Não há crise institucional. Pelo contrário
A sobreposição de acontecimentos nos jornais e nos debates públicos e privados tem tornado bastante difícil separar e interpretar eventos distintos ligados à crise atual do país. Porém, analisá-los separadamente é fundamental para entender o que está ocorrendo na vida pública nacional. O risco de não fazê-lo é não captar os elementos positivos da dinâmica […]
Da Redação
Publicado em 21 de abril de 2016 às 12h50.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.
A sobreposição de acontecimentos nos jornais e nos debates públicos e privados tem tornado bastante difícil separar e interpretar eventos distintos ligados à crise atual do país. Porém, analisá-los separadamente é fundamental para entender o que está ocorrendo na vida pública nacional. O risco de não fazê-lo é não captar os elementos positivos da dinâmica institucional brasileira e confundi-los com a crise política (que é, basicamente, uma crise de formação de maioria) e com os escândalos no campo criminal relacionados à Operação Lava-Jato. Embora existam conexões entre esses três processos, eles são de naturezas muito distintas.
Entre os elementos positivos a que me refiro está o funcionamento bastante razoável dos mecanismos de “pesos e contrapesos” do sistema político brasileiro, em particular os voltados para restringir a tradicional dominância do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário. É a plenitude desses mecanismos que garante a normalidade democrática no país.
Tanto a Operação Lava-Jato — levada a cabo por vias judiciais —, quanto o processo de impeachment — essencialmente uma dinâmica parlamentar — têm o objetivo de limitar e punir os abusos de poder do chefe do Executivo no Brasil. O primeiro está voltado para restringir o abuso do poder econômico derivado dos desvios dos investimentos e das compras das empresas estatais em função de interesses políticos; o segundo está voltado para punir o abuso do governo na gestão do orçamento público do país.
Desse ponto de vista, não existe crise institucional no Brasil, ao contrário, os mecanismos de equilíbrio e controle entre os poderes — que os americanos criaram em sua Constituição em 1789 e denominaram check and balances — estão se mostrando funcionais. Aos que veem nas disputas entre os três poderes uma crise institucional, vale lembrar que no pensamento político clássico existe uma máxima que diz que a única forma de conter o abuso de um polo de poder é contrapô-lo a outro polo de poder. Não é no campo moral ou ético, ou mesmo com autocontrole, que se impede o abuso de poder. No campo institucional — e a teoria da divisão de poderes se baseia nisso —, trata-se de estabelecer dinâmicas nas quais um poder constituído atua no sentido de controlar e limitar as ações dos demais poderes constituídos. Indo mais além nessa linha de raciocínio, esses mecanismos foram criados para funcionar em um período de estresse do sistema — justamente o que estamos vendo agora no Brasil com a sobreposição de uma crise política a uma recessão econômica.
A solidez de uma ponte se prova quando ela é capaz de suportar testes de estresse de esforços, e não quando se mantém de pé em condições usuais. O mesmo se aplica ao sistema político brasileiro — e ele parece estar passando no teste.
Tanto o que vem ocorrendo na Venezuela nos últimos anos quanto, mais recentemente, os acontecimentos na Turquia são exemplos nos quais a dominância do Poder Executivo fez sucumbir os demais poderes e, com eles, a liberdade das organizações sociais, dos grupos de oposição e da liberdade de expressão. Na Argentina, essa dinâmica política típica de países em desenvolvimento não chegou tão longe como nos outros dois casos, mas o mecanismo de pesos e contrapesos claramente falhou ao longo da gestão de Cristina Kirchner. Processar o governo anterior por corrupção — como ocorre agora no início do governo de Macri — é o padrão mais conhecido na região. É raro que as instâncias jurídicas e legislativas cobrem e punam os abusos do chefe do Poder Executivo durante seu mandato.
O fato de a qualidade dos deputados atuais ser questionável — um tema que se fortaleceu após as declarações de voto dos parlamentares no domingo passado — não altera a força das instituições observada no Brasil. Seria um equívoco avaliar a qualidade das regras de um jogo pelo nível técnico dos jogadores de plantão.
Mas não é apenas o contrapeso do Poder Legislativo que está atuando contra os abusos do Executivo no atual caso. Também o Poder Judiciário está restringindo certos abusos procedimentais do Legislativo. Uma resposta possível do Congresso, se assim o quisesse, seria reformar as leis ou mesmo artigos constitucionais com base nos quais o Poder Judiciário formula suas decisões. Apenas em poucos casos isso tem ocorrido. Mas a via está aberta.
Dessa forma, até o momento, do ponto de vista institucional, temos mais a comemorar do que a lamentar. Nesse quesito, sem dúvida, o Brasil lidera o ranking dos grandes países emergentes, em particular entre os Brics. Certamente há falhas, imperfeições e questões mal resolvidas nos mecanismos de pesos e contrapesos entre os poderes constituídos, no âmbito tanto federal quanto, ainda mais grave, no estadual e municipal. Mas basta participar de debates políticos no exterior — como tenho feito ultimamente — para ouvir de vários analistas argentinos, mexicanos, russos, entre outros, que o que está ocorrendo no Brasil deve ser um exemplo para vários outros países em desenvolvimento.
