Hoje, caminhoneiros. Em 2013, estudantes
Sem lideranças ou entidades de destaque, a greve dos caminhoneiros ganhou adesão ampla e agenda cada vez mais generalizada, assim como nas manifestações de 2013
Publicado em 4 de junho de 2018 às, 15h05.
Um movimento como o que assistimos semana passada não ocorre por acaso. Ainda mais surpreendente é o fato de contar com a aprovação de 87% dos brasileiros, mesmo sendo eles os principais prejudicados pelas consequências da greve. Tal qual o ocorrido em 2013, quando uma manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus gerou uma série de demonstrações, a greve dos caminhoneiros passou a representar um ato contra a situação geral do país: governo ineficiente, desequilíbrio distributivo, corrupção e altos impostos. Um ato de uma categoria por melhoria de sua renda passou a ser percebida como uma ação heroica contra a ordem estabelecida.
Mas esse evento não ocorreu por geração espontânea ou por pura indignação. Ele foi fruto de uma sequência de decisões ou omissões, assim como de condições materiais difíceis para o setor, somadas a uma percepção difusa e muito negativa da população sobre os governantes. A rápida reforma pela qual passou o setor energético no governo Temer, apesar de bastante efetiva em seus resultados, deixou um legado de distorções e desequilíbrios. Esse, possivelmente, foi o setor econômico com mudanças mais abruptas dentre aqueles atingidos por reformas. Deu-se uma guinada na política de conteúdo nacional, no papel da Petrobras, na política de preços dos combustíveis, nas regras e dinâmica dos leilões de concessões, avançou-se de maneira rápida na venda de ativos da Petrobras e no enxugamento de seus quadros e projetos.
A maior parte dessas mudanças não foi feita de maneira negociada ou visando acomodar os atores envolvidos. A urgência da agenda atropelou muitos deles e deixou tensões ao longo da cadeia produtiva. A questão do preço dos combustíveis, em particular do diesel e os caminhoneiros, foi apenas um deles. Nesse caso, mais do que o preço do combustível, foi a imprevisibilidade que atingiu em cheio a rentabilidade do setor. Entre o fechamento de um contrato e a prestação dos serviços, o preço do combustível subia sem aviso ou previsão.
No caso dos caminhoneiros outro fator de caráter estrutural já vinha pesando sobre o preço dos fretes: a forte política de expansão da frota bancada pelas linhas de crédito subsidiadas do BNDES – Finame e Pro-Caminhoneiro. De 2004 a 2014 a frota de caminhões pesados cresceu 40% e de leves mais de 200%. Ademais, esse enorme aumento na concorrência, com a retração econômica dos últimos anos a demanda despencou. Resultado: a rentabilidade de atividade reduziu-se drasticamente, seja para autônomos, seja para empresas de transporte.
A categoria dos caminhoneiros – tal qual outras tantas atingidas por mudanças drásticas de políticas entre os governos Dilma Roussef e Michel Temer – vinha pedindo medidas de atenuação dessas distorções desde 2016. Mas, nenhuma delas foi atendida. Portanto, não faltaram motivos para uma mobilização.
As várias lideranças de entidades iniciaram os planos de greve com relativo baixo grau de articulação. Mas foram surpreendidos pela adesão e pelo efeito das redes sociais, em particular o Whatsapp. O teor das mensagens entre os próprios caminhoneiros foi ganhando impulso e logo, novos temas entraram nos debates, muito além do preço do diesel e dos pedágios.
Foi nesse momento que os contornos da greve passaram a se assemelhar às manifestações de 2013. Sem lideranças ou entidades de destaque, sem partidos políticos ou apoio específico da mídia, o movimento ganhou adesão ampla e agenda cada vez mais generalizada. Em poucos dias a pauta passou a ser a renúncia do presidente Temer, a corrupção, os desvios de recursos, os altos impostos e, infelizmente, até defesa de intervenção militar.
As tensões acumuladas na sociedade e na economia após esse longo ciclo de crescimento econômico, redução da pobreza, aumento da classe média, assim como dos gastos públicos, do aumento dos impostos, dos escândalos de corrupção, geram um ambiente explosivo no país. O ambiente político até a posse do novo governo em janeiro de 2019 seguirá de tensão com as consequentes greves, demonstrações, protestos, debate acalorado e radicalizações. No campo econômico, câmbio, juros, bolsa de valores, etc irão seguir com enorme volatilidade.
As válvulas de escape dessas tensões em regimes democráticos são no curto prazo as manifestações, mas, ao longo prazo, são principalmente as eleições e a possibilidade de mudanças de governos e de políticas públicas. Não existe atalho para mudanças profundas que não o rearranjo das forças políticas na sociedade e no governo.