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Mineração de bitcoins e a corrida do ouro digital

Devido ao aumento expressivo em seu preço e adoção, a mineração de bitcoin se tornou um dos assuntos mais procurados em todo o mundo. Entenda como funciona

Mineração de bitcoin  (Bloomberg/Getty Images)
Mineração de bitcoin (Bloomberg/Getty Images)
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Rudá Pellini

Publicado em 5 de abril de 2021 às, 16h54.

Última atualização em 5 de abril de 2021 às, 16h54.

Com as recentes altas do bitcoin e o grande aumento do interesse institucional pelo ativo, aumentam também os investimentos e o interesse em uma das partes mais importantes de todo o ecossistema: a mineração.

O termo mineração faz uma analogia ao processo de extração do ouro e de metais, já que os mineradores de bitcoin são os “produtores” dessa commodity digital. Na prática, minerar consiste em alocar poder computacional e energia elétrica para garantir o funcionamento da rede do bitcoin, validando transações e servindo como a espinha dorsal deste sistema descentralizado.

Uma famosa frase dos anos 1840 diz que “na corrida do ouro, ganha dinheiro quem vende pás e picaretas”. Na corrida do ouro moderna, os fornecedores de infraestrutura e serviços para a rede (e, portanto, os vendedores de pás) são os mineradores.

O resultado desse efeito pode ser facilmente analisado quando olhamos a performance das ações de mineradoras de bitcoin na bolsa em comparação com o próprio ativo.

 

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(Bloomberg/Bloomberg)

 

Como podemos ver no gráfico acima, nos últimos 12 meses, as ações das principais mineradoras de bitcoin listadas em bolsa superaram a performance do bitcoin com um beta alto em relação ao ativo. Os números demonstraram que a cada 1% na variação do preço do bitcoin, as ações dessas mineradoras variaram na média cerca de 2.5%.

Apesar de ainda não termos um longo histórico para medir essa relação, esse efeito é muito comum quando analisamos grandes ciclos de commodities em comparação com suas produtoras.

 

Commodity digital

 

Enquadrar o bitcoin em uma “caixa” é uma tarefa dificílima. Apesar de amplamente conhecido como uma “moeda digital”, em sua tese original ele seria um “Sistema de Dinheiro Eletrônico Ponto-a-Ponto”. Por outro lado, ainda não possui todas as características fundamentais para ser considerado uma moeda: que é ser usado como Meio de Troca, Unidade de Conta e funcionar como uma Reserva de Valor.

Particularmente, entendo o bitcoin como uma espécie de Commodity Digital, já que possui características semelhantes a commodities, como o próprio ouro e a prata, mas é naturalmente digital.

Em uma definição simplista, commodities são mercadorias e correspondem a produtos de qualidade e características uniformes, que não são diferenciados de acordo com quem os produziu ou de sua origem, sendo seu preço determinado pela oferta e demanda internacional.

Como o bitcoin é produzido?

 

Assumindo que ele é uma commodity, podemos entender que as “produtoras” destes ativos são as mineradoras. Na prática, a atividade dos mineradores é uma prestação de serviços de processamento de transações para a rede do bitcoin. A recompensa desse serviço são taxas de transação somadas ao direito de emitir novos bitcoins.

Atualmente, a cada bloco de 10 minutos da blockchain do bitcoin, são emitidos 6.25 novos bitcoins na rede. Essa recompensa é reduzida pela metade a cada 4 anos, fazendo com que o limite de cerca de 21 milhões de bitcoins sejam emitidos somente por volta da década de 2140.

Com a curva de oferta definida e cada vez mais escassa e o aumento da demanda, temos um dos principais drivers de alta de preço para o bitcoin. O aumento de preço faz com que cada vez tenhamos mais mineradores na rede, já que mesmo gerando menos bitcoins, em dólares a atividade ainda é muito lucrativa.

