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Os blocos de carnaval e a ocupação do espaço público

O crescimento dos blocos de rua no Brasil está surpreendendo muita gente. Em poucos anos os blocos passaram de algumas dezenas para alguns milhares tanto nas grandes cidades como nas médias e do interior. Algumas estatísticas indicam que eles já mobilizam mais pessoas e mais recursos do que o carnaval semiprofissionalizado das escolas de samba. […]

 (Nacho Doce/Reuters)
(Nacho Doce/Reuters)
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Ricardo Sennes

Publicado em 3 de março de 2017 às, 16h04.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h29.

O crescimento dos blocos de rua no Brasil está surpreendendo muita gente. Em poucos anos os blocos passaram de algumas dezenas para alguns milhares tanto nas grandes cidades como nas médias e do interior. Algumas estatísticas indicam que eles já mobilizam mais pessoas e mais recursos do que o carnaval semiprofissionalizado das escolas de samba. Esse fenômeno pode ser associado a transformações na sociedade brasileira com reflexos na política.

Os blocos estão sendo vistos como parte de um movimento de ocupação dos espaços públicos urbanos pelas classes médias e médias baixas. É notável, nesse sentido, o que vem ocorrendo em relação a parques públicos, museus e exposições nas principais cidades do país, além das iniciativas de abrir avenidas e bairros para atividades culturais, passeios, shows ou encontros de amigos. Programações ousadas como Virada Cultural, Virada Sustentável e Virada da Educação buscam também ocupar de maneira intensa e diversificada amplas áreas urbanas centrais, mobilizando milhares de pessoas para temas de políticas públicas.

As políticas de revitalização dos centros de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, São Luiz, entre outras, encaixam-se nesse movimento. A tendência vem desde a década de 1990, mas ganhou intensidade nos últimos anos por causa do longo ciclo de crescimento econômico que antecedeu a atual crise. Vale notar que, nesse quesito, o Brasil vem seguindo tendência internacional. Basta ver o que tem ocorrido em cidades como Nova York, Miami, Washington, Cape Town, Bueno Aires, entre vários outros.

Mas as ruas também têm sido crescentemente ocupadas por manifestações e protestos políticos. Se nos anos 80 o predomínio do ativismo no Brasil era das classes baixas e dos “descamisados”, nos últimos cinco anos são as classes médias que têm ido para as ruas de maneira sistemática. O ano de 2013 é uma referência nesse sentido. Essas manifestações levaram para as ruas estudantes que antes se restringiam aos seus centros acadêmicos, famílias que não iam para as ruas desde as Diretas Já, coletivos identificados com temas específicos, além dos tradicionais grupos de esquerda e sindicatos que, mesmo fragilizados pela crise do bloco Lula-Dilma, seguem com capacidade de mobilizar grupos urbanos.

Como bem lembrou Marcelo Coelho em coluna recente, a passeata do orgulho LGBT é um marco nesse movimento de ocupação dos espaços públicos urbanos pela sociedade civil, com destaque para São Paulo. Com quase 20 anos de existência, trata-se do segundo maior evento em termos de público e turismo estrangeiro, apenas atrás do carnaval do Rio de Janeiro.

Sendo assim, fica claro que o crescimento dos blocos de rua no carnaval não é um fenômeno isolado. Faz parte de uma mudança na forma como populações urbanas se relacionam com os espaços e temas públicos e com os movimentos políticos. Guarda também relação com o aumento da renda do país nas últimas duas décadas, a ampliação das classes médias, a melhoria das políticas urbanas e investimentos do governo em parques e áreas públicas, o aumento no nível educacional médio dos jovens brasileiros (hoje, mais de 90% deles finalizaram o ciclo básico) e a crescente conectividade entre eles.

Em meio à crise política e ao desânimo que o país vive nos últimos anos, assistir a vitalidade da sociedade civil brasileira é um sinal positivo de que o país está mudando.

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