Papel do Brasil no Mercosul
A vitória de Macri na Argentina e a mudança do governo no Brasil, ainda que provisória, trouxeram o Mercosul de volta ao debate. As iniciativas de Macri no campo internacional estão puxando o Brasil, e trazendo para a agenda temas que tinham perdido espaço nos últimos anos do governo Dilma. O Brasil volta, assim, a […]
Da Redação
Publicado em 23 de junho de 2016 às 12h27.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.
A vitória de Macri na Argentina e a mudança do governo no Brasil, ainda que provisória, trouxeram o Mercosul de volta ao debate. As iniciativas de Macri no campo internacional estão puxando o Brasil, e trazendo para a agenda temas que tinham perdido espaço nos últimos anos do governo Dilma. O Brasil volta, assim, a ter que discutir o que espera da região sul-americana e o que está disposto a ceder aos seus vizinhos para atingir seus objetivos comerciais.
Entre os vários acordos de caráter regional que o Brasil faz parte, o Mercosul é, sem dúvida, o que mais impacta seu ambiente doméstico, além de obrigar o país a alterar pelo menos parte de seu ordenamento interno. Ainda assim, essa atuação se dá de maneira rasa e bastante heterogênea, pois ao mesmo tempo em que o acordo afeta fortemente, por exemplo, os setores automobilístico, químico, de máquina e equipamentos e têxteis, tem muito pouco impacto nos setores de soja, avião, software, entre outros. A classificação mais utilizada para descrever o Mercosul é de uma zona de livre comércio imperfeita e uma união aduaneira incompleta.
Ao contrário do que predomina na opinião pública brasileira, que insiste em ver nos parceiros do bloco as principais causas para suas distorções, os maiores vetores desse processo estão no Brasil. Como somos 75% da economia e da população do bloco, temos 75% da responsabilidade pelo seu formato atual. Portanto, considerando a nossa preponderância, faz pouco sentido considerar o nosso país o elo fraco das negociações. O Mercosul é e será, em grande medida, o que o Brasil quiser que ele seja. E, até o momento, o país tem optado pela modelagem distorcida que o acordo apresenta hoje.
Três temas contribuem para essas distorções e, na maior parte das vezes, em favor do Brasil. O primeiro deles é o fato do país ser campeão em firmar acordos e, nos poucos casos em que eles são internalizados, aplicar as medidas adotadas de forma muito precária. Nos últimos 25 anos de acordos regionais, acumularam-se reclamações de que as cúpulas dos ministérios envolvidos nas negociações se mostram incapazes de implementar as decisões por conta de pressões políticas ou por ingerências e insubordinação de agentes da Receita Federal, de polícias federais rodoviárias, da Anvisa e outras agências reguladoras e fiscalizadoras.
No Brasil, entre um acordo e sua implementação existe um sem fim de detalhes, entraves, barreiras não explícitas. O mesmo ocorre com nossos vizinhos, mas em uma dimensão muito mais reduzida, conforme apontam pesquisas do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e CINDES (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento). Até o momento, porém, essas pesquisas ainda não fizeram o Brasil questionar e repensar a implementação de medidas do bloco.
O segundo tema que favorece a distorção do Mercosul é a enorme assimetria do poder de fogo do estado brasileiro no que tange a políticas industriais em suas várias formas, como incentivos fiscais, créditos subsidiados, compras públicas preferenciais, entre outros mecanismos de fomento. Não há dúvida de que todos eles são legais e legítimos, embora possa se discutir sua eficácia para aumentar a competitividade desses setores. A questão é que eles desequilibram de forma brutal o jogo regional. No caso, por exemplo, da política de crédito subsidiado, o aparato que o Brasil dispõe com BNDES, CEF, BB, Banco do Nordeste, FINEP ou Fundos Setoriais não tem paralelo nos demais países do Mercosul (aliás, em nenhum país da América Latina).
Será difícil avançar em acordos mais profundos na região sem dar um tratamento mais equitativo aos demais países. Há pelo menos duas maneiras de atingir esse objetivo. De um lado, gerando algum tipo de compensação para nossos parceiros em setores com fortes incentivos no Brasil; de outro, buscando formas de reforçar políticas de crédito regional. Como o Mercosul não prevê um banco de fomento, o candidato natural para ocupar essa função é a CAF, hoje banco de desenvolvimento da América Latina. É necessário levar a sério essa dimensão da assimetria entre os países do Mercosul se quisermos de fato apostar em um arranjo regional equilibrado, dinâmico e sustentável.
Por fim, o câmbio é o último tema de interferência no bloco. Neste caso, não há ganhadores. Nem o Brasil, nem os demais países. A cada ciclo cambial de seus membros, o bloco como um todo é fortemente afetado. O principal preço entre os países é o preço das moedas. As alterações abruptas dos câmbios entre esses países, como foi no Brasil no último ano, deixa qualquer negociação de tarifa absolutamente irrelevante. Com a taxa de câmbio variando 40% em menos de 12 meses, não existe cadeia de produção regionalizada que sobreviva. Quando isso ocorre a cada três ou quatro anos, a fragilidade do bloco comercial fica exposta.
É urgente que o Mercosul seja capaz de desenvolver e implementar mecanismos que reduzam o efeito dos ciclos cambiais no comércio regional. Se nas décadas anteriores o CCR – Convênio de Crédito Recíproco – foi uma solução, hoje o mecanismo deve ser via mercado financeiro. Uma plataforma de contratos de câmbio, com uma clearing house regional, que permita a estruturação de operações financeiras com capacidade de mitigar os riscos cambiais envolvidos, pode ser uma solução possível.