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(Wise&Trust/Divulgação)

Como a rede do bitcoin é descentralizada, em tese qualquer indivíduo pode colocar um computador para ser o “servidor” dessa rede e receber recompensas. Em tese, já que quanto maior o tamanho da rede, maior é a competição entre os participantes deste sistema e, portanto, mais capital é necessário para manter-se competitivo.

São necessários alguns milhões de dólares alocados em infraestrutura de energia, data centers e supercomputadores para iniciar uma operação economicamente viável.

Como o principal insumo desta indústria é energia elétrica, para serem lucrativos os mineradores precisam estar próximos de fontes abundantes e baratas de energia. Distribuídos globalmente, uma pesquisa realizada pela CoinShares Research demostrou que 74.1% da energia utilizada na rede vem de fontes renováveis (usinas hidrelétricas, solares e eólicas).

Quanto custa produzir um bitcoin?

 

Diferente do que acontece com o garimpo do ouro, por exemplo, onde o aumento do preço torna viável operações que não seriam economicamente viáveis pelo alto custo de produção, no caso do bitcoin, o aumento de preço também é um incentivo para a entrada de novos players, mas a oferta se mantém a mesma, dividindo o “pote” entre os já estabelecidos e os novos entrantes.

A consequência então desse efeito, é que o “esforço computacional”, traduzido em energia consumida, requerido para minerar a mesma quantidade de bitcoins acaba sendo maior, ao passo que a rede aumenta. Pensando sob o ponto de vista de uma produtora de commodities, seria como se o custo para produzir a mesma quantidade de sacas de soja aumentasse cada vez que tivéssemos a entrada de novos produtores.

E qual o custo hoje? Gosto de balizar o custo de produção pelo principal insumo, que é a energia. Considerando um Energy Rate de US$ 16 por MWh, que é a faixa de preço energia que estamos fazendo as instalações de nossas novas plantas nos EUA, o custo de energia para se produzir um bitcoin hoje é de cerca de US$ 4200.00. Como energia não é o único custo, mas é o principal, o que vem a seguir são custos operacionais, infraestrutura, impostos, etc.

Vale ressaltar que a necessidade de investimento em infraestrutura é substancialmente elevada para uma operação deste porte.

 

É viável minerar no Brasil?

 

Como comentei, uma operação de mineração demanda uma grande quantidade de energia. No Brasil, grandes consumidores têm acesso ao mercado livre de energia, com preço aproximado de R$ 170 por MWh, equivalente a US$ 30 por MWh considerando a cotação do dólar de R$ 5,50.

Além disso, a importação da infraestrutura e equipamentos é mais complexa, com uma alta incidência de impostos e longo processo de desembaraço alfandegário.

Considerando esses dois pontos, energia e importação, não me parece fazer sentido, sob a ótica de custo de oportunidade, investir em operações desse tipo no Brasil.

Por outro lado, existem algumas alternativas, como o uso de mineração para balanceamento de carga de operações geradoras de energia. Nesse exemplo, o mining funcionaria como uma espécie de “bateria” da rede, operando em momentos de excedente de geração e otimizando a estrutura existente.

Temos alguns projetos para este uso nos EUA e os números são promissores.

 

O grande consumo de energia

 

É inegável que o consumo energético da rede do bitcoin é enorme. Fazendo um comparativo para entender o tamanho da rede em processamento, que hoje é de 160 EH/s, seria como se cada um dos 7 bilhões de seres humanos tivessem cerca de 2000un da última versão do Macbook Pro da Apple usados exclusivamente para processar a rede do bitcoin.

A Universidade de Cambrigde tem um estudo dedicado exclusivamente a entender o consumo energético do bitcoin e inclusive criou um índice, que é o Cambridge Bitcoin Eletricity Consumption Index. Na página, a estimativa atual é de que a rede do bitcoin consuma aproximadamente 16,5GW, equivalente ao consumo energético do Estado de São Paulo.

A questão mais sensível quando falamos de mineração é, portanto, o seu consumo energético. Como o tema é bastante complexo, resolvi dedicar um artigo exclusivo sobre o tema, que será meu próximo artigo aqui no Future of Money.

