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O acordo de paz na Colômbia e a ausência do Brasil

O acordo de paz na Colômbia é, possivelmente, o evento mais relevante no campo da geopolítica regional das últimas décadas. E, lamentavelmente, a contribuição do Brasil para essa conquista foi muito pequena. Criada nos anos 60, como tantos outros movimentos guerrilheiros de esquerda na América Latina, as FARC cresceram se financiando a partir de atividades […]

OBRA PARA CELEBRAR O ACORDO DE PAZ: perdemos uma chance de aprofundar uma relação de cooperação com um vizinho importante / John Vizcaino/ Reuters
OBRA PARA CELEBRAR O ACORDO DE PAZ: perdemos uma chance de aprofundar uma relação de cooperação com um vizinho importante / John Vizcaino/ Reuters
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Ricardo Sennes

Publicado em 30 de setembro de 2016 às, 09h48.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h26.

O acordo de paz na Colômbia é, possivelmente, o evento mais relevante no campo da geopolítica regional das últimas décadas. E, lamentavelmente, a contribuição do Brasil para essa conquista foi muito pequena.

Criada nos anos 60, como tantos outros movimentos guerrilheiros de esquerda na América Latina, as FARC cresceram se financiando a partir de atividades econômicas lícitas e ilícitas. No seu auge, contaram com cerca de 16 mil combatentes e chegaram a controlar quase 30% do território colombiano. Os conflitos produziram 260 mil mortos, quase 7 milhões de deslocados e 45.000 desaparecidos. Além disso, sua associação com o tráfico de droga internacional gerou desdobramentos em outras regiões do mundo, em particular os EUA.

Ao contrário de outros grupos armados, as FARC ainda detinham notável capacidade de resistência frente no início dos anos 2000. Contando com pouquíssimo apoio internacional, o governo colombiano já havia tentando outras vezes alcançar um acordo de paz com grupos menores. Alguns deles foram assinados e implementados, mas as negociações com as FARC nunca haviam avançado.

Nessa época, já era evidente a limitação de capacidade do governo colombiano para lidar com as FARC. Além da ligação com o bilionário negócios das drogas, a posição nas montanhas e permanente deslocamento tornavam o combate com o grupo muito difícil. Temendo que o conflito entrasse em seus territórios, os países vizinhos, notoriamente o Brasil, se recusavam a apoiar de forma efetiva o governo colombiano.

Entretanto, tratava-se de um problema regional, ainda que se recusassem a admitir. Notícias de que as FARC haviam cruzado as fronteiras colombianas para fugir dos ataques do exército e para ter bases de apoio eram recorrentes, assim como denúncias de ligação entre o crime organizado de países vizinhos e colombianos. Dois episódios ilustraram o quanto a não cooperação regional favorecia a operação das FARC e dos narcotraficantes.

Em 2001, após inúmeros avisos de que estava crescendo a ligação entre o tráfico de drogas no Brasil e na Colômbia, uma operação do exército colombiano com apoio do governo dos EUA capturou Fernandinho Beira-Mar, o maior traficante brasileiro da época. No segundo episódio, em 2008, o governo de Uribe autorizou um ataque aéreo contra uma base das FARC em território equatoriano. Na operação, matou um dos mais importantes líderes do movimento e apreendeu computadores e materiais com informações sobre as estratégias e táticas do grupo.

Foi apenas com o acordo entre Colômbia e os Estados Unidos durante o governo Clinton que essa resistência à cooperação regional foi quebrada. O então presidente Pastrana liderou uma discussão sobre como atrair apoio financeiro, material, logístico e de inteligência com os EUA, Europa e outros países. O Brasil foi intensamente consultado a fazer parte, aproveitando-se as excelentes relações que o governo Clinton mantinha com o Fernando Henrique Cardoso. Ainda assim, apenas os EUA aceitaram apoiar os esforços colombianos de forma efetiva.

O Plano Colômbia, como ficou conhecido, contou com investimento aproximado de 700 milhões de dólares anuais, apoio de inteligência e de militares norte-americanos em troca de um acordo militar envolvendo outras questões de segurança além das FARC, compensando, em parte, o fim de outro acordo que tinham com o Equador de uso de bases militares e de centro de inteligência.

A ofensiva militar iniciada pelo governo colombiano foi bem-sucedida. Seus alvos principais foram as lideranças do grupo e ataques as suas bases militares. Junto, aumentaram também os danos colaterais, tanto no envolvimento de paramilitares, como nas consequências para população civil e meio ambiente, ainda que tenha tido apoio majoritariamente favorável da opinião pública colombiana e norte-americana.

Após dez anos de Plano Colômbia, as FARC estavam profundamente debilitadas, mas ainda atuante. Juan Manuel Santos inicia seu mandato em 2010 anunciando a intenção de fazer um acordo de paz. Seu argumento é que a vitória total pela via militar é difícil e muito custosa. A situação é delicada, pois, como outros casos indicam, é comum que esses grupos passem de guerrilheiros para terroristas, dado que perdem a condição de luta armada direta. Apostando na vitória militar pura, Uribe, que após deixar a presidência é o principal representante da oposição, rompe com seu sucessor e lidera uma companha contra o acordo. A última batalha a ser vencida será o plebiscito que ratificará o acordo e, ao que tudo indica, conta com apoio da maioria da população.

As negociações contaram com o apoio de Cuba, Venezuela, Noruega e Chile. Novamente o Brasil é mantido fora dos acordos. Perdemos uma chance de aprofundar uma relação de cooperação com um vizinho importante. Mas ainda há motivo para comemorar, pois o acordo é de interesse estratégico para toda a região.

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