A sobreposição de acontecimentos nos jornais e nos debates públicos e privados tem tornado bastante difícil separar e interpretar eventos distintos ligados à crise atual do país. Porém, analisá-los separadamente é fundamental para entender o que está ocorrendo na vida pública nacional. O risco de não fazê-lo é não captar os elementos positivos da dinâmica institucional brasileira e confundi-los com a crise política (que é, basicamente, uma crise de formação de maioria) e com os escândalos no campo criminal relacionados à Operação Lava-Jato. Embora existam conexões entre esses três processos, eles são de naturezas muito distintas.
Entre os elementos positivos a que me refiro está o funcionamento bastante razoável dos mecanismos de “pesos e contrapesos” do sistema político brasileiro, em particular os voltados para restringir a tradicional dominância do Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário. É a plenitude desses mecanismos que garante a normalidade democrática no país.
Tanto a Operação Lava-Jato — levada a cabo por vias judiciais —, quanto o processo de impeachment — essencialmente uma dinâmica parlamentar — têm o objetivo de limitar e punir os abusos de poder do chefe do Executivo no Brasil. O primeiro está voltado para restringir o abuso do poder econômico derivado dos desvios dos investimentos e das compras das empresas estatais em função de interesses políticos; o segundo está voltado para punir o abuso do governo na gestão do orçamento público do país.
Desse ponto de vista, não existe crise institucional no Brasil, ao contrário, os mecanismos de equilíbrio e controle entre os poderes — que os americanos criaram em sua Constituição em 1789 e denominaram check and balances — estão se mostrando funcionais. Aos que veem nas disputas entre os três poderes uma crise institucional, vale lembrar que no pensamento político clássico existe uma máxima que diz que a única forma de conter o abuso de um polo de poder é contrapô-lo a outro polo de poder. Não é no campo moral ou ético, ou mesmo com autocontrole, que se impede o abuso de poder. No campo institucional — e a teoria da divisão de poderes se baseia nisso —, trata-se de estabelecer dinâmicas nas quais um poder constituído atua no sentido de controlar e limitar as ações dos demais poderes constituídos. Indo mais além nessa linha de raciocínio, esses mecanismos foram criados para funcionar em um período de estresse do sistema — justamente o que estamos vendo agora no Brasil com a sobreposição de uma crise política a uma recessão econômica.
A solidez de uma ponte se prova quando ela é capaz de suportar testes de estresse de esforços, e não quando se mantém de pé em condições usuais. O mesmo se aplica ao sistema político brasileiro — e ele parece estar passando no teste.
Tanto o que vem ocorrendo na Venezuela nos últimos anos quanto, mais recentemente, os acontecimentos na Turquia são exemplos nos quais a dominância do Poder Executivo fez sucumbir os demais poderes e, com eles, a liberdade das organizações sociais, dos grupos de oposição e da liberdade de expressão. Na Argentina, essa dinâmica política típica de países em desenvolvimento não chegou tão longe como nos outros dois casos, mas o mecanismo de pesos e contrapesos claramente falhou ao longo da gestão de Cristina Kirchner. Processar o governo anterior por corrupção — como ocorre agora no início do governo de Macri — é o padrão mais conhecido na região. É raro que as instâncias jurídicas e legislativas cobrem e punam os abusos do chefe do Poder Executivo durante seu mandato.
O fato de a qualidade dos deputados atuais ser questionável — um tema que se fortaleceu após as declarações de voto dos parlamentares no domingo passado — não altera a força das instituições observada no Brasil. Seria um equívoco avaliar a qualidade das regras de um jogo pelo nível técnico dos jogadores de plantão.
Mas não é apenas o contrapeso do Poder Legislativo que está atuando contra os abusos do Executivo no atual caso. Também o Poder Judiciário está restringindo certos abusos procedimentais do Legislativo. Uma resposta possível do Congresso, se assim o quisesse, seria reformar as leis ou mesmo artigos constitucionais com base nos quais o Poder Judiciário formula suas decisões. Apenas em poucos casos isso tem ocorrido. Mas a via está aberta.
Dessa forma, até o momento, do ponto de vista institucional, temos mais a comemorar do que a lamentar. Nesse quesito, sem dúvida, o Brasil lidera o ranking dos grandes países emergentes, em particular entre os Brics. Certamente há falhas, imperfeições e questões mal resolvidas nos mecanismos de pesos e contrapesos entre os poderes constituídos, no âmbito tanto federal quanto, ainda mais grave, no estadual e municipal. Mas basta participar de debates políticos no exterior — como tenho feito ultimamente — para ouvir de vários analistas argentinos, mexicanos, russos, entre outros, que o que está ocorrendo no Brasil deve ser um exemplo para vários outros países em desenvolvimento.