De qualquer forma, acho importante relembrar: tudo o que fazemos gera um gasto de energia. Energia é a capacidade de algo de realizar trabalho. Toda vez que você levanta da cadeira, você está gerando trabalho e seu corpo requer energia.

Trago aqui em alguns exemplos, que não servem como comparativo, mas podem ajudar a realizarmos algumas reflexões...

No Brasil temos cerca de 160 mil Caixas Eletrônicos, que consomem cerca de 19.2 MWh. No mundo são cerca de 3.6 milhões, que consomem cerca de 432 MWh.

Além disso, só no Brasil temos mais de 19 mil agências bancárias e 18 mil postos de atendimento bancário.

Um outro dado interessante é que somente nos EUA, os dispositivos domésticos que permanecem sempre ligados, mas inativos, consomem anualmente o equivalente à toda a rede do bitcoin em 19 meses.

 

Qual o cenário atual do mercado?

 

Com o aumento da adoção e exposição de investidores institucionais em bitcoin, é natural que sejam feitos grandes investimentos na espinha dorsal deste sistema. Desde o final do ano passado, nomes como Fidelity Investments, Morgan Stanley e Digital Currency Group, entre outros, anunciaram investimentos significativos no setor.

Cabe ressaltar que a indústria de mineração de bitcoins e criptoativos está diretamente relacionada e dependente da indústria de semicondutores. Atualmente, as maiores fornecedoras de semicondutores para o mercado de mining são a TSMC e a Samsung Eletronics. No início de março a Samsung anunciou um investimento de US$ 17 bilhões em uma nova fábrica de chips nos EUA.

Além disso, ao passo que o mercado vai amadurecendo, podemos perceber a consolidação do setor. Uma excelente analogia do que está acontecendo com as mineradoras, é o movimento de consolidação ocorrido com os provedores de internet nos anos 90. Os 43 provedores de internet existentes em 1995 nos EUA, foram consolidadas em apenas 4 até 2014.

Na prática é o movimento concorrencial normal, sobrevirão as empresas que conseguirem ter maior competitividade e eficiência frente ao mercado.

 

Quem são os investidores da mineração atualmente?

 

Sob o ponto de vista de investimentos, como gestora, já viabilizamos o investimento de mais de US$ 12 milhões em operações de mineração desde 2017. Nossa estimativa aqui na Wise&Trust é de pelo menos quadriplicarmos esses investimentos em 2021.

Além das mineradoras listadas em bolsa, ainda não existem veículos para que o investidor de varejo consiga ter exposição em mineração de forma segura. Investidores profissionais e instituições, como Family Offices por exemplo, conseguem acessar veículos privados em jurisdições como os EUA ou Europa. Acredito que ainda neste ano teremos muitas novidades para os investidores que desejam ter exposição nessa indústria de forma segura e regulada.

A indústria de energia também está mirando em investimentos em mineradoras para otimização de suas operações, como comentei alguns parágrafos acima. Um caso recente foi da CleanSpark Inc., empresa americana voltada para microgrids de energia e que fez um primeiro investimento de US$ 20 milhões no setor no final de 2020 e pretende ampliar ainda mais sua estrutura de mineração de bitcoins neste ano.

A tese de investimento mineração de bitcoins também faz sentido para investidores de valor, já que para esse perfil não faz sentido investir em ativos não geradores de caixa. O maior exemplo talvez seja do Warren Buffet, que historicamente foi contra investimentos em ouro, mas assumiu uma posição na mineradora de ouro Barrick Gold Corp.

Com diferentes teses e o aumento do interesse de investidores institucionais por bitcoins, é natural que essa demanda reflita também na espinha dorsal de todo esse sistema. Dito isso, acredito que na corrida do ouro digital, ao invés de pás e picaretas, microprocessadores e energia levarão a melhor.

No curso Decifrando as Criptomoedas" da EXAME Academy, Nicholas Sacchi, head de criptoativos da EXAME, mergulha no universo de criptoativos, com o objetivo de desmistificar e trazer clareza sobre o funcionamento. Confira.