Julgamento de Lula será mais político do que jurídico
As delações da Odebrecht irão causar novas ondas de descrédito no sistema político do país. Com ares de normalidade intragáveis, as gravações de seus executivos elevaram em mais um grau a tensão do jogo político. Para muitos dos envolvidos, esse foi apenas mais um episódio. Para outros, uma mudança drástica, como no caso de Lula. […]
Publicado em 19 de abril de 2017 às, 11h54.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h29.
As delações da Odebrecht irão causar novas ondas de descrédito no sistema político do país. Com ares de normalidade intragáveis, as gravações de seus executivos elevaram em mais um grau a tensão do jogo político. Para muitos dos envolvidos, esse foi apenas mais um episódio. Para outros, uma mudança drástica, como no caso de Lula.
A sequência de declarações de Marcelo e Emílio Odebrecht sobre o papel que Lula ocupava no esquema de corrupção profissionalizada equivale a um golpe no queixo no penúltimo round de uma luta de boxe. Não acabou com a luta, mas o deixou em uma situação de difícil reversão. Do ponto de vista político, uma imagem vale mais do que mil páginas de inquéritos.
O que conta a favor de Lula é que, ao contrário de Sérgio Cabral, Antônio Palocci, José Dirceu, Eduardo Cunha e Aécio Neves, não se identificou ainda de maneira clara recursos desviados para enriquecimento pessoal. O famoso tríplex do Guarujá foi um possível crime que não se concretizou, assim como a aludida requisição para comprar um terreno para o Instituto Lula não se consumou. Além disso, os recursos para a reforma do sítio do amigo do ex-presidente são bastante indiretos para serem prova de corrupção com fins pessoais.
Dadas as fartas evidências, pessoas ao seu redor – inclusive seus filhos e irmão – parecem ter se beneficiado.
De qualquer forma, está cada vez mais evidente que Lula alinhou com o patriarca Odebrecht um esquema que favoreceu de forma sistemática e ilícita seu grupo político. Não há dúvida de que seu objetivo principal era – e continua sendo – político, tanto na presidência como fora dela.
Lula parece ter encontrado na família e nas organizações Odebrecht pessoas dispostas a fazer o mesmo do lado empresarial. Como o próprio Marcelo Odebrecht menciona, eles profissionalizaram a propina no início de 1990, quando criaram um departamento e deslocaram uma equipe para gerir o esquema internacional de lavagem de dinheiro e de contribuição eleitoral legal e ilegal. Algumas empresas dizem que entraram nesse tipo de negócio escuso por pressão da concorrência ou por interesse em um ou outro contrato. Mas a Odebrecht optou em fazer disso um modelo de negócio dentro e fora do Brasil.
As novas denúncias, e mais ainda o farto material televisivo, devem abalar as bases de apoio de Lula. Para parte importante da população não importam os detalhes legais e formais, mas o sentido do enredo geral. E neste caso, restam poucas dúvidas sobre a participação de Lula.
O novo abalo nas suas bases, entretanto, não significa que o apoio a Lula irá desaparecer. Se hoje aparece com cerca de 20% de apoio, pode até haver um recuo para algo perto dos 15% que ele ainda seguirá como uma importante força política para 2018, seja para a presidência ou outro cargo eletivo.
Como a Lei da Ficha Limpa limita a participação em eleições apenas de pessoas condenadas em segunda instância e por órgão colegiado, a tramitação do caso Lula – agora correndo em primeira instância em Curitiba – irá misturar motivações políticas e jurídicas. Tanto o Ministério Público Federal como o Estadual de São Paulo já deram demonstrações de que estão ávidos para condenar Lula. O processo de Lula não deve ter a duração média dos julgamentos da justiça brasileira. Sua condenação em primeira instância tem grandes chances ocorrer ainda esse ano, pois há pressa do Ministério Público em preparar o material acusatório.
Com rituais e prazos mais robustos, mas ainda assim como um grau elevado de discricionariedade sobre como e quando priorizar processo, será na segunda instância que a politização do caso irá se confrontar com procedimentos jurídicos formais. Tanto acelerar como atrasar o caso serão atos políticos.
A fronteira entre a instância jurídica e a política será muito tênue ou mesmo inexistente. Não é fácil decidir pela condenação e prisão de um político com 20% de apoio para presidente e que conta com uma máquina de mobilização social. Mas também não é fácil deixar o caso tramitar nos prazos normais e dilatados da justiça do país. Sendo assim, o julgamento, que a rigor já começou, será mais político do que jurídico.