O fato do Mercosul ter sido até hoje capturado por inúmeros interesses setoriais e sub-setoriais, principalmente do lado brasileiro, não significa que essa lógica deva prevalecer. É plenamente possível a recuperação da coerência para garantir maior eficiência econômica do bloco. Entretanto, para que isso aconteça é necessário avançar em pontos muito caros ao Brasil.
A vitória de Macri na Argentina e a mudança do governo no Brasil, ainda que provisória, trouxeram o Mercosul de volta ao debate. As iniciativas de Macri no campo internacional estão puxando o Brasil, e trazendo para a agenda temas que tinham perdido espaço nos últimos anos do governo Dilma. O Brasil volta, assim, a ter que discutir o que espera da região sul-americana e o que está disposto a ceder aos seus vizinhos para atingir seus objetivos comerciais.
Entre os vários acordos de caráter regional que o Brasil faz parte, o Mercosul é, sem dúvida, o que mais impacta seu ambiente doméstico, além de obrigar o país a alterar pelo menos parte de seu ordenamento interno. Ainda assim, essa atuação se dá de maneira rasa e bastante heterogênea, pois ao mesmo tempo em que o acordo afeta fortemente, por exemplo, os setores automobilístico, químico, de máquina e equipamentos e têxteis, tem muito pouco impacto nos setores de soja, avião, software, entre outros. A classificação mais utilizada para descrever o Mercosul é de uma zona de livre comércio imperfeita e uma união aduaneira incompleta.
Ao contrário do que predomina na opinião pública brasileira, que insiste em ver nos parceiros do bloco as principais causas para suas distorções, os maiores vetores desse processo estão no Brasil. Como somos 75% da economia e da população do bloco, temos 75% da responsabilidade pelo seu formato atual. Portanto, considerando a nossa preponderância, faz pouco sentido considerar o nosso país o elo fraco das negociações. O Mercosul é e será, em grande medida, o que o Brasil quiser que ele seja. E, até o momento, o país tem optado pela modelagem distorcida que o acordo apresenta hoje.
Três temas contribuem para essas distorções e, na maior parte das vezes, em favor do Brasil. O primeiro deles é o fato do país ser campeão em firmar acordos e, nos poucos casos em que eles são internalizados, aplicar as medidas adotadas de forma muito precária. Nos últimos 25 anos de acordos regionais, acumularam-se reclamações de que as cúpulas dos ministérios envolvidos nas negociações se mostram incapazes de implementar as decisões por conta de pressões políticas ou por ingerências e insubordinação de agentes da Receita Federal, de polícias federais rodoviárias, da Anvisa e outras agências reguladoras e fiscalizadoras.
No Brasil, entre um acordo e sua implementação existe um sem fim de detalhes, entraves, barreiras não explícitas. O mesmo ocorre com nossos vizinhos, mas em uma dimensão muito mais reduzida, conforme apontam pesquisas do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e CINDES (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento). Até o momento, porém, essas pesquisas ainda não fizeram o Brasil questionar e repensar a implementação de medidas do bloco.
O segundo tema que favorece a distorção do Mercosul é a enorme assimetria do poder de fogo do estado brasileiro no que tange a políticas industriais em suas várias formas, como incentivos fiscais, créditos subsidiados, compras públicas preferenciais, entre outros mecanismos de fomento. Não há dúvida de que todos eles são legais e legítimos, embora possa se discutir sua eficácia para aumentar a competitividade desses setores. A questão é que eles desequilibram de forma brutal o jogo regional. No caso, por exemplo, da política de crédito subsidiado, o aparato que o Brasil dispõe com BNDES, CEF, BB, Banco do Nordeste, FINEP ou Fundos Setoriais não tem paralelo nos demais países do Mercosul (aliás, em nenhum país da América Latina).
Será difícil avançar em acordos mais profundos na região sem dar um tratamento mais equitativo aos demais países. Há pelo menos duas maneiras de atingir esse objetivo. De um lado, gerando algum tipo de compensação para nossos parceiros em setores com fortes incentivos no Brasil; de outro, buscando formas de reforçar políticas de crédito regional. Como o Mercosul não prevê um banco de fomento, o candidato natural para ocupar essa função é a CAF, hoje banco de desenvolvimento da América Latina. É necessário levar a sério essa dimensão da assimetria entre os países do Mercosul se quisermos de fato apostar em um arranjo regional equilibrado, dinâmico e sustentável.
Por fim, o câmbio é o último tema de interferência no bloco. Neste caso, não há ganhadores. Nem o Brasil, nem os demais países. A cada ciclo cambial de seus membros, o bloco como um todo é fortemente afetado. O principal preço entre os países é o preço das moedas. As alterações abruptas dos câmbios entre esses países, como foi no Brasil no último ano, deixa qualquer negociação de tarifa absolutamente irrelevante. Com a taxa de câmbio variando 40% em menos de 12 meses, não existe cadeia de produção regionalizada que sobreviva. Quando isso ocorre a cada três ou quatro anos, a fragilidade do bloco comercial fica exposta.
É urgente que o Mercosul seja capaz de desenvolver e implementar mecanismos que reduzam o efeito dos ciclos cambiais no comércio regional. Se nas décadas anteriores o CCR – Convênio de Crédito Recíproco – foi uma solução, hoje o mecanismo deve ser via mercado financeiro. Uma plataforma de contratos de câmbio, com uma clearing house regional, que permita a estruturação de operações financeiras com capacidade de mitigar os riscos cambiais envolvidos, pode ser uma solução possível.
O fato do Mercosul ter sido até hoje capturado por inúmeros interesses setoriais e sub-setoriais, principalmente do lado brasileiro, não significa que essa lógica deva prevalecer. É plenamente possível a recuperação da coerência para garantir maior eficiência econômica do bloco. Entretanto, para que isso aconteça é necessário avançar em pontos muito caros ao Brasil.