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O papel do Brasil em relação à estabilidade política na América do Sul

A atual crise na Venezuela merece a atenção dos brasileiros que se preocupam com a estabilidade política da América do Sul. A emergência política de Hugo Chávez é resultado do enorme desgaste político e social da Venezuela nos anos 90, quando quase dois terços da população foi rebaixada à pobreza. Quando Chávez foi eleito em […]

HUGO CHÁVEZ: quando eleito, em 1998, os partidos tradicionais eram as instituições mais odiadas da Venezuela / Spencer Platt / Getty Images
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Da Redação

Publicado em 1 de junho de 2016 às 10h38.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h45.

A atual crise na Venezuela merece a atenção dos brasileiros que se preocupam com a estabilidade política da América do Sul.

A emergência política de Hugo Chávez é resultado do enorme desgaste político e social da Venezuela nos anos 90, quando quase dois terços da população foi rebaixada à pobreza. Quando Chávez foi eleito em 1998, os partidos tradicionais eram as instituições mais odiadas entre uma lista de 35 instituições no país. Ou seja, Chávez é fruto da negação do status quo por parte de parcelas significativas da população, e não uma preferência por um possível projeto político. É inegável que, ao longo de seu ciclo de governo, Chávez promoveu uma forte transferência de renda para segmentos mais pobres da população. Essa política foi reforçada pela alta do petróleo, que gerou um excedente de recursos tanto para o orçamento do estado como para o caixa da PDVSA, este gerido diretamente pelo presidente, sem participação do Congresso.

A tentativa de golpe contra o governo de Chávez em 2002 e o boicote da oposição às eleições parlamentares de 2005 foram movimentações desastrosas da oposição. Por um lado, as duas derrotas demonstraram sua fraqueza política e, por outro, ficou claro seu desprezo pelo processo eleitoral e institucional, antecipando a estratégia de poder que Chávez adotaria de forma explícita nos anos seguintes, aproveitando-se da fragilidade crescente da oposição para ganhar respaldo nas urnas.

Ressalto que não foi aí que Chávez feriu o processo democrático, mas, sim, na crescente preponderância do Executivo sobre os demais poderes. Isso se deu pelo caixa extraordinário derivado pela alta do preço do petróleo, pelas intervenções do presidente sobre as cortes supremas do país e foi reforçado pelo boicote da oposição às eleições parlamentares que permitiu a Chávez maioria esmagadora no Parlamento. Ações sistemáticas e cirúrgicas foram efetuadas na cúpula das forças armadas do país, que resultaram também num crescente alinhamento. Ao inovar, ele deixou a própria OEA e países como o Brasil com poucos instrumentos para atuar na contenção desse processo.

A situação apenas começou a se alterar com o fim do ciclo do petróleo e com a escassez crescente de recursos para sustentar as políticas redistributivas e de cooptação, agravadas pelos resultados negativos das políticas industriais no campo do petróleo, da produção industrial e de serviços, em especial o de distribuição. Já sem base econômica, Chávez morreu antes mesmo de sua quarta posse em 2013, o que desmontou também sua base política.

A oposição seguiu ainda muito dividida e enfrentou uma grave crise de legitimidade. Incrível que, mesmo com o desastre econômico e social instalado no país, a população resistiu em ver na oposição uma opção inteiramente crível. Nas eleições parlamentares de 2015, após 16 anos da eleição de Chávez, foi a primeira vez que a oposição voltou a ganhar algum espaço importante no processo decisório, ainda que de forma fragmentada.

Não está claro o desfecho dessa crise, sendo que se acumulam sinais de que uma transição pacífica não será a mais provável. Centenas de milícias civis estão armadas e atuantes. É difícil prever se parcelas das forças armadas decidirão intervir, mesmo sem consenso interno.

Qualquer que seja o resultado, a liderança regional brasileira já foi abalada. Faltou ao país capacidade para lidar com uma dinâmica política claramente nociva aos seus interesses. Após a importante e bem-sucedida liderança do Brasil em 2002 para reverter o golpe de Estado contra o presidente eleito, o acúmulo do capital político conquistado não foi utilizado para conter a crescente instabilidade interna e externa criada por Chávez. Além disso, cresceram os custos para fazê-lo, ainda mais se considerarmos que, possivelmente, não atingimos o ápice da crise, que pode vir a ser uma situação de golpe militar ou desordem social profunda.

É clara, também, a falta de instrumentos para uma ação coordenada da região. Isso porque as cláusulas negociadas tanto no Mercosul como na Unasur em relação aos desvios de processos democráticos na região são frágeis. Ao Brasil interessa o fortalecimento de tais instrumentos, uma vez que é o país mais sólido institucionalmente e com maior potencial pode ter seus interesses afetados com crises políticas agudas na região.

Dada a notória desigualdade que persiste mesmo com o avanço de políticas corretivas nos últimos anos, crises políticas e institucionais devem seguir ocorrendo na América do Sul. O Brasil, caso queira seguir exercendo uma liderança estabilizadora na região, terá de investir na sofisticação de instrumentos políticos voltados para conter ou mitigar as tensões institucionais nos países vizinhos. Focar formalismos ou estritamente os processos eleitorais não será mais suficiente; será necessário avançar para modelos mais próximos aos adotados pela União Europeia. O custo de fazê-lo parece menor do que o de não o fazer.

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A atual crise na Venezuela merece a atenção dos brasileiros que se preocupam com a estabilidade política da América do Sul.

A emergência política de Hugo Chávez é resultado do enorme desgaste político e social da Venezuela nos anos 90, quando quase dois terços da população foi rebaixada à pobreza. Quando Chávez foi eleito em 1998, os partidos tradicionais eram as instituições mais odiadas entre uma lista de 35 instituições no país. Ou seja, Chávez é fruto da negação do status quo por parte de parcelas significativas da população, e não uma preferência por um possível projeto político. É inegável que, ao longo de seu ciclo de governo, Chávez promoveu uma forte transferência de renda para segmentos mais pobres da população. Essa política foi reforçada pela alta do petróleo, que gerou um excedente de recursos tanto para o orçamento do estado como para o caixa da PDVSA, este gerido diretamente pelo presidente, sem participação do Congresso.

A tentativa de golpe contra o governo de Chávez em 2002 e o boicote da oposição às eleições parlamentares de 2005 foram movimentações desastrosas da oposição. Por um lado, as duas derrotas demonstraram sua fraqueza política e, por outro, ficou claro seu desprezo pelo processo eleitoral e institucional, antecipando a estratégia de poder que Chávez adotaria de forma explícita nos anos seguintes, aproveitando-se da fragilidade crescente da oposição para ganhar respaldo nas urnas.

Ressalto que não foi aí que Chávez feriu o processo democrático, mas, sim, na crescente preponderância do Executivo sobre os demais poderes. Isso se deu pelo caixa extraordinário derivado pela alta do preço do petróleo, pelas intervenções do presidente sobre as cortes supremas do país e foi reforçado pelo boicote da oposição às eleições parlamentares que permitiu a Chávez maioria esmagadora no Parlamento. Ações sistemáticas e cirúrgicas foram efetuadas na cúpula das forças armadas do país, que resultaram também num crescente alinhamento. Ao inovar, ele deixou a própria OEA e países como o Brasil com poucos instrumentos para atuar na contenção desse processo.

A situação apenas começou a se alterar com o fim do ciclo do petróleo e com a escassez crescente de recursos para sustentar as políticas redistributivas e de cooptação, agravadas pelos resultados negativos das políticas industriais no campo do petróleo, da produção industrial e de serviços, em especial o de distribuição. Já sem base econômica, Chávez morreu antes mesmo de sua quarta posse em 2013, o que desmontou também sua base política.

A oposição seguiu ainda muito dividida e enfrentou uma grave crise de legitimidade. Incrível que, mesmo com o desastre econômico e social instalado no país, a população resistiu em ver na oposição uma opção inteiramente crível. Nas eleições parlamentares de 2015, após 16 anos da eleição de Chávez, foi a primeira vez que a oposição voltou a ganhar algum espaço importante no processo decisório, ainda que de forma fragmentada.

Não está claro o desfecho dessa crise, sendo que se acumulam sinais de que uma transição pacífica não será a mais provável. Centenas de milícias civis estão armadas e atuantes. É difícil prever se parcelas das forças armadas decidirão intervir, mesmo sem consenso interno.

Qualquer que seja o resultado, a liderança regional brasileira já foi abalada. Faltou ao país capacidade para lidar com uma dinâmica política claramente nociva aos seus interesses. Após a importante e bem-sucedida liderança do Brasil em 2002 para reverter o golpe de Estado contra o presidente eleito, o acúmulo do capital político conquistado não foi utilizado para conter a crescente instabilidade interna e externa criada por Chávez. Além disso, cresceram os custos para fazê-lo, ainda mais se considerarmos que, possivelmente, não atingimos o ápice da crise, que pode vir a ser uma situação de golpe militar ou desordem social profunda.

É clara, também, a falta de instrumentos para uma ação coordenada da região. Isso porque as cláusulas negociadas tanto no Mercosul como na Unasur em relação aos desvios de processos democráticos na região são frágeis. Ao Brasil interessa o fortalecimento de tais instrumentos, uma vez que é o país mais sólido institucionalmente e com maior potencial pode ter seus interesses afetados com crises políticas agudas na região.

Dada a notória desigualdade que persiste mesmo com o avanço de políticas corretivas nos últimos anos, crises políticas e institucionais devem seguir ocorrendo na América do Sul. O Brasil, caso queira seguir exercendo uma liderança estabilizadora na região, terá de investir na sofisticação de instrumentos políticos voltados para conter ou mitigar as tensões institucionais nos países vizinhos. Focar formalismos ou estritamente os processos eleitorais não será mais suficiente; será necessário avançar para modelos mais próximos aos adotados pela União Europeia. O custo de fazê-lo parece menor do que o de não o fazer.

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