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Temer e o desafio do presidencialismo de coalizão

Estou entre aqueles que entendem que, após os mandatos de FHC e de Lula da Silva, iremos voltar ao padrão de relação poder executivo-poder legislativo que predominou ao longo dos mandatos de José Sarney, Itamar Franco, Collor de Mello e, mais recentemente, Dilma Rousseff. Esses foram presidentes que não lograram apoio de parcelas importantes da […]

MICHEL TEMER: o histórico recente da dinâmica política do país não joga a seu favor /  (Adriano Machado/Reuters)
MICHEL TEMER: o histórico recente da dinâmica política do país não joga a seu favor / (Adriano Machado/Reuters)
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Ricardo Sennes

Publicado em 5 de maio de 2016 às, 12h13.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h20.

Estou entre aqueles que entendem que, após os mandatos de FHC e de Lula da Silva, iremos voltar ao padrão de relação poder executivo-poder legislativo que predominou ao longo dos mandatos de José Sarney, Itamar Franco, Collor de Mello e, mais recentemente, Dilma Rousseff. Esses foram presidentes que não lograram apoio de parcelas importantes da sociedade nem de parte expressiva dos congressistas e sucumbiram por conta disso.

No Brasil, presidentes sem projetos estratégicos consistentes e sem liderança política forte acabaram sendo tragados pela dinâmica pulverizada do congresso nacional e pelas demandas dispersas e massivas de setores empresariais e sociais. No sistema político brasileiro, presidentes fracos acabam seus mandatos imobilizados, na melhor hipótese, ou, na pior, não acabam seus mandatos.

A questão agora se aplica ao vice-presidente Temer. Qual é o tipo e o grau da liderança política do provável próximo presidente do Brasil?

Temer vai se tornar presidente sem, a rigor, ter sido eleito diretamente. Portanto, não terá a legitimidade política dos presidentes recém-eleitos por voto direto de metade do eleitorado nacional. Na verdade, é pouco conhecido da população em geral e, nas pesquisas recentes, aparece com menos de 3% de intenções de votos para 2018. Nesse contexto Temer irá se confrontar, de outro lado, com um conjunto enorme de parlamentares com o peso de terem sido eleitos diretamente. No embate político isso não costuma passar desapercebidamente.

Mas Temer irá assumir a presidência em um momento de comoção nacional. Isso pode lhe conferir certa dose de legitimidade e de apoio no início de seu curto mandato. A urgência do momento pode oferecer a Temer um certo adicional de legitimidade que, em outra condição, não teria. Pode-se esperar uma certa lua de mel em favor do possível novo presidente, mas essa tende a ser curta, possivelmente não mais do que 3 meses.

Por não ter sido eleito diretamente e tendo pouco conhecimento e apoio popular, Temer não tem, a princípio, os traços de uma forte liderança política. É difícil identificar qual bandeira política pode-se associar à figura política de Temer. É um político sem uma identidade programática clara, sem marca distintiva. Se tem alguma característica marcante é a de ser um político de bastidor e não de grandes bandeiras ou embates.

Se Fernando Henrique teve uma agenda estratégica clara – equilíbrio macroeconômico -, e Lula da Silva teve a sua – crescimento econômico e inclusão social – Temer terá como agenda prioritária retirar o Brasil da crise e recolocar a economia para avançar. Tarefa nada fácil para quem tem apenas dois anos de governo pela frente e, a rigor, conhece bem pouco do tema.

Ao contrário de Itamar Franco, o novo presidente não terá a chance de implementar algo semelhante ao que foi o Plano Real. E, portanto, não se beneficiará dos efeitos políticos benéficos que esse plano propiciou. Se de fato prevalecer o nome de Henrique Meirelles para o ministério da fazenda, é de se esperar uma sequência de medidas impopulares ao longo do 1º ano de governo de Temer. Os efeitos sociais da crise econômica deverá piorar mais um pouco antes de melhorar – o que deve ocorrer, mas lentamente – ao longo de 2017 e 2018.

Nessas condições de relativa fraqueza, como projetar a capacidade de liderança de Temer frente ao poderoso e fragmentado congresso nacional? Se para funcionar o presidencialismo de coalizão depende da liderança estratégica e determinada do presidente, isso não parece se encaixar no perfil do quase novo presidente do país. Seu perfil é quase o oposto ao de Lula da Silva e não terá nas mãos o trunfo do Plano Real, como teve FHC.

As contas preliminares indicam que deverão compor a base do governo um conjunto amplo de partidos de centro e de direita. Além do PMDB, devem estar na base do governo parte do PSDB, PSD, PTB, PR, PRB, DEM, PP, SD, PSB e PPS. Em números absolutos, isso representa mais de 60% do congresso, mas reeditará a heterogeneidade da base do 1º governo Dilma Rousseff, com pelo menos 10 partidos aliados, e, do lado da sociedade, apenas um apoio difuso e condicionado. Temer irá enfrentar o inevitável jogo drástico e permanente de barganha por cargos, verbas e programas. Não ser tragado, imobilizado ou consumido por essa dinâmica será bastante difícil.

O futuro presidente pode inaugurar uma nova forma ainda não tentada de lidar com o poder legislativo e a fragmentação partidária. Infelizmente o histórico recente da dinâmica política do país não contribui para que esse seja o cenário mais favorável. Será uma grata surpresa se isso ocorrer.

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