Qual reforma do Estado de fato queremos?
Poucos atores políticos sérios e relevantes no debate público hoje discordam que o tema central da agenda política do Brasil é reforma do Estado. Mas, ao mesmo tempo, poucos convergem sobre as prioridades de onde e como reduzir os gastos e a presença do Estado. Essa agenda está por detrás das medidas de ajustes do […]
Da Redação
Publicado em 14 de julho de 2016 às 12h11.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.
Poucos atores políticos sérios e relevantes no debate público hoje discordam que o tema central da agenda política do Brasil é reforma do Estado. Mas, ao mesmo tempo, poucos convergem sobre as prioridades de onde e como reduzir os gastos e a presença do Estado. Essa agenda está por detrás das medidas de ajustes do governo Temer e será a escolha fundamental a ser feita nas eleições de 2018.
Os mais inocentes e simplistas costumam associar o tamanho e os gastos do Estado – enormes, ineficientes e pouco justos – aos grupos de esquerda ou mesmo ao ciclo político Lula-Dilma. Nessa visão pueril, a ampla presença do Estado na economia, seja nas áreas sociais, no mercado de crédito ou nas centenas de empresas estatais é criação dos agrupamentos políticos com interesses e projetos fortemente esquerdistas. Nada mais equivocado. A esquerda política no Brasil pode até ter um discurso que defende maior presença do Estado na economia e nas áreas sociais, mas nunca teve força ou capacidade de criá-las ao seu modo.
O perfil da presença e dos gastos do Estado brasileiro é fruto de grupos políticos centristas, da direita não-liberal (incluindo aqui os governos militares), de grupos políticos regionais, grupos de interesses de setores empresariais e de funcionários públicos. Cada um a seu modo, eles argumentam em favor do protagonismo do Estado na liderança e financiamento em várias áreas, mas sempre fazendo referência ao interesse nacional.
Como exemplos mais eloquentes temos a criação do BNDES e da Petrobras. Em nenhum dos dois casos existia uma visão esquerdista por detrás, mas sim nacionalista, com o objetivo de financiar as empresas nacionais emergentes, no primeiro caso, e de controlar recursos nacionais estratégicos, no outro caso. Fazendo um paralelo com o período militar, em particular no governo Geisel, inúmeras estatais foram criadas sem, obviamente, o intuito de desenvolver um projeto de esquerda.
Em mais de 200 anos de existência, o Banco do Brasil se consolidou como o principal financiador da agricultura no país, ao lado de seu perfil de banco de varejo. Com história distinta, a Caixa Econômica Federal passou a desempenhar a função de principal financiadora do setor imobiliário e de infraestrutura urbana no país. Mais uma vez, nenhum deles respondeu a um projeto de estatista, mas sim a projetos de desenvolvimento, focados em diferentes agendas setoriais e grupos de interesses.
Ou seja, o aparato de empresas estatais no Brasil nada tem a ver com projetos de esquerda ou com instrumentos de distribuição de renda ou de benefícios às classes baixas. Elas foram criadas por governos de centro e de direita com diferentes versões sobre interesse e desenvolvimento nacional.
Uma breve análise pode ilustrar as forças de interesses que atingem os gastos sociais, principalmente no campo da educação e da saúde no Brasil. O gasto público saúde, medido como percentual do PIB – cerca de 4,5% -, é mais baixo do que o de vários países da América Latina, inclusive aqueles com menor nível de desenvolvimento. Embora a concepção do Sistema Único de Saúde (SUS) tenha claramente um viés socialista, o Estado brasileiro nunca destinou a esse setor o que estaria definido na Constituição. Se a esquerda ganhou o debate conceitual, não logrou ganhar a negociação orçamentária.
Algo semelhante ocorre no campo da educação. Embora seja um direito constitucional, as distorções da alocação de orçamento público para esse campo são notórias. Enquanto as classes baixas do país seguem com educação básica de péssima qualidade, uma proporção enorme do orçamento é canalizada para as universidades públicas frequentadas em sua maioria por egressos de escolas privadas.
Como último exemplo de fonte de gastos públicos que não faz parte de um projeto de esquerda temos a previdência social. O sistema foi estruturado ao longo de várias décadas e universalizado durante o governo militar quando se decidiu pela garantia à aposentadoria para a classe trabalhadora rural ainda que ela não tenha feito contribuições. Tal decisão foi ratificada pela constituição de 1988. Hoje, 80% dos aposentados e pensionistas recebem um salário mínimo. Apenas 20% recebem acima desse valor.
Este histórico indica que a elite política e econômica brasileira vê no Estado um agente fundamental para várias atividades que não apenas as suas essenciais, e ajuda a explicar o tamanho e o perfil do atual Estado brasileiro, mesmo sem um projeto de esquerda. Nos últimos 30 anos, o partido que mais atuou para a expansão do Estado na economia brasileira foi o PMDB, conforme já abordado nesta coluna anteriormente.
A reforma do Estado passa pela decisão de qual tamanho de Estado essa elite política deseja, e em quais áreas ela atuará — independentemente de ser um partido de esquerda ou direita. Será preciso definir ainda quais interesses serão acomodados e em detrimento de quais outros. Distanciando-se um pouco da polarização da discussão política, o governo Temer e as eleições de 2018 serão responsáveis por dar novos contornos ao modelo nacionalista atual ou de manter, por mais alguns anos, este perfil.
Poucos atores políticos sérios e relevantes no debate público hoje discordam que o tema central da agenda política do Brasil é reforma do Estado. Mas, ao mesmo tempo, poucos convergem sobre as prioridades de onde e como reduzir os gastos e a presença do Estado. Essa agenda está por detrás das medidas de ajustes do governo Temer e será a escolha fundamental a ser feita nas eleições de 2018.
Os mais inocentes e simplistas costumam associar o tamanho e os gastos do Estado – enormes, ineficientes e pouco justos – aos grupos de esquerda ou mesmo ao ciclo político Lula-Dilma. Nessa visão pueril, a ampla presença do Estado na economia, seja nas áreas sociais, no mercado de crédito ou nas centenas de empresas estatais é criação dos agrupamentos políticos com interesses e projetos fortemente esquerdistas. Nada mais equivocado. A esquerda política no Brasil pode até ter um discurso que defende maior presença do Estado na economia e nas áreas sociais, mas nunca teve força ou capacidade de criá-las ao seu modo.
O perfil da presença e dos gastos do Estado brasileiro é fruto de grupos políticos centristas, da direita não-liberal (incluindo aqui os governos militares), de grupos políticos regionais, grupos de interesses de setores empresariais e de funcionários públicos. Cada um a seu modo, eles argumentam em favor do protagonismo do Estado na liderança e financiamento em várias áreas, mas sempre fazendo referência ao interesse nacional.
Como exemplos mais eloquentes temos a criação do BNDES e da Petrobras. Em nenhum dos dois casos existia uma visão esquerdista por detrás, mas sim nacionalista, com o objetivo de financiar as empresas nacionais emergentes, no primeiro caso, e de controlar recursos nacionais estratégicos, no outro caso. Fazendo um paralelo com o período militar, em particular no governo Geisel, inúmeras estatais foram criadas sem, obviamente, o intuito de desenvolver um projeto de esquerda.
Em mais de 200 anos de existência, o Banco do Brasil se consolidou como o principal financiador da agricultura no país, ao lado de seu perfil de banco de varejo. Com história distinta, a Caixa Econômica Federal passou a desempenhar a função de principal financiadora do setor imobiliário e de infraestrutura urbana no país. Mais uma vez, nenhum deles respondeu a um projeto de estatista, mas sim a projetos de desenvolvimento, focados em diferentes agendas setoriais e grupos de interesses.
Ou seja, o aparato de empresas estatais no Brasil nada tem a ver com projetos de esquerda ou com instrumentos de distribuição de renda ou de benefícios às classes baixas. Elas foram criadas por governos de centro e de direita com diferentes versões sobre interesse e desenvolvimento nacional.
Uma breve análise pode ilustrar as forças de interesses que atingem os gastos sociais, principalmente no campo da educação e da saúde no Brasil. O gasto público saúde, medido como percentual do PIB – cerca de 4,5% -, é mais baixo do que o de vários países da América Latina, inclusive aqueles com menor nível de desenvolvimento. Embora a concepção do Sistema Único de Saúde (SUS) tenha claramente um viés socialista, o Estado brasileiro nunca destinou a esse setor o que estaria definido na Constituição. Se a esquerda ganhou o debate conceitual, não logrou ganhar a negociação orçamentária.
Algo semelhante ocorre no campo da educação. Embora seja um direito constitucional, as distorções da alocação de orçamento público para esse campo são notórias. Enquanto as classes baixas do país seguem com educação básica de péssima qualidade, uma proporção enorme do orçamento é canalizada para as universidades públicas frequentadas em sua maioria por egressos de escolas privadas.
Como último exemplo de fonte de gastos públicos que não faz parte de um projeto de esquerda temos a previdência social. O sistema foi estruturado ao longo de várias décadas e universalizado durante o governo militar quando se decidiu pela garantia à aposentadoria para a classe trabalhadora rural ainda que ela não tenha feito contribuições. Tal decisão foi ratificada pela constituição de 1988. Hoje, 80% dos aposentados e pensionistas recebem um salário mínimo. Apenas 20% recebem acima desse valor.
Este histórico indica que a elite política e econômica brasileira vê no Estado um agente fundamental para várias atividades que não apenas as suas essenciais, e ajuda a explicar o tamanho e o perfil do atual Estado brasileiro, mesmo sem um projeto de esquerda. Nos últimos 30 anos, o partido que mais atuou para a expansão do Estado na economia brasileira foi o PMDB, conforme já abordado nesta coluna anteriormente.
A reforma do Estado passa pela decisão de qual tamanho de Estado essa elite política deseja, e em quais áreas ela atuará — independentemente de ser um partido de esquerda ou direita. Será preciso definir ainda quais interesses serão acomodados e em detrimento de quais outros. Distanciando-se um pouco da polarização da discussão política, o governo Temer e as eleições de 2018 serão responsáveis por dar novos contornos ao modelo nacionalista atual ou de manter, por mais alguns anos, este perfil.