras petistas como os ex-ministros da Fazenda, Antonio Palocci (“Italiano”) e Guido Mantega (“Pós-Italiano”). Palocci ainda está na cadeia.

Os mais recentes desdobramentos mostram que o PMDB organizou, através do ex-ministro Geddel Vieira Lima e do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha – ambos muito próximos do presidente Michel Temer – um esquema de corrupção na Caixa Econômica Federal que humilha qualquer Lei das Estatais. O escândalo irá reverberar em parlamentares do partido.

Mas o que amedronta mesmo os peemedebistas, todos sabem, são as 77 delações de executivos da Odebrecht. Elas devem ser publicadas no mês que vem, após autorização do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. O passo seguinte é Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República e um dos principais mentores da Operação Lava-Jato, pedir ao STF que autorize a investigação de parlamentares e ministros.

Os onze juízes do STF terão que escolher entre dinamitar o governo Temer ou frustrar a vontade dos cidadãos de responsabilizar os corruptos. Pior do que uma escolha difícil, ela é imprevisível. Por quê? Porque é praticamente impossível saber como os membros do Supremo se posicionarão sobre qualquer assunto específico. Juristas, acalmem-se: não estou afirmando que não há lógica, digamos, constitucionalista em decisões do STF.

Mas juízes não são políticos. Políticos são fáceis de entender: querem a reeleição (e a continuidade de suas carreiras políticas) a qualquer custo. E para isso precisam de dinheiro para fazer campanha e da anuência de parte do eleitorado (ou sua maioria). Agem de acordo com isso. Os onze juízes do STF já têm sua carreira garantida. Não podem sofrer interferência política clara, nem serem destituídos.

É possível que os políticos se revoltem contra a Suprema Corte a ponto de mudar sua composição? No Brasil democrático, nunca ocorreu. Na Venezuela, Hugo Chávez fez, em maio de 2004, o que se chama de “court packing”: aumentou de 20 para 32 o número de juízes. Ou seja, nomeou 12 livremente, na tentativa de garantir decisões mais afeitas à sua vontade. (Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos por quatro mandatos consecutivos, tentou fazer algo semelhante e não conseguiu.) Essa alternativa não foi aventada por ninguém nos últimos tempos, nem mesmo durante o Mensalão, quando o STF era comandado pelo heterodoxo Joaquim Barbosa. Não há chance, portanto, de o PMDB mudar a composição da Corte para se beneficiar. Isto é ótimo.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) escreveu, em artigo recente para a VEJA, que a população brasileira sabe o nome de todos os ministros do STF – e isso é bom. Mas tenho dúvidas. Quanto mais a opinião pública se preocupa com as posições individuais dos juízes, mais eles tenderão a tomar decisões de acordo com o que intuem que os cidadãos querem. Como disse o sociólogo Pierre Bourdieu, a opinião pública não existe. É uma construção midiática a partir de pesquisas mais ou menos confiáveis. Então os juízes podem optar por satisfazer a maioria dos brasileiros em vez de serem “guardiões da Constituição” – considerando, é claro, que frequentemente a opinião da maioria pode ser contrária à interpretação sobre o que os parlamentares constituintes aprovaram em 1988.

John Rawls, um dos maiores filósofos do século XX, propôs que a Suprema Corte fosse uma instância decisória na qual a deliberação dos juízes fosse completamente descolada do jogo político que envolve presidente e parlamentares – e, indiretamente, os cidadãos. Neste ano, o STF viverá, mais do que nunca, a tensão entre a vontade popular (pró-punição de políticos corruptos) e os direitos constitucionais dos investigados. Felizmente, os relatórios da Operação Lava-Jato têm mostrado que os investigados fornecem, com suas mensagens de whatsapp e emails, provas suficientes para que sejam legitimamente trancados na cadeia